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PL do Licenciamento exclui 121 terras indígenas da Amazônia Legal de zonas de proteção no entorno de grandes obras

31/07/2025

Autor: Jullie Pereira, Ana Magalhães

Fonte: Info Amazonia - https://infoamazonia.org



Se for sancionado, projeto aprovado pelo Congresso elimina participação da Funai no licenciamento de empreendimentos próximos a terras indígenas não homologadas, 26% do total da região, e reduz a área de proteção nos demais territórios.

Caso seja sancionado, o projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, aprovado na quinta-feira (17) pela Câmara dos Deputados, permitirá que obras como portos, ferrovias, rodovias, projetos minerários, parques eólicos, termelétricas, usinas hidrelétricas e linhas de transmissão sejam instaladas no entorno de Terras Indígenas (TIs) não homologadas do país sem consulta à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Das 792 terras reconhecidas pela Funai no Brasil, 289 (36%) ainda não foram homologadas, sendo 121 delas na Amazônia Legal, o equivalente a 26% das TIs da região, revela levantamento da InfoAmazonia.

O texto também reduz a área de influência direta dos empreendimentos, conhecida por zona de impacto, no caso de terras indígenas homologadas e com restrição de uso para isolados no bioma Amazônia. E diminui significativamente essa faixa de amortecimento em outros biomas da Amazônia Legal, como o Cerrado e o Pantanal, igualando-as às demais regiões do país.

Na prática, se implementadas, as mudanças facilitam a instalação de grandes obras e projetos minerários na fronteira e no entorno de todos esses territórios porque a atual exigência de consulta à Funai garante o envolvimento dos povos indígenas e uma avaliação mais criteriosa dos impactos socioambientais dos empreendimentos.

"O projeto de lei [PL] está tentando fazer com que o licenciamento não enxergue essas comunidades", lamenta o professor Alberto Fonseca, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), doutor em desenvolvimento sustentável com especialidade em licenciamento ambiental.

O projeto de lei está tentando fazer com que o licenciamento não enxergue essas comunidades.

Alberto Fonseca, professor da UFOP especialista em licenciamento ambiental
Segundo a Portaria Interministerial no 60, de março de 2015, em vigor, a zona de impacto é considerada de 10 km para a maioria das obras e demanda a consulta à Funai para todas as terras indígenas no país que tenham relatório de identificação e delimitação publicados no Diário Oficial da União, com proteção ampliada para os territórios da Amazônia Legal.

No PL, esse regramento é alterado nos artigos 42, 43 e 44 e no Anexo. Ao dizer que somente os territórios indígenas homologados e de uso restrito a isolados devem considerar a manifestação da Funai, o texto exclui as não homologadas da zona de impacto do empreendimento. Além disso, ao mudar no anexo duas palavras da portaria vigente - de 'Amazônia Legal' para 'Bioma Amazônia'-, o projeto também reduz drasticamente a área de influência direta das obras no entorno das TIs homologadas que estão em outros biomas da Amazônia Legal (como em parte dos territórios do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso) e diminui a das homologadas dentro do bioma.

Caso seja sancionado, o PL reduzirá o raio de proteção das TIs homologadas dentro do bioma Amazônia de 40 km para 15 km no caso de rodovias, de 10 km para 8 km no caso de ferrovias, portos, termoelétricas e projetos minerários que exigem estudo de impacto ambiental, de 40 km para 30 km no caso de usinas hidrelétricas com reservatórios e de 8 km para 5 km no caso de linhas de transmissão. A implantação de dutos manterá a zona de impacto em 5 km. Para empreendimentos considerados de baixo potencial poluidor, não haverá a faixa de proteção territorial.

Fora do bioma mas ainda na Amazônia Legal, assim como nas demais regiões do país, as zonas de impacto de todos os empreendimentos serão ainda menores para os territórios homologados se o projeto virar lei (veja tabela abaixo).

Além do impacto nas terras indígenas, os três artigos do PL também se aplicam a quilombos titulados, unidades de conservação (exceto as Áreas de Proteção Ambiental) e áreas de influência direta que intervenham em bens culturais e tombados. Portanto, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados garante a zona de impacto só para quilombos titulados - nesse caso, as mudanças são as mesmas impostas aos territórios indígenas. De acordo com dados do Incra, 176 territórios quilombolas da Amazônia não têm titulação e, portanto, ficariam desprotegidos no seu entorno.

Funai enfraquecida
O PL também enfraquece a participação da Funai no processo de licenciamento ambiental. Para as terras indígenas homologadas, em que o texto prevê a "manifestação" da "autoridade envolvida", o PL estabelece que, em caso de não cumprimento do prazo de manifestação, de 30 dias (com possibilidade de prorrogação por mais 15 dias, se justificado), o Ibama deve seguir com o processo de licenciamento sem a validação do órgão indígena. Também afirma, em seu artigo 42, que a manifestação da Funai, mesmo se contrária ao empreendimento, não deve travar o licenciamento.

Em entrevista à InfoAmazonia, a diretora Lúcia Alberta Andrade, da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, responsável pelos processos de licenciamento dentro da Funai, afirmou que o PL está criando uma "camisa de força" e que não será possível cumprir o prazo estabelecido.

"Isso fragiliza ainda mais o posicionamento da Funai. Nós não vamos ter condições de seguir esse prazo, porque temos muitos processos e um rol de prioridades. Primeiro priorizamos os que têm alguma decisão judicial pendente, depois os que têm a presença de indígenas isolados. É assim que organizamos a dinâmica do trabalho", afirma a diretora.

Isso fragiliza ainda mais o posicionamento da Funai. Nós não vamos ter condições de seguir esse prazo, porque temos muitos processos e um rol de prioridades.

Lúcia Alberta Andrade, diretora da Funai
A Funai tem por obrigação responder sobre licenciamentos ambientais que interferem em terras indígenas em todos os níveis da federação, seja municipal, estadual ou federal. A instituição enfrenta uma alta demanda de pedidos de avaliação, segundo a diretora.

"O que nós temos hoje na Portaria 60 [que define a zona de impacto] não é uma camisa de força. O Ibama espera o nosso posicionamento. O PL é uma camisa de força. Ele cria caminhos para agilizar o processo [de licenciamento], atropelando procedimentos. É muito grave. O Ibama não teria nenhuma obrigação de esperar nossa manifestação. Não entregou, pode seguir o processo", lamenta Andrade.

A diretora também informa que a Funai já estava em diálogo com o Ministério do Meio Ambiente, com o Ibama e com o ICMBio para rever a Portaria no 60 para que ela tivesse maior força legal. O objetivo era tornar a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas uma lei, com novas zonas de amortecimento para garantir a proteção das comunidades. Hoje, essa política é regida pelo Decreto no 7.747.

Agora, as zonas estão sendo modificadas sem a discussão com os órgãos que representam os direitos indígenas. "Essas distâncias [referentes à zona de impacto] não estavam previstas em nenhuma legislação do Congresso Nacional. Estavam somente nesta Portaria 60, que é uma portaria que nós já estávamos pedindo que fosse revista [para ter maior força legal]. Nós queremos o veto desse dispositivo do PL, porque isso vai acabar diminuindo essa área de amortecimento, essa área de proteção das terras entre o empreendimento e a terra indígena", explica.

Dentro dos territórios
Apesar de desmontar a atual estrutura de licenciamento ambiental no país, deixando biomas e povos originários vulneráveis, especialistas ouvidos pela Infoamazonia entendem que o PL não altera e nem regulamenta a Constituição Federal. Ou seja, no caso das terras indígenas, mesmo as não homologadas, que não são diretamente mencionadas no PL, os empreendimentos devem continuar seguindo a legislação federal existente.

A Constituição Federal, em seu artigo 231, permite a exploração de recursos em terras indígenas "com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra". Segundo especialistas, para exploração dentro de terras indígenas, haveria a necessidade de criação de uma Lei Complementar que regulamente essa exploração e que garanta a escuta e a participação direta dos povos indígenas antes, durante e depois do empreendimento.

A advogada Alice Dandara, do Instituto Socioambiental (ISA), esclarece: "Esse projeto não pode e nem deve ser considerado como regulamentador do art. 231 da Constituição. As terras não homologadas seguem as ressalvas das leis existentes", garante.

A coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC) e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, concorda: "Esse PL não vai tratar sobre o que pode ou não fazer dentro de terras indígenas. Dentro de terras indígenas, precisa de uma nova legislação, que está enroscada", explica.

Araújo recomenda o veto total do PL, que ficou conhecido como "PL da Devastação". A recomendação foi feita em nota técnica entregue à Presidência da República e a 16 ministérios em 24 de julho. "O texto aprovado com certeza desconsidera direitos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O mais grave é que nessas situações você não vai ter nenhum cuidado com essas populações", lamenta.

Em 18 de julho, a Funai emitiu nota destacando o impacto a nível nacional sobre as terras indígenas não homologadas. "O texto aprovado ignora essas áreas, permitindo a liberação de grandes empreendimentos sem a devida análise socioambiental. Isso abre caminho para invasões, grilagem, desmatamento e abandono estatal em territórios que ainda estão em processo de regularização fundiária, além de representar uma ameaça direta ao direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho]".

Agora a gente tem uma área de risco muito grande em relação às atividades e empreendimentos que vão ser liberados no país pela flexibilização do acesso ao licenciamento ambiental. É um momento em que a gente vive em risco, o risco de aumento do conflito nos territórios.

Alice Dandara, advogada do ISA
Alice Dandara, do ISA, avalia que as medidas do PL do Licenciamento colocam os territórios em vulnerabilidade. "Agora a gente tem uma área de risco muito grande em relação às atividades e empreendimentos que vão ser liberados no país pela flexibilização do acesso ao licenciamento ambiental. É um momento em que a gente vive em risco, o risco de aumento do conflito nos territórios. É uma expansão de um ataque às terras indígenas, algo que está crescente nos últimos anos", diz.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou a campanha "Veta, Lula", para pedir que o presidente não sancione o texto. Ele tem até 8 de agosto para tomar uma decisão. "Presidente Lula, os povos indígenas não esqueceram que durante a campanha o senhor se comprometeu com a defesa do meio ambiente e com o respeito aos direitos originários. Essa é a hora de honrar esse compromisso", defende a articulação em nota nas redes sociais.

COMO ANALISAMOS O IMPACTO DO PL EM TERRAS INDÍGENAS?
. Nesta reportagem, analisamos as Terras Indígenas reconhecidas pela Funai em todo o país, e especialmente na Amazônia Legal e no bioma Amazônia. Os dados de TIs disponibilizados pela Funai (tanto os polígonos de territórios já delimitados quanto as coordenadas de áreas em estudo ainda sem delimitação) foram cruzados com os limites da Amazônia Legal e com a camada do bioma Amazônia, definidas pelo IBGE e disponibilizadas em formato espacial pelo INPE, para identificar quais territórios estão localizados na Amazônia Legal, mas fora do bioma Amazônia.

. As terras indígenas nas fases "homologada", "regularizada" e com "restrição de uso" junto ao nome foram consideradas todas homologadas nesta análise, seguindo os critérios definidos pelo PL. As não homologadas consideram terras nas fases em estudo, encaminhadas em reserva indígena, declaradas e delimitadas.

Para reforçar nosso compromisso com a transparência e garantir a replicabilidade das análises, a InfoAmazonia disponibiliza os dados e os scripts utilizados nesta pasta.

Imagem de abertura: Região onde a canadense Potássio do Brasil quer explorar minério, em Autazes, no Amazonas, está a 8 km da TI Jauary, ainda não homologada; mudanças previstas no PL do Licenciamento facilitam empreendimento ao eliminar zona de impacto. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia

https://infoamazonia.org/2025/07/31/pl-do-licenciamento-exclui-121-terras-indigenas-da-amazonia-legal-de-zonas-de-protecao-no-entorno-de-grandes-obras/
 

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