From Indigenous Peoples in Brazil
News
PL da Devastação: marcha da insensatez precisa ser contida
10/07/2025
Autor: GUETTA, Mauricio; SAMPAIO, Gabriel
Fonte: JOTA - https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pl-da-devastacao-marcha-da-insensatez-precisa
PL da Devastação: marcha da insensatez precisa ser contida
Discussão baseada no texto atual nos levará a uma decisão equivocada com grandes danos ao licenciamento ambiental no Brasil
Mauricio Guetta, Gabriel Sampaio
10/07/2025
No livro A marcha da insensatez, Barbara Tuchman apresenta como decisões equivocadas tiveram consequências desastrosas para milhões de pessoas. A obra trata da insistência de governos em adotar políticas contrárias aos próprios interesses, analisando a impotência da razão frente aos apelos da cobiça e de interesses individuais e imediatistas.
Aqui o paradoxo reflete a atuação do Congresso Nacional no PL 2159/2021, conhecido como PL da Devastação, por desconfigurar mais de 40 anos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) com a implosão de seu principal instrumento, o licenciamento ambiental.
Segundo o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial de 2020, todos os cinco maiores riscos e pontos de atenção a governos e mercados são afetos à questão climática-ambiental.
Estudo da Confederação Nacional dos Municípios publicado neste ano evidenciou que o Brasil sofreu prejuízos de R$ 732 bilhões por desastres climáticos nos últimos 12 anos; perdeu R$ 287 bilhões da sua produção agrícola e pecuária entre 2013 e 2022 por causa de eventos climáticos como o prolongamento de secas e o excesso de chuvas; e, no desastre do Rio Grande do Sul de 2024, a agricultura sofreu prejuízos diretos de pelo menos R$ 2,3 bilhões.
Mesmo assim, ignorando os efeitos nefastos do PL para o meio ambiente e o clima, a Confederação Nacional da Indústria e a Frente Parlamentar da Agropecuária são as maiores articuladoras pela aprovação do PL.
Está em risco a integridade do licenciamento ambiental como ferramenta para garantir avaliação segura e prevenção de impactos e danos ambientais sobre empreendimentos, articulando critérios técnicos, estudos de impacto, participação social e respeito a direitos fundamentais. Esvaziar por completo esse instrumento é um equívoco na direção da marcha da insensatez.
Primeiro, propõe-se a dispensa de licenciamento ambiental genericamente para diversas atividades potencialmente impactantes, inclusive agropecuárias (arts. 8o e 9o). Dispositivos similares aprovados em leis estaduais já foram declarados inconstitucionais pelo STF (ADIs 7611, 6618, 6288, 6650 e 4529). Para a Corte, se uma atividade tem o potencial de causar impactos, ela deve ser licenciada, sendo inconstitucional a dispensa do licenciamento.
O artigo 170, VI, da Constituição enfatiza a necessidade de respeito à proporcionalidade entre o grau de impacto de uma atividade e o rigor no procedimento de licenciamento ambiental, de modo que atividades agrícolas podem tanto estar isentas de licenciamento, como ser objeto do procedimento mais rigoroso em situações de potencial significativo impacto. Dispensar a licença genericamente por tipologia de empreendimento é medida há muito considerada inconstitucional.
Do mesmo modo, a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), permitindo sua aplicação para atividades de médio potencial de impacto ambiental, é medida reconhecidamente inconstitucional e temerária à segurança da população e do meio ambiente.
Por esse instrumento, o interessado apresenta um formulário com a autodeclaração sobre o empreendimento e, sem qualquer avaliação de impacto ou análise prévia do órgão ambiental, a atividade é automaticamente licenciada. Daí a LAC ser rotulada como licença automática por autodeclaração. Ao aplicá-la também para atividade de médio impacto, o PL torna essa modalidade regra geral, já que são minoritários os casos de significativo impacto.
Assim, afastam-se os princípios basilares da prevenção e da precaução, em prol da presunção de boa-fé do empreendedor. Segundo levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) baseado em informações oficiais de Minas Gerais, 85% das atividades de mineração e suas barragens de rejeitos no estado poderiam deixar de passar por qualquer análise técnica prévia e ser objeto de LAC.
O STF já declarou a inconstitucionalidade da LAC para atividades de médio impacto (ADIs 6808, 6618 e 5014). Tal flexibilização provoca importante alerta sobre os riscos de proliferação de novos desastres socioambientais, como Mariana e Brumadinho.
O texto ainda limita a avaliação de impactos e a adoção de medidas de prevenção para a proteção de terras indígenas (TI), territórios quilombolas (TQ) e Unidades de Conservação (UC), áreas protegidas, consideradas áreas de segurança climática devido ao portentoso estoque de carbono que protegem. Apenas TIs homologadas e TQs titulados serão considerados no licenciamento, o que também já foi declarado inconstitucional pelo STF (ADC 42).
Isso significa que cerca de 30% das TIs e 90% dos TQs simplesmente serão tidos como inexistentes quando da avaliação ambiental de um determinado empreendimento. Já no caso de UCs, dispensa-se qualquer análise de impactos, tanto para os indiretos como para os diretos, bem como é revogada a atual exigência de autorização do órgão competente pela gestão da área.
Além disso, é grave a politização do licenciamento, marcado pelo caráter técnico das análises e decisões, proporcionada pela criação da licença ambiental estratégica, incluída no Senado, para acelerar licenciamentos como o da exploração de petróleo na foz do Amazonas. O texto, atribui a um conselho de governo a legitimidade para classificar projetos estratégicos e, com isso, suprimir etapas essenciais de licenciamento, simplificando sobremaneira o procedimento adotado em casos de significativo impacto socioambiental.
Com isso, são criadas condições para perigosas violações de direitos humanos e para a corrupção, já que não há qualquer critério para a inclusão ou não de um empreendimento na lista de projetos estratégicos. O tema não é trivial. Segundo o Painel Dinâmico de Incidentes de Exploração e Produção da Agência Nacional do Petróleo, em 2024 houve 731 acidentes em operações relacionadas à exploração de petróleo - dois por dia, o que representa um recorde na série histórica do órgão regulador, iniciada em 2011.
E esses são apenas alguns exemplos de um texto que pode ser considerado como o mais radical contra o meio ambiente em avanço no Parlamento. A união de interesses que patrocina essa proposta insiste em desafiar decisões do STF e a tutela de direitos fundamentais em nome de um modelo exploratório que remonta ao período colonial.
O impacto disso vai para além da seara econômica e afeta o pacto social estabelecido pela Constituição em torno de garantias democráticas mínimas do Estado de Direito, baseada na tutela de direitos elementares que funcionam como barreiras à imposição das vontades de grupos privilegiados. A insistência nessa radicalização legislativa aumentará conflitos e levará à continuidade do debate nos tribunais, ampliando a indesejada judicialização.
A construção de um modelo moderno de desenvolvimento não passa pela supressão de direitos. É possível garantir um licenciamento ambiental eficaz, baseado em critérios técnicos e atendendo às exigências de responsabilidade ambiental e de respeito aos direitos da coletividade, tudo isso com celeridade e efetividade. Ao longo desse mesmo processo legislativo, propostas mais equilibradas e consensuadas foram construídas, mas abandonadas.
Diante desse cenário, é preciso conclamar as forças democráticas, de todos os espectros econômicos e ideológicos, a fim de buscar outra alternativa de texto legislativo, baseada na racionalidade e no respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos, arquivando-se o PL 2159/2021. O caminho que o país precisa adotar é o da elaboração de um novo projeto capaz de atender aos interesses genuínos de aperfeiçoamento das regras aplicáveis à matéria, convergindo para um amplo consenso. Já tivemos outros exemplos de mudanças de trajetórias legislativas para evitar equívocos históricos.
A discussão baseada no atual PL da Devastação nos levará a uma decisão equivocada com grandes danos. Por isso, é preciso interromper a marcha da insensatez e impulsionar um novo e amplo debate com a sociedade para o aperfeiçoamento do licenciamento ambiental no Brasil.
Mauricio Guetta Diretor de Direito e Políticas Públicas da Avaaz e professor de Direito Ambiental
Gabriel Sampaio Advogado, mestre pela PUC-SP e diretor da Conectas Direitos Humanos
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pl-da-devastacao-marcha-da-insensatez-precisa-ser-contida
Discussão baseada no texto atual nos levará a uma decisão equivocada com grandes danos ao licenciamento ambiental no Brasil
Mauricio Guetta, Gabriel Sampaio
10/07/2025
No livro A marcha da insensatez, Barbara Tuchman apresenta como decisões equivocadas tiveram consequências desastrosas para milhões de pessoas. A obra trata da insistência de governos em adotar políticas contrárias aos próprios interesses, analisando a impotência da razão frente aos apelos da cobiça e de interesses individuais e imediatistas.
Aqui o paradoxo reflete a atuação do Congresso Nacional no PL 2159/2021, conhecido como PL da Devastação, por desconfigurar mais de 40 anos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) com a implosão de seu principal instrumento, o licenciamento ambiental.
Segundo o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial de 2020, todos os cinco maiores riscos e pontos de atenção a governos e mercados são afetos à questão climática-ambiental.
Estudo da Confederação Nacional dos Municípios publicado neste ano evidenciou que o Brasil sofreu prejuízos de R$ 732 bilhões por desastres climáticos nos últimos 12 anos; perdeu R$ 287 bilhões da sua produção agrícola e pecuária entre 2013 e 2022 por causa de eventos climáticos como o prolongamento de secas e o excesso de chuvas; e, no desastre do Rio Grande do Sul de 2024, a agricultura sofreu prejuízos diretos de pelo menos R$ 2,3 bilhões.
Mesmo assim, ignorando os efeitos nefastos do PL para o meio ambiente e o clima, a Confederação Nacional da Indústria e a Frente Parlamentar da Agropecuária são as maiores articuladoras pela aprovação do PL.
Está em risco a integridade do licenciamento ambiental como ferramenta para garantir avaliação segura e prevenção de impactos e danos ambientais sobre empreendimentos, articulando critérios técnicos, estudos de impacto, participação social e respeito a direitos fundamentais. Esvaziar por completo esse instrumento é um equívoco na direção da marcha da insensatez.
Primeiro, propõe-se a dispensa de licenciamento ambiental genericamente para diversas atividades potencialmente impactantes, inclusive agropecuárias (arts. 8o e 9o). Dispositivos similares aprovados em leis estaduais já foram declarados inconstitucionais pelo STF (ADIs 7611, 6618, 6288, 6650 e 4529). Para a Corte, se uma atividade tem o potencial de causar impactos, ela deve ser licenciada, sendo inconstitucional a dispensa do licenciamento.
O artigo 170, VI, da Constituição enfatiza a necessidade de respeito à proporcionalidade entre o grau de impacto de uma atividade e o rigor no procedimento de licenciamento ambiental, de modo que atividades agrícolas podem tanto estar isentas de licenciamento, como ser objeto do procedimento mais rigoroso em situações de potencial significativo impacto. Dispensar a licença genericamente por tipologia de empreendimento é medida há muito considerada inconstitucional.
Do mesmo modo, a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), permitindo sua aplicação para atividades de médio potencial de impacto ambiental, é medida reconhecidamente inconstitucional e temerária à segurança da população e do meio ambiente.
Por esse instrumento, o interessado apresenta um formulário com a autodeclaração sobre o empreendimento e, sem qualquer avaliação de impacto ou análise prévia do órgão ambiental, a atividade é automaticamente licenciada. Daí a LAC ser rotulada como licença automática por autodeclaração. Ao aplicá-la também para atividade de médio impacto, o PL torna essa modalidade regra geral, já que são minoritários os casos de significativo impacto.
Assim, afastam-se os princípios basilares da prevenção e da precaução, em prol da presunção de boa-fé do empreendedor. Segundo levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) baseado em informações oficiais de Minas Gerais, 85% das atividades de mineração e suas barragens de rejeitos no estado poderiam deixar de passar por qualquer análise técnica prévia e ser objeto de LAC.
O STF já declarou a inconstitucionalidade da LAC para atividades de médio impacto (ADIs 6808, 6618 e 5014). Tal flexibilização provoca importante alerta sobre os riscos de proliferação de novos desastres socioambientais, como Mariana e Brumadinho.
O texto ainda limita a avaliação de impactos e a adoção de medidas de prevenção para a proteção de terras indígenas (TI), territórios quilombolas (TQ) e Unidades de Conservação (UC), áreas protegidas, consideradas áreas de segurança climática devido ao portentoso estoque de carbono que protegem. Apenas TIs homologadas e TQs titulados serão considerados no licenciamento, o que também já foi declarado inconstitucional pelo STF (ADC 42).
Isso significa que cerca de 30% das TIs e 90% dos TQs simplesmente serão tidos como inexistentes quando da avaliação ambiental de um determinado empreendimento. Já no caso de UCs, dispensa-se qualquer análise de impactos, tanto para os indiretos como para os diretos, bem como é revogada a atual exigência de autorização do órgão competente pela gestão da área.
Além disso, é grave a politização do licenciamento, marcado pelo caráter técnico das análises e decisões, proporcionada pela criação da licença ambiental estratégica, incluída no Senado, para acelerar licenciamentos como o da exploração de petróleo na foz do Amazonas. O texto, atribui a um conselho de governo a legitimidade para classificar projetos estratégicos e, com isso, suprimir etapas essenciais de licenciamento, simplificando sobremaneira o procedimento adotado em casos de significativo impacto socioambiental.
Com isso, são criadas condições para perigosas violações de direitos humanos e para a corrupção, já que não há qualquer critério para a inclusão ou não de um empreendimento na lista de projetos estratégicos. O tema não é trivial. Segundo o Painel Dinâmico de Incidentes de Exploração e Produção da Agência Nacional do Petróleo, em 2024 houve 731 acidentes em operações relacionadas à exploração de petróleo - dois por dia, o que representa um recorde na série histórica do órgão regulador, iniciada em 2011.
E esses são apenas alguns exemplos de um texto que pode ser considerado como o mais radical contra o meio ambiente em avanço no Parlamento. A união de interesses que patrocina essa proposta insiste em desafiar decisões do STF e a tutela de direitos fundamentais em nome de um modelo exploratório que remonta ao período colonial.
O impacto disso vai para além da seara econômica e afeta o pacto social estabelecido pela Constituição em torno de garantias democráticas mínimas do Estado de Direito, baseada na tutela de direitos elementares que funcionam como barreiras à imposição das vontades de grupos privilegiados. A insistência nessa radicalização legislativa aumentará conflitos e levará à continuidade do debate nos tribunais, ampliando a indesejada judicialização.
A construção de um modelo moderno de desenvolvimento não passa pela supressão de direitos. É possível garantir um licenciamento ambiental eficaz, baseado em critérios técnicos e atendendo às exigências de responsabilidade ambiental e de respeito aos direitos da coletividade, tudo isso com celeridade e efetividade. Ao longo desse mesmo processo legislativo, propostas mais equilibradas e consensuadas foram construídas, mas abandonadas.
Diante desse cenário, é preciso conclamar as forças democráticas, de todos os espectros econômicos e ideológicos, a fim de buscar outra alternativa de texto legislativo, baseada na racionalidade e no respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos, arquivando-se o PL 2159/2021. O caminho que o país precisa adotar é o da elaboração de um novo projeto capaz de atender aos interesses genuínos de aperfeiçoamento das regras aplicáveis à matéria, convergindo para um amplo consenso. Já tivemos outros exemplos de mudanças de trajetórias legislativas para evitar equívocos históricos.
A discussão baseada no atual PL da Devastação nos levará a uma decisão equivocada com grandes danos. Por isso, é preciso interromper a marcha da insensatez e impulsionar um novo e amplo debate com a sociedade para o aperfeiçoamento do licenciamento ambiental no Brasil.
Mauricio Guetta Diretor de Direito e Políticas Públicas da Avaaz e professor de Direito Ambiental
Gabriel Sampaio Advogado, mestre pela PUC-SP e diretor da Conectas Direitos Humanos
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pl-da-devastacao-marcha-da-insensatez-precisa-ser-contida
The news items published by the Indigenous Peoples in Brazil site are researched daily from a variety of media outlets and transcribed as presented by their original source. ISA is not responsible for the opinios expressed or errors contained in these texts. Please report any errors in the news items directly to the source