From Indigenous Peoples in Brazil

News

Projeto de lei do licenciamento coloca milhares de sítios arqueológicos em risco de destruição na Amazônia

14/07/2025

Autor: Lisiane Müller

Fonte: InfoAmazonia - https://infoamazonia.org/2025/07/14/projeto-de-lei-do-licenciamento-coloca-milhares-d



Projeto de lei do licenciamento coloca milhares de sítios arqueológicos em risco de destruição na Amazônia
Análise inédita do projeto Amazônia Revelada, em parceria com a InfoAmazonia, mostra que a flexibilização da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que impacta diretamente terras indígenas não homologadas, poderá afetar o patrimônio arqueológico já encontrado pelo Iphan.

Por Lisiane Müller
14 julho 2025 at 16:23

Com o novo projeto de lei de licenciamento ambiental, que deve retornar à Câmara dos Deputados nesta semana, milhares de sítios arqueológicos cadastrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) podem ficar vulneráveis devido à flexibilização das regras para a instalação de empreendimentos na Amazônia. É isso o que revela uma análise inédita realizada pelo projeto Amazônia Revelada, em parceria com a InfoAmazonia.

Com o Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2159/21), Terras Indígenas não homologadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) poderão ser excluídas das exigências formais de análise nos processos de licenciamento ambiental. Essa exclusão, mesmo quando os territórios já são reconhecidos oficialmente e estão em diferentes fases do processo de demarcação, contraria dispositivos da Constituição Federal de 1988 e acordos internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que asseguram o direito à consulta prévia, livre e informada a povos tradicionais sobre empreendimentos que possam afetar seus territórios.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), das 466 TIs existentes na Amazônia Legal, 109 (23%) ainda não foram homologadas, estando nas etapas de "em identificação", "identificada", "declarada" ou "reservada". Ou seja, todas essas terras, que se encontram em fases anteriores à homologação, não estariam automaticamente incluídas nas exigências de manifestação técnica nos processos de licenciamento ambiental, conforme a versão atual do PL 2159/2021.

Além disso, apenas 53 TIs não homologadas (48%) têm seus contornos geográficos já delimitados e disponíveis nas bases públicas. As outras 56 ainda aparecem apenas como pontos no extenso mapa da Amazônia, sem definição territorial.

Em 2024, uma reportagem publicada pela InfoAmazonia revelou que, apesar da intensificação do desmatamento em áreas protegidas, elas ainda atuam como barreira relevante à destruição do patrimônio arqueológico na Amazônia. Ao longo dos 15 anos analisados (de 2007 a 2022), o desmatamento avançou 8% em territórios protegidos com sítios arqueológicos oficialmente registrados, contra 23% em terras sem proteção.

Patrimônio histórico desprotegido

A Amazônia Legal abriga mais de 6 mil sítios arqueológicos registrados no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão do Patrimônio Cultural (SICG), do Iphan.

Entre as 109 terras indígenas não homologadas analisadas pela reportagem, foram identificados pelo menos 90 sítios arqueológicos cadastrados no SICG. Desses, 60 estão localizados dentro de 53 TIs não homologadas e com limites geográficos já definidos. Os outros 30 estão próximos a 56 TIs não homologadas e ainda sem delimitação registrada.

No mapa acima, passe o mouse sobre cada um dos 90 sítios arqueológicos cadastrados no SICG para ver informações sobre ele. Aproxime das terras indígenas para ver o nome delas.

No caso dessas TIs que aparecem nas bases públicas apenas como pontos no mapa, a reportagem adotou uma abordagem por proximidade para estimar os potenciais riscos ao patrimônio: foram criadas zonas circulares de 1 km, 3 km e 5 km ao redor desses pontos. Também é preciso considerar a sobreposição entre TIs não homologadas e Unidades de Conservação, que culmina na formação de zonas de múltipla complexidade institucional, com pelo menos 26 desses sítios arqueológicos localizados em áreas sobrepostas.

No entanto, o patrimônio arqueológico que poderá ser afetado é muito maior. Para Bruna Cigaran da Rocha, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), vice-presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira e uma das coordenadoras do Amazônia Revelada, os números estão subnotificados.

"Como os processos de autorização de pesquisa em terras indígenas são muito complexos e muitas pesquisas em arqueologia ainda são realizadas sem contato direto com os povos indígenas, o número de sítios arqueológicos registrados dentro desses territórios é muito menor do que em outras áreas. Isso pode dar a impressão de que existem poucos sítios dentro das TIs, mas, na verdade, isso é só uma limitação amostral, que não reflete o potencial arqueológico dessas áreas. Os sítios arqueológicos, ou seja, vestígios da presença de povos indígenas, quilombolas e tradicionais, estão por toda parte", afirma.

Isso é só uma limitação amostral, que não reflete o potencial arqueológico dessas áreas. Os sítios arqueológicos, ou seja, vestígios da presença de povos indígenas, quilombolas e tradicionais, estão por toda parte.
Bruna Cigaran da Rocha, professora da Ufopa, vice-presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira e uma das coordenadoras do Amazônia Revelada

Rocha também comenta sobre a dificuldade em se fazer pesquisa longe das cidades: "é muito difícil fazer pesquisa arqueológica na Amazônia distante dos centros urbanos. A gente pode olhar a FLONA [Floresta Nacional] Tapajós, que é uma das unidades de conservação mais pesquisadas do país, tem dezenas de sítios arqueológicos registrados. Isso não quer dizer que lá tem muito mais sítios, mas sim que outras áreas ainda não foram tão estudadas pelos custos e desafios logísticos envolvidos".

Além dos sítios cadastrados no SICG, existem milhares de registros arqueológicos que permanecem fora das ferramentas oficiais de proteção. Segundo o Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), sistema mais antigo do Iphan, 2.114 sítios já foram identificados em campo - muitos deles mencionados em publicações acadêmicas -, mas ainda não possuem informações suficientes para o registro completo no SICG, como dados geográficos precisos.

Na prática, isso significa que, mesmo constando em registros administrativos, esses sítios correm o risco de não serem considerados em análises de impacto territorial, seja por órgãos licenciadores, empreendedores ou pelo próprio Iphan em processos mais automatizados.

Caso o PL do Licenciamento Ambiental seja aprovado nos termos atuais, há o risco de maior fragilização desses registros, que já se encontram em condição de invisibilidade técnica. Estados como Pará, Mato Grosso e Rondônia concentram centenas de registros sem localização precisa: somente o Pará reúne 720 desses sítios invisíveis; o Mato Grosso, 440.
principais propostas do PL do licenciamento que podem impactar vestígios arqueológicos

Para os especialistas do Amazônia Revelada, três alterações principais propostas pelo PL 2159/2021 podem impactar diretamente a proteção institucional a vestígios arqueológicos e modos de vida tradicionais:

1. A criação da modalidade da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permitirá a liberação automática de licenças para alguns empreendimentos classificados como de até porte médio e com potencial poluidor;

2. A alteração do papel de órgãos técnicos, como o Iphan, responsável por avaliar a presença de bens arqueológicos em áreas de licenciamento, cujas manifestações nos pareceres técnicos passariam a ter caráter consultivo, e não mais vinculante, junto aos órgãos licenciadores;

3. E a restrição da atuação de órgãos especializados para territórios indígenas, como a Funai, às situações em que os empreendimentos envolvam apenas áreas já homologadas ou tituladas, retirando dos processos territórios que são ocupados, mas ainda estão em fase de demarcação.

Em nota, a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) destacou que a adoção do princípio da precaução, a valorização do conhecimento arqueológico e o respeito aos direitos constitucionais são indispensáveis para que o licenciamento ambiental no Brasil não se transforme em instrumento de apagamento cultural. A entidade também afirmou que o PL 2159/2021 desconsidera a complexidade fundiária da Amazônia Legal e pode fragilizar instrumentos de proteção ao patrimônio arqueológico.

O Amazônia Revelada reúne pesquisadores em rede desde 2022, com o objetivo de identificar e registrar sítios arqueológicos em territórios tradicionalmente ocupados, especialmente em áreas próximas ao chamado arco do desmatamento: "para além dos sítios ainda não registrados, grande parte do patrimônio arqueológico da Amazônia segue invisível aos cadastros oficiais por não contemplarem também as florestas antropogênicas, paisagens construídas ao longo de milênios pelos povos originários e comunidades tradicionais, que não aparecem nos registros convencionais, mas que serão também fortemente afetadas pelas mudanças nas regras do licenciamento", observa a arqueóloga Cristiana Barreto, uma das coordenadoras do projeto.

Para além dos sítios ainda não registrados, grande parte do patrimônio arqueológico da Amazônia segue invisível aos cadastros oficiais por não contemplarem também as florestas antropogênicas, paisagens construídas ao longo de milênios pelos povos originários e comunidades tradicionais, que não aparecem nos registros convencionais, mas que serão também fortemente afetadas pelas mudanças nas regras do licenciamento.
Cristiana Barreto, arqueóloga e umas das coordenadoras do Amazônia Revelada

Cada sítio encontrado representa uma história que vai muito além da coordenada: vestígios de tecnologias ancestrais, caminhos de seringueiros e antigos roçados, florestas cultivadas e modos de viver que ainda fazem parte do cotidiano de muitas comunidades locais. Esses registros desafiam a ideia de uma floresta vazia de gente e reforçam a necessidade de efetivar políticas que reconheçam esses territórios como espaços vivos, carregados de um passado milenar, mas também de presente e de futuro.

Além de Cristiana Barreto e Bruna Rocha, o projeto também é coordenado por Carlos Augusto da Silva, arqueólogo indígena da Universidade Federal do Amazonas; Morgan Schmidt, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina e do Massachussets Institute of Technology (MIT); Filippo Stampanoni Bassi, diretor do Museu da Amazônia; e Eduardo Góes Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Ao tratar separadamente cultura e natureza, os sistemas de registro do patrimônio arqueológico da Amazônia acabam ignorando a complexidade do que se preserva ali.

Imagem de abertura: Oficina de escavação realizada com moradores da região da Terra do Meio, Pará, Brasil. Foto: Erik Vesh / CamaLeão / ISA - Acervo do Amazônia Revelada

O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil. Processo no 2024/15228-1. Esta análise integra os esforços do projeto em ampliar o acesso público à informação científica e promover o uso de ferramentas de tecnologia, comunicação e ciência de dados para apoiar políticas públicas e a proteção do patrimônio arqueológico.*As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade da autora e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.


https://infoamazonia.org/2025/07/14/projeto-de-lei-do-licenciamento-coloca-milhares-de-sitios-arqueologicos-em-risco-de-destruicao-na-amazonia/
 

The news items published by the Indigenous Peoples in Brazil site are researched daily from a variety of media outlets and transcribed as presented by their original source. ISA is not responsible for the opinios expressed or errors contained in these texts. Please report any errors in the news items directly to the source