From Indigenous Peoples in Brazil

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Prontos para a batalha

04/06/2013

Fonte: O Globo, País, p. 3



Prontos para a batalha
Grupos realizam ações simultâneas em três estados; Cimi diz que governo faz proposta racista

Paulo Yafusso

Campo grande, brasília, curitiba, porto alegre e São Paulo Em meio ao clima de tensão em Sidrolândia (MS), onde grupos da etnia Terena ocupam sete áreas e rejeitam ordem da Justiça Federal para desocupar a Fazenda Buriti, indígenas fizeram ainda ações simultâneas em Curitiba e Porto Alegre para protestar contra o governo Dilma Rousseff, que recebeu duras críticas dos representantes dos índios. Enquanto isso, o Palácio do Planalto estuda medidas para conter a tensão nas áreas ocupadas. Já a Funai pede mais prazo para que a reintegração de posse da Fazenda Buriti ocorra. O prazo termina hoje. Na semana passada, um índio morreu após confronto com a polícia.
Ontem, em Mato Grosso do Sul, ocorreu o enterro de Oziel Gabriel, morto no dia 30. Os índios fizeram novo protesto e reagiram à ordem de reintegração de posse. Alberto Terena, uma das lideranças do grupo, disse que os indígenas, revoltados com a morte, decidiram retomar as áreas reivindicadas há anos como pertencente à reserva da etnia. Os índios brigam com os fazendeiros pela posse de 17 mil hectares, onde estão distribuídas as fazendas ocupadas.
De acordo com o advogado dos fazendeiros de Sidrolândia, Newley Amarilha, hoje serão feitos novos pedidos de reintegração para cinco propriedades, todas próximas à fazenda Buriti. Em reunião na sede da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), os ruralistas decidiram pedir para que a bancada federal do estado acerte com o governo federal o envio de tropas do Exército para a área do conflito.
- Não queremos índios mortos e não queremos que um dos nossos morram. E o Exército pode resolver isso de forma pacífica - afirmou Francisco Maia, presidente da Acrissul.
Caso os indígenas não desocupem a Fazenda Buriti, a União terá que pagar multa de R$ 1 milhão por dia, e a Funai e as lideranças indígenas 1% desse montante, além de multa diária. Além das seis propriedades em Sidrolândia, os terena mantém a ocupação da fazenda Esperança, em Aquidauana, a 200 quilômetros de Campo Grande.
Já em Curitiba, 30 índios caingangues ocuparam na manhã de ontem a sede do PT para protestar contra a suspensão pelo governo federal das demarcações de terras índígenas no Paraná. O principal alvo dos índios foi a ministra da Casa Civil, Gleisi Hofffmann, que é paranaense. Um cartaz pendurado na entrada da sede do PT dizia: "Gleisi discursa favorável ao agronegócio e contra os povos indígenas".
O cacique Cretã Kaingang acusa a ministra Gleisi Hoffmann de suspender 11 processos de reconhecimento de terras indígenas no Paraná, impedindo a publicação de portarias declaratórias, etapa fundamental para a demarcação de um reserva indígena. Segundo Cretã, os índios que ocuparam a sede do PT são do Sudoeste do Paraná e vieram de ônibus para Curitiba.
- No Mato Grosso do Sul, eles reagiram, e acabaram morrendo índios de outras etnias. Nós, no Paraná, estamos na mesma situação, então pode ter mais mortes se essas portarias não voltarem. E só morrendo índio e a imprensa noticiando para conseguirmos a atenção do governo para nossa situação - disse o cacique.
Segundo o Jornal Nacional, os indígenas saíram da sede do partido após negociação para que representantes do grupo sejam recebidos pela chefe da Casa Civil.
No Rio Grande do Sul, grupos de indígenas bloquearam ontem pela manhã um trecho de uma rodovia federal e dois de estradas estaduais para pressionar o governo a demarcar 22 mil hectares de terra. Os bloqueios começaram às 8h e foram mantidos pelo menos até 17h50, causando diversos trechos de engarrafamentos.
Os índios colocaram toras de madeira nas estradas e empunhavam enxadas e foices no protesto. Mulheres e crianças também ajudaram a interromper o trânsito no quilômetro 272 da BR 285, entre Passo Fundo e Lagoa Vermelha, na cidade de Mato Castelhano. A rota é muita usada por caminhões que transportam soja ao porto de Rio Grande.
O tom da ação coordenada foi dado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que classificou como "racista e preconceitusa" as propostas em discussão pelo governo Dilma para as comunidades. Para o Cimi, governo e agronegócio, juntos, fazem um ataque sincronizado.
"Demarcações paralisadas pelo governo federal e ruralistas no ataque para impedir novas demarcações, rever as demarcações já realizadas e explorar as terras demarcadas. É isso que os povos indígenas enxergam na conjuntura político indigenista do Brasil. É contra este ataque sincronizado do Governo Federal e do agronegócio que os povos reagem na perspectiva de que seus direitos sejam preservados e efetivados. Uma reação, portanto, em legítima defesa de suas existências enquanto indivíduos e povos", diz a nota.
Em resposta, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, voltou a defender ontem que outros órgãos do governo além da Funai participem do processo de demarcação de terras indígenas. Atualmente, o decreto que trata do tema já diz que a Funai pode solicitar a ajuda de outros órgãos públicos, mas o governo quer deixar isso mais claro. O objetivo é regulamentar as mudanças até o fim desse semestre.
Gleisi participou ontem de reunião com o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, que atua na defesa dos povos indígenas por meio do Conselho Indigenista Missionário.
- A Funai é fundamental. Os laudos antropológicos, estudos são fundamentais para que a demarcação ocorra. O que queremos, e já está estabelecido em decreto, é ouvir outros órgãos envolvidos. Queremos um processo bem fundamentado - disse Gleisi, defendendo nesses casos a participação, por exemplo, do Ministério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Ontem, Steiner defendeu que a Funai não seja esvaziada.
- Nós esperamos, e eu manifestei isso à ministra, que a Funai não seja esvaziada. Nós não podemos esquecer que o primeiro direito é deles (índios). A Constituição reconhece isso. Nós chegamos depois - disse Steiner.
O antropólogo Gilberto Azanha, do Centro de Centro de Trabalho Indigenista (CTI), afirmou que o governo federal se furta de discutir a principal medida para resolver a questão da demarcação das terras indígenas no país, que é direcionar recursos para indenizar os fazendeiros que têm títulos de propriedade legais, obtidos de boa fé.
- Muitos estão em áreas de ocupação tradicional indígena porque receberam títulos dos governos estaduais. São situações legais e essa é uma discussão política, pois é preciso determinar de onde virá o dinheiro para indenizar - diz Azanha.
Na avaliação dele, o governo de Dilma Rousseff retrocedeu e interpreta as questões indígenas com um "olhar do outro lado", o da frente parlamentar agropecuária. Azanha lembrou que um dos sinais da mudança de postura em relação aos índios, na comparação com o governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, é o fato de a presidente nunca ter participado de um encontro do Conselho Nacional Indigenista, por exemplo.
- Há um jogo de endurecer com os índios. Uma visão anti-índio, de quem acredita que os índios impedem o desenvolvimento do país. É uma visão favorável ao agronegócio - diz Azanha.

O Globo, 04/06/2013, País, p. 3
 

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