From Indigenous Peoples in Brazil

News

Pedras e tiros de armas de fogo: caminhoneiros atacam indígenas que ocupam rodovia Transamazônica contra o Marco Temporal

29/03/2025

Autor: Afonso Bezerra

Fonte: Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/



Pedras e tiros de armas de fogo: caminhoneiros atacam indígenas que ocupam rodovia Transamazônica contra o Marco Temporal
Lideranças denunciam truculência dos motoristas: 'é mais fácil matar alguém do que perder a carga'

Os indígenas Munduruku, acampados na rodovia BR-230 desde a última terça-feira (25) em protesto contra o Marco Temporal, estão sendo atacados por caminhoneiros. Este é o quinto dia de protestos do grupo, que critica também a falta de diálogo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas e com o Ministério dos Povos Indígenas.

De acordo com lideranças do movimento, os motoristas estão arremessando pedras, disparando arma de fogo contra os manifestantes e passando em alta velocidade pelo local, com manobras arriscadas e colocando em risco as pessoas na ocupação. Neste sábado (29), um caminhão sem freio cruzou a barreira feita pelos indígenas. Ninguém ficou ferido.

Os indígenas que ocupam a rodovia alegam que não há acompanhamento da polícia no momento em que eles liberam o fluxo na estrada, sem proteger o núcleo central da manifestação, onde os manifestantes estão reunidos com a presença de crianças e idosos.

A BR-230, conhecida como Transamazônica, é uma das maiores do país, com 4.260km. A via é um importante corredor logístico para o agronegócio. O trecho ocupado pelos indígenas fica perto do perímetro em que a BR-230 se conecta com BR - 163, que também serve ao agronegócio e liga a Transamazônica ao estado de Mato Grosso. Grande parte dos caminhoneiros que circulam por essas estradas trabalha para empresas na região.

Para cumprir ordem judicial que pede a desobstrução da rodovia, os indígenas estão liberando o fluxo em intervalos de 1h ao longo dia.

"Eles estão muito violentos, eles são horríveis, bebem muito. Eles andam armados como se não tivesse Justiça para eles", aponta Alessandra Kora´p Munduruku, uma das lideranças da ocupação ouvidas pelo Brasil de Fato. Em postagem nas redes sociais, a militante lamentou a ausência do governo federal durante a manifestação.

"Já é o quinto dia na BR 163 sobreposta da BR 230 e até agora a @funaioficial e nem o @minpovosindigenas nos procuraram!!! Pq será??? Estamos esperando pelo menos uma ligação, já que não pode vi até aqui", diz o texto, publicado no instagram.

A reportagem entrou em contato com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e até o momento não obteve resposta. Caso haja retorno, a matéria será atualizada.

Alessandra Munduruku narrou que a violência vinda dos motoristas ocorre desde a última terça-feira (25), dia em que fecharam a rodovia. Na quinta-feira ( 27), à noite, horas após a liberação do trecho, três tiros foram disparados contra os indígenas que estavam acampados às margens da pista. Dois disparos aconteceram por volta das 20h. O terceiro aconteceu às 21h.


"A gente não tem segurança aqui, com esses caminhoneiros dando tiro na gente, querendo atropelar a gente. As carretas já estão acostumadas a atropelar pessoas. Para eles, o que se perde é a carga. As pessoas que são atropeladas, para eles, não vai dar nada não, porque é uma vida, né? Para eles é mais fácil matar alguém na BR do que perder a carga."

Neste sábado, o grupo pediu a presença da polícia para poder liberar, entre 10h e 11h da manhã, o fluxo na rodovia. "Se eles não ficassem no meio, a gente não ia abrir. Porque se a gente não tivesse a nossa segurança, a gente não ia abrir a BR, conforme o juiz quer determinar. O juiz quer que a gente cumpra, mas não dá uma segurança."

Alessandra disse que, ainda na manhã deste sábado, antes de terminar o intervalo de 1h com a rodovia liberada, as viaturas já tinham saído de perto dos manifestantes.

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu contra a decisão judicial que determinou a reintegração de posse do trecho da BR. O MPF argumenta que a decisão não considerou a necessidade de diálogo interétnico e intercultural, desconsiderando exigências legais para ações de posse coletiva envolvendo grupos hipervulneráveis.

Além disso, o órgão destaca que a medida não ponderou o direito de manifestação em espaço público, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).


Contra o Marco Temporal
Os indígenas Munduruku estão ocupando a BR 230 desde a última terça-feira (25) em protesto contra o Marco Temporal e contra a lei 14.701/2023. A lei prevê que apenas terras que estavam ocupadas pelos indígenas no dia da promulgação da Constituição de 1988 podem ser demarcadas.

Ela segue a mesma premissa da tese ruralista do Marco Temporal, que foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar dessa conclusão, em 2024, a suprema corte do país voltou a discutir o tema após o ministro Gilmar Mendes instalar uma Comissão de Conciliação. O grupo passou 30 dias com os trabalhos suspensos.

Na última quinta-feira (27), a Comissão de Conciliação instalada no STF foi retomada, colocando em debate o texto do anteprojeto apresentado pelo ministro Gilmar Mendes.

No encontro, o ministro retirou do seu "anteprojeto de lei" o capítulo que previa mineração em Terras Indígenas (TIs). Outros artigos da minuta, como a indenização de fazendeiros pelo valor da terra nua, entraves no processo demarcatório e uso da Polícia Militar (PM) para despejar retomadas, seguem em discussão.

"A gente sabe que esse marco temporal é inconstitucional. O STF sabe disso. Mas, por conta do Congresso, do Senado, ele voltou de novo pro STF. E aí tá favorecendo mais o agronegócio do que os territórios indígenas.", afirmou Alessandra Munduruku.

A Comissão de Conciliação, liderada pelo ministro Gilmar Mendes, hoje é composta majoritariamente por setores ruralistas. O movimento indígena decidiu se retirar do grupo, ainda no início dos trabalhos, após considerar o espaço ilegítimo.

A Advocacia-Geral da União (AGU) também apresentou uma proposta na reunião desta quinta. Nela, não está a possibilidade de mineração, mas consta que "é facultado o exercício de atividades econômicas" em TIs, "desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas". Entre os exemplos, o documento cita a possibilidade de turismo nas aldeias.

No protesto na BR-230, os indígenas reivindicam o direito às terras, mesmo que as não ocupadas no dia da promulgação da Constituição, e criticam o teor da tese ruralista do Marco Temporal. Apontam que, sem demarcação, há ameaças aos povos indígenas e também ao meio ambiente.

"Desde quando surgiu o território, o planeta, já existiam os indígenas no Brasil, na América Latina, em todo canto do mundo já existiam povos indígenas. Então ele não pode dizer que só existe no dia 5 de outubro de 1988. Nós sempre existimos.", aponta Alessandra Munduruku, lembrando o papel que os indígenas que cumprem na defesa da natureza.

"Os territórios indígenas são os que mais preservam, são o que mais têm rio limpo, que tem floresta, mas o agronegócio precisa destruir, precisa explorar para mandar pros países desenvolvidos", finaliza.

Editado por: Nathallia Fonseca

https://www.brasildefato.com.br/2025/03/29/pedras-e-tiros-de-armas-de-fogo-caminhoneiros-atacam-indigenas-que-ocupam-rodovia-transamazonica-contra-o-marco-temporal/
 

The news items published by the Indigenous Peoples in Brazil site are researched daily from a variety of media outlets and transcribed as presented by their original source. ISA is not responsible for the opinios expressed or errors contained in these texts. Please report any errors in the news items directly to the source