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Como um xamã Kawaiwete modifica a tradição de seu povo por meio do cultivo do amendoim
09/06/2025
Fonte: Jornal da USP - https://jornal.usp.br/diversidade/como-um-xama-kawaiwete-modifica-a-tradicao-de-seu-
Como um xamã Kawaiwete modifica a tradição de seu povo por meio do cultivo do amendoim
Etnografia feita no Território Indígena do Xingu mostra como as inovações do líder Tuiat Kaiabi norteiam a relação da comunidade Kawaiwete com as transformações do mundo
Publicado: 09/06/2025 às 16:11
Texto: Maria Trombini*
Arte: Daniela Gonçalves**
Entre os Kawaiwete, grupo indígena do Alto Xingu, o xamã Tuiat Kaiabi não é apenas um guardião de histórias e tradições, mas um filósofo que transforma a história de seu povo. A partir de sua interpretação das mudanças do mundo, ele remodela diferentes hábitos e relações entre sua comunidade e adapta seu papel de mediação entre humanos e espíritos. Ele o faz, por exemplo, em seu projeto de multiplicação das variedades de plantas cultiváveis, como o amendoim.
As práticas do xamã foram documentadas pelo antropólogo Rodrigo Rossi Mora Brusco em sua tese de doutorado, intitulada A multiplicação do amendoim (e outras modificações de um pajé kawaiwete) e desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP sob orientação da professora Marina Vanzolini.
O pesquisador realizou o trabalho de campo entre os anos de 2018 e 2022, após contato inicial mediado pelo Instituto Socioambiental (ISA). Os Kawaiwete residem no Território Indígena do Xingu, no Mato Grosso.
A princípio, Rodrigo pretendia investigar se a relação dos Kawaiwete com suas crenças se refletia, de alguma forma, na maneira como interagiam com os não indígenas. Mas, conversando com Tuiat, ele acabou percebendo outro movimento em curso: modificações nas tradições kawaiwetes, promovidas pelo próprio pajé.
Ao ocupar o papel de liderança religiosa e de conhecedor das histórias, é Tuiat, por exemplo, quem dá continuidade à tradição dos Kawaiwete de diversificação de cultivos agrícolas, por meio de negociação com os espíritos, ao mesmo tempo em que incorpora essa autoidentificação como povo agrícola às narrativas mitológicas de seu povo, tradicionalmente reconhecido como um povo guerreiro.
Homem branco, loiro, com corte de cabelo raspado e bigode. Ele usa uma camisa xadrez.
Rodrigo Brusco - Foto: Arquivo pessoal
Legenda
Rodrigo ressalta que a principal conclusão de seu trabalho remete à genialidade do xamã Tuiat e "ao nível de criatividade, de inventividade e de inovação que pode ter um pajé no meio de uma aldeia na floresta, a partir das relações que ele tem com o passado e com o presente, com os espíritos, com os não humanos e com o pai dele - que já morreu, mas com o qual continua tendo uma relação muito forte".
A questão da história
Nos estudos de antropologia, nunca se soube ao certo como abordar e lidar com o problema da história. Como muitos dos povos indígenas não têm tradições de registro histórico pela escrita, caberia aos antropólogos registrar discussões síncronas à época da elaboração de seus trabalhos.
Rodrigo explica que, ao longo das décadas, alguns autores que tentaram abordar a questão da história acabaram chegando a outra questão: muitos povos indígenas não se colocam no problema da história. Eles não se explicam a partir da historiografia e não se baseiam na sucessão temporal para explicar as realidades sociais, pois se relacionam com o passado de uma maneira diferente.
"É diferente da gente, que procura ficar estudando esses grandes acontecimentos que marcaram a história, que dividem a história em períodos, como Antiguidade, Idade Média e assim por diante. Nós nos dedicamos a investigar a história, o passado, para explicar o nosso presente", salienta ele.
Entre alguns grupos indígenas, é comum que certas mudanças históricas sejam incorporadas de tal forma que se transformem em parte da tradição mitológica. "Ou seja, após um grande evento, eles tentam esconder os efeitos dessas mudanças históricas. Isso quer dizer, em termos mais simples, que as coisas sempre foram feitas dessa maneira. Desde o mito é assim. E aí tem vários mecanismos através dos quais esses povos procuram fazer com que essas mudanças históricas sejam escondidas, sejam obliteradas, em certo sentido", acrescenta o antropólogo.
Ele cita o livro Mito Amazônico da História, do antropólogo escocês Peter Gow, para trazer um exemplo concreto. Nele, é mostrado como os indígenas Piro mudaram suas narrativas míticas após os primeiros contatos com os brancos. Os personagens da "história real" foram colocados nas narrativas míticas e os grandes acontecimentos passaram a compor esse tempo mítico.
"Eu mesmo encontrei isso em campo. As histórias que o pai do Tuiat contava para uma antropóloga e as que o Tuiat contou para mim são completamente diferentes, porque elas foram se transformando ao longo do tempo. E essa transformação muitas vezes vai incorporando as coisas que ocorreram na história. Eles contam essas narrativas como se sempre tivessem sido assim, mas não, elas mudaram. As próprias narrativas míticas vão incorporando as mudanças históricas", relata.
Rodrigo tentou compreender em que medida a teoria xamânica de Tuiat era um reflexo dessa tentativa de mascarar os efeitos da passagem de tempo, ao mesmo tempo em que o xamã, ao mudar o modo de contar os mitos, estava atuando ativamente para transformar a história de seu povo.
Uma das conclusões a que ele chegou é que, ao contrário da historiografia clássica, em que os humanos são os atores principais, Tuiat coloca os espíritos do mundo dos não humanos como os responsáveis pelas ações que permitem mudanças radicais no mundo contemporâneo.
As transformações do pajé
"Uma das histórias que Tuiat me contou, eu sempre havia visto na literatura como duas histórias diferentes: a história do surgimento do fogo e do surgimento das plantas cultivadas. Ao fazer essa junção, ele está também refletindo sobre uma mudança do local dos Kawaiwete face aos vizinhos deles", analisa Rodrigo.
Os Kawaiwete sempre foram considerados um povo guerreiro entre os demais grupos do Alto Xingu, que se apresentavam como povos pacíficos e evitavam as guerras em nome de uma convivência compartilhada. Os Kawaiwete, nunca tendo participado desse sistema, viram-se em uma crise de autoimagem com o fim das guerras entre os povos daquela região.
Ambiente é o Meio #104: Memória indígena é instrumento de preservação do meio ambiente
O xamã Tuiat, muito ligado à roça, passou a construir a imagem do coletivo como um povo próximo ao mundo agrícola e aos espíritos da terra.
"Para isso, ele transforma a maneira como conta essa narrativa de origem das plantas cultivadas, juntando nela a narrativa de origem do fogo. Assim, ele está dizendo que a origem da humanidade Kawaiwete foi paralela à origem da roça, o que os marcaria como um povo agrícola, ainda que não esqueçam as histórias das guerras. Ele colocou essa mudança na maneira como o povo se enxerga na narrativa mítica."
Nos anos 2000, Tuait deu início a um projeto de multiplicação de variedades de amendoim na roça de sua aldeia. O processo consiste em analisar as colheitas do amendoim e separar as novas variedades que surgem, para então plantá-las separadamente, dando continuidade ao surgimento de novas variedades e assim sucessivamente.
Para o xamã, esse não é um processo simplesmente biológico, mas também ritualístico. É a Kupeirup, ou "dona da roça", a personagem que dá origem às plantas cultivadas, que conecta as sementes de diferentes variedades embaixo da terra para que surjam novas variedades. Para isso acontecer, o xamã tem que viajar até o mundo dela e pedir por essas transformações.
"Isso é um exemplo claro de como ele está se utilizando das relações espirituais com esses não humanos para fazer essas transformações na aldeia dele. Nada disso aconteceria sem essa íntima relação dele com os espíritos, pois são eles que permitem essas mudanças", orienta.
Laços espirituais
Além das transformações simbólicas e espirituais provocadas pelas relações entre humanos e não humanos, Rodrigo também observa os efeitos materiais e ecológicos que têm alterado a vida no Xingu. A região vem sofrendo com um aumento significativo dos incêndios florestais, causados em parte pelas mudanças no regime de chuvas.
"Quando as pessoas vão queimar as roças, elas esperam a chuva, mas ela não vem. A principal mudança que eles percebem é essa: a chuva mudou de época. E com isso, muitos sinais naturais também mudam. Toda a forma de compreender as estações e os ciclos está sendo alterada", relata ele.
Essa percepção das mudanças climáticas, porém, não se restringe a observações empíricas. No pensamento de Tuiat, elas são compreendidas como parte de uma vingança dos espíritos diante das ações dos não indígenas. "Para ele, os espíritos estão se reunindo e decidindo agir contra a humanidade. É uma retaliação pelas destruições dos habitats - rios, florestas, montanhas - onde esses espíritos vivem", explica o antropólogo.
O xamã fala em uma "virada do dia", uma mudança de ordem cósmica, que se tornaria visível quando o Sol ficasse cada vez mais próximo da Terra. "Vai chegar o dia em que o Sol vai parar no meio do céu e não vai mais sair. Não vai ter mais noite. E o mundo vai queimar", resume Rodrigo, ao descrever a visão do pajé.
Essa cosmovisão também aponta caminhos. Para evitar o pior, seria necessário interromper a destruição dos territórios e prestar o devido respeito aos seres carnais e espirituais. O problema, segundo Rodrigo, é que essa interlocução entre mundos vem se tornando mais difícil. A presença da evangelização nas aldeias enfraqueceu o número de pajés, e com eles, a capacidade de mediar conflitos com os espíritos. "Antes, havia mais xamãs e, portanto, mais gente capaz de negociar. Hoje, com o avanço das igrejas, muitos deixaram de exercer o xamanismo. Isso torna a situação ainda mais delicada."
Diante disso, o projeto de Tuiat é aproximar sua comunidade cada vez mais dos espíritos, formando uma espécie de aliança para resistir aos efeitos do colapso. "Na aldeia dele, quase todas as crianças hoje são consideradas filhas de espírito", conta Rodrigo. "São espíritos que se tornaram humanos. Ele está construindo uma comunidade mista, em que humanos e espíritos dividem o mundo como forma de proteção", completa.
*Estagiária sob supervisão de Antônio Carlos Quinto e Silvana Salles
https://jornal.usp.br/diversidade/como-um-xama-kawaiwete-modifica-a-tradicao-de-seu-povo-por-meio-do-cultivo-do-amendoim/
Etnografia feita no Território Indígena do Xingu mostra como as inovações do líder Tuiat Kaiabi norteiam a relação da comunidade Kawaiwete com as transformações do mundo
Publicado: 09/06/2025 às 16:11
Texto: Maria Trombini*
Arte: Daniela Gonçalves**
Entre os Kawaiwete, grupo indígena do Alto Xingu, o xamã Tuiat Kaiabi não é apenas um guardião de histórias e tradições, mas um filósofo que transforma a história de seu povo. A partir de sua interpretação das mudanças do mundo, ele remodela diferentes hábitos e relações entre sua comunidade e adapta seu papel de mediação entre humanos e espíritos. Ele o faz, por exemplo, em seu projeto de multiplicação das variedades de plantas cultiváveis, como o amendoim.
As práticas do xamã foram documentadas pelo antropólogo Rodrigo Rossi Mora Brusco em sua tese de doutorado, intitulada A multiplicação do amendoim (e outras modificações de um pajé kawaiwete) e desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP sob orientação da professora Marina Vanzolini.
O pesquisador realizou o trabalho de campo entre os anos de 2018 e 2022, após contato inicial mediado pelo Instituto Socioambiental (ISA). Os Kawaiwete residem no Território Indígena do Xingu, no Mato Grosso.
A princípio, Rodrigo pretendia investigar se a relação dos Kawaiwete com suas crenças se refletia, de alguma forma, na maneira como interagiam com os não indígenas. Mas, conversando com Tuiat, ele acabou percebendo outro movimento em curso: modificações nas tradições kawaiwetes, promovidas pelo próprio pajé.
Ao ocupar o papel de liderança religiosa e de conhecedor das histórias, é Tuiat, por exemplo, quem dá continuidade à tradição dos Kawaiwete de diversificação de cultivos agrícolas, por meio de negociação com os espíritos, ao mesmo tempo em que incorpora essa autoidentificação como povo agrícola às narrativas mitológicas de seu povo, tradicionalmente reconhecido como um povo guerreiro.
Homem branco, loiro, com corte de cabelo raspado e bigode. Ele usa uma camisa xadrez.
Rodrigo Brusco - Foto: Arquivo pessoal
Legenda
Rodrigo ressalta que a principal conclusão de seu trabalho remete à genialidade do xamã Tuiat e "ao nível de criatividade, de inventividade e de inovação que pode ter um pajé no meio de uma aldeia na floresta, a partir das relações que ele tem com o passado e com o presente, com os espíritos, com os não humanos e com o pai dele - que já morreu, mas com o qual continua tendo uma relação muito forte".
A questão da história
Nos estudos de antropologia, nunca se soube ao certo como abordar e lidar com o problema da história. Como muitos dos povos indígenas não têm tradições de registro histórico pela escrita, caberia aos antropólogos registrar discussões síncronas à época da elaboração de seus trabalhos.
Rodrigo explica que, ao longo das décadas, alguns autores que tentaram abordar a questão da história acabaram chegando a outra questão: muitos povos indígenas não se colocam no problema da história. Eles não se explicam a partir da historiografia e não se baseiam na sucessão temporal para explicar as realidades sociais, pois se relacionam com o passado de uma maneira diferente.
"É diferente da gente, que procura ficar estudando esses grandes acontecimentos que marcaram a história, que dividem a história em períodos, como Antiguidade, Idade Média e assim por diante. Nós nos dedicamos a investigar a história, o passado, para explicar o nosso presente", salienta ele.
Entre alguns grupos indígenas, é comum que certas mudanças históricas sejam incorporadas de tal forma que se transformem em parte da tradição mitológica. "Ou seja, após um grande evento, eles tentam esconder os efeitos dessas mudanças históricas. Isso quer dizer, em termos mais simples, que as coisas sempre foram feitas dessa maneira. Desde o mito é assim. E aí tem vários mecanismos através dos quais esses povos procuram fazer com que essas mudanças históricas sejam escondidas, sejam obliteradas, em certo sentido", acrescenta o antropólogo.
Ele cita o livro Mito Amazônico da História, do antropólogo escocês Peter Gow, para trazer um exemplo concreto. Nele, é mostrado como os indígenas Piro mudaram suas narrativas míticas após os primeiros contatos com os brancos. Os personagens da "história real" foram colocados nas narrativas míticas e os grandes acontecimentos passaram a compor esse tempo mítico.
"Eu mesmo encontrei isso em campo. As histórias que o pai do Tuiat contava para uma antropóloga e as que o Tuiat contou para mim são completamente diferentes, porque elas foram se transformando ao longo do tempo. E essa transformação muitas vezes vai incorporando as coisas que ocorreram na história. Eles contam essas narrativas como se sempre tivessem sido assim, mas não, elas mudaram. As próprias narrativas míticas vão incorporando as mudanças históricas", relata.
Rodrigo tentou compreender em que medida a teoria xamânica de Tuiat era um reflexo dessa tentativa de mascarar os efeitos da passagem de tempo, ao mesmo tempo em que o xamã, ao mudar o modo de contar os mitos, estava atuando ativamente para transformar a história de seu povo.
Uma das conclusões a que ele chegou é que, ao contrário da historiografia clássica, em que os humanos são os atores principais, Tuiat coloca os espíritos do mundo dos não humanos como os responsáveis pelas ações que permitem mudanças radicais no mundo contemporâneo.
As transformações do pajé
"Uma das histórias que Tuiat me contou, eu sempre havia visto na literatura como duas histórias diferentes: a história do surgimento do fogo e do surgimento das plantas cultivadas. Ao fazer essa junção, ele está também refletindo sobre uma mudança do local dos Kawaiwete face aos vizinhos deles", analisa Rodrigo.
Os Kawaiwete sempre foram considerados um povo guerreiro entre os demais grupos do Alto Xingu, que se apresentavam como povos pacíficos e evitavam as guerras em nome de uma convivência compartilhada. Os Kawaiwete, nunca tendo participado desse sistema, viram-se em uma crise de autoimagem com o fim das guerras entre os povos daquela região.
Ambiente é o Meio #104: Memória indígena é instrumento de preservação do meio ambiente
O xamã Tuiat, muito ligado à roça, passou a construir a imagem do coletivo como um povo próximo ao mundo agrícola e aos espíritos da terra.
"Para isso, ele transforma a maneira como conta essa narrativa de origem das plantas cultivadas, juntando nela a narrativa de origem do fogo. Assim, ele está dizendo que a origem da humanidade Kawaiwete foi paralela à origem da roça, o que os marcaria como um povo agrícola, ainda que não esqueçam as histórias das guerras. Ele colocou essa mudança na maneira como o povo se enxerga na narrativa mítica."
Nos anos 2000, Tuait deu início a um projeto de multiplicação de variedades de amendoim na roça de sua aldeia. O processo consiste em analisar as colheitas do amendoim e separar as novas variedades que surgem, para então plantá-las separadamente, dando continuidade ao surgimento de novas variedades e assim sucessivamente.
Para o xamã, esse não é um processo simplesmente biológico, mas também ritualístico. É a Kupeirup, ou "dona da roça", a personagem que dá origem às plantas cultivadas, que conecta as sementes de diferentes variedades embaixo da terra para que surjam novas variedades. Para isso acontecer, o xamã tem que viajar até o mundo dela e pedir por essas transformações.
"Isso é um exemplo claro de como ele está se utilizando das relações espirituais com esses não humanos para fazer essas transformações na aldeia dele. Nada disso aconteceria sem essa íntima relação dele com os espíritos, pois são eles que permitem essas mudanças", orienta.
Laços espirituais
Além das transformações simbólicas e espirituais provocadas pelas relações entre humanos e não humanos, Rodrigo também observa os efeitos materiais e ecológicos que têm alterado a vida no Xingu. A região vem sofrendo com um aumento significativo dos incêndios florestais, causados em parte pelas mudanças no regime de chuvas.
"Quando as pessoas vão queimar as roças, elas esperam a chuva, mas ela não vem. A principal mudança que eles percebem é essa: a chuva mudou de época. E com isso, muitos sinais naturais também mudam. Toda a forma de compreender as estações e os ciclos está sendo alterada", relata ele.
Essa percepção das mudanças climáticas, porém, não se restringe a observações empíricas. No pensamento de Tuiat, elas são compreendidas como parte de uma vingança dos espíritos diante das ações dos não indígenas. "Para ele, os espíritos estão se reunindo e decidindo agir contra a humanidade. É uma retaliação pelas destruições dos habitats - rios, florestas, montanhas - onde esses espíritos vivem", explica o antropólogo.
O xamã fala em uma "virada do dia", uma mudança de ordem cósmica, que se tornaria visível quando o Sol ficasse cada vez mais próximo da Terra. "Vai chegar o dia em que o Sol vai parar no meio do céu e não vai mais sair. Não vai ter mais noite. E o mundo vai queimar", resume Rodrigo, ao descrever a visão do pajé.
Essa cosmovisão também aponta caminhos. Para evitar o pior, seria necessário interromper a destruição dos territórios e prestar o devido respeito aos seres carnais e espirituais. O problema, segundo Rodrigo, é que essa interlocução entre mundos vem se tornando mais difícil. A presença da evangelização nas aldeias enfraqueceu o número de pajés, e com eles, a capacidade de mediar conflitos com os espíritos. "Antes, havia mais xamãs e, portanto, mais gente capaz de negociar. Hoje, com o avanço das igrejas, muitos deixaram de exercer o xamanismo. Isso torna a situação ainda mais delicada."
Diante disso, o projeto de Tuiat é aproximar sua comunidade cada vez mais dos espíritos, formando uma espécie de aliança para resistir aos efeitos do colapso. "Na aldeia dele, quase todas as crianças hoje são consideradas filhas de espírito", conta Rodrigo. "São espíritos que se tornaram humanos. Ele está construindo uma comunidade mista, em que humanos e espíritos dividem o mundo como forma de proteção", completa.
*Estagiária sob supervisão de Antônio Carlos Quinto e Silvana Salles
https://jornal.usp.br/diversidade/como-um-xama-kawaiwete-modifica-a-tradicao-de-seu-povo-por-meio-do-cultivo-do-amendoim/
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