From Indigenous Peoples in Brazil
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Paraense usa conexão com o igarapé Mirí para criar ações e mover jovens ao ativismo ambiental
20/09/2025
Fonte: FSP - https://www1.folha.uol.com.br/
Paraense usa conexão com o igarapé Mirí para criar ações e mover jovens ao ativismo ambiental
Coordenadora de coletivo, Thalya Souza trabalha despoluição das águas por meio de boi-bumbá e eventos
Camponesa é destaque do Empreendedor Social 2025 na categoria Jovens Transformadores pelo Clima
20/09/2025
Flávia Mantovani
A paraense Thalya Souza, 20, tem uma história de vida conectada ao igarapé Mirí, que passa na comunidade rural onde ela mora na cidade de Castanhal, no nordeste do estado amazônico. Sua infância foi de brincadeiras e banhos no riacho rodeado por árvores e casas coloridas da agrovila Itaqui, de pouco mais de 700 habitantes.
Aos 12 anos, ao criar um cortejo de boi-bumbá, ela e os amigos decidiram batizá-lo de "boi Mirí".
Mais tarde, quando o grupo começou a organizar outras ações, surgiu o Coletivo Mirí, do qual Thalya é coordenadora de projetos. Desde que começou a atuar, o Mirí já promoveu mutirão de limpeza do rio, oficinas artísticas para crianças e jovens, cineclubes, mapeamentos participativos, torneio de futebol e festival de música -sempre com o ativismo socioambiental como guia.
Hoje com uma equipe de seis pessoas, o coletivo obtém recursos via editais e está em processo de institucionalização.
Filha de um agricultor e uma dona de casa, primeira da família a chegar à universidade, Thalya estuda letras e direito. Mesmo que algum dia precise se mudar de onde vive, ela pretende manter a cabeça e o coração à beira do igarapé Mirí. "Se eu tenho o pensamento de transformar o mundo, preciso começar pelo lugar onde eu nasci e fui criada."
"Diz minha mãe que eu quase vim ao mundo dentro do rio. Grávida de mim, ela sentiu as contrações do parto quando lavava roupas e louças no igarapé Mirí, que passa na nossa comunidade. No hospital, o médico disse que, se demorasse mais um minuto, eu ia nascer ali mesmo, na beira da água. Às vezes penso: será que essa minha conexão com o território e com o rio começou aí?
Na minha infância, o igarapé Mirí era fundo, tinha piranha, jabuti, jacaré... Meu pai pescava peixes enormes ali. Até que algumas pessoas do centro da cidade compraram terrenos e foram fazendo construções de concreto na beira do igarapé, colocando muros. Com isso, a comunidade deixou de ter acesso.
Eu e alguns amigos, quando crianças, chegamos a ser ameaçados de levar um tiro na cara porque invadimos um terreno. Queríamos só brincar, tomar banho. Hoje, só conseguimos usar uma parte pequena desse rio.
O coletivo Mirí começou com uma dança do boi-bumbá. Sempre gostei de me envolver com arte e educação. Eu queria dançar em uma quadrilha de jovens que havia aqui, mas não podia porque era muito novinha, teria que esperar completar 14 anos.
Quando eu tinha 12, a quadrilha acabou -mas eu e cinco amigos decidimos que iríamos dançar outra coisa. Criamos um cortejo de boi-bumbá, que faz parte da tradição regional. Pesquisamos coreografias, criamos figurinos e demos o nome de Boi Mirí.
Depois disso, fizemos um mutirão de limpeza no igarapé, que à época já estava sofrendo degradação e assoreamento. Éramos um grupo de crianças que queriam salvar os rios Mirí e Itaqui.
Em 2020, nos tornamos o Coletivo Mirí. Fizemos programas de formação e aceleração, aprendemos, fomos amadurecendo. Em 2021, conseguimos aporte de R$ 25 mil por um dos programas. Usamos a grana para criar ações, comprar material -a gente gosta de coisas palpáveis, de fazer oficinas com cartolina, pincéis.
Nosso primeiro projeto foi o "Ei, manx, cuida do teu rio", que mistura arte, educação e sensibilização ambiental. Fizemos murais e pinturas inspirados em lendas locais, pois gostamos muito dessas histórias folclóricas.
Recebemos o prêmio Diplomacia Verde para Jovens, da Delegação da União Europeia no Brasil e ficamos inspirados. Nunca imaginamos que um bando de moleques dançando no meio da rua, sem grana e sem apoio do poder público, pudesse fazer tanto.
A partir daí, vieram outros projetos: oficinas de música e arte, instalações, cineclubes, feijoadas, roda de carimbó e de conversa. Juntamos crianças e lideranças da comunidade para falar sobre o uso de ervas e fizemos uma projeção dessas histórias.
Também organizamos o festival Ecoar, no Dia da Amazônia, que virou algo gigantesco, com shows, desfile, feira de biojoias e de agricultura familiar. Foi no campo de futebol da agrovila, e eu nunca tinha visto tanta gente na comunidade. Nesse festival, coletamos mais de mil assinaturas para o Amazônia de Pé (projeto de lei de iniciativa popular que quer destinar os 57 milhões de hectares de florestas públicas da Amazônia para a proteção de povos indígenas, quilombolas e unidades de conservação).
Atuamos ainda fora da agrovila, na Comunidade da Paz, uma ocupação de mulheres de Castanhal que sofre muito racismo ambiental. Fomos selecionados pela ONG Habitat para a Humanidade para construir uma cartilha sobre adaptação climática e saneamento básico com essas mulheres. É um material acessível, que ajuda a contar a história delas, para que usem como uma ferramenta de incidência política.
Para engajar a juventude, organizamos um torneio de futebol chamado Fut pelo Clima, Gol pela Paz. Os jovens querem coisas que sejam rápidas, lúdicas, e essa foi uma estratégia para atraí-los para o ativismo de uma forma que eles iriam se interessar.
Recentemente, criamos a rede de pesquisa popular Tapiri, porque não adianta só fazer sensibilização se não sabemos por que o rio está secando, qual é a fonte do problema. Já produzimos mapas das bacias dos rios e estamos escrevendo artigo para publicação. A ideia é que a pesquisa envolva a população.
Estamos agora focados em criar um CNPJ e na agenda da COP30. Participamos da COP das Baixadas e estamos em muitas coalizões, apesar de sabermos que, para organizações pequenas como o Mirí, não é fácil acessar espaços em evento como este.
Aprendi a ler com 4 anos, sozinha, e fui a primeira da família a chegar à universidade. Nós, do Mirí, acreditamos no poder da educação e incentivamos os jovens daqui a se inscreverem no Enem, a seguir estudando. Porque muitos terminam o ensino médio e vão trabalhar como menor aprendiz. Falta perspectiva.
O rio é a minha história, a minha infância, minha memória afetiva. Se eu tenho o pensamento de transformar o mundo, preciso começar pelo lugar onde eu nasci e fui criada."
https://www1.folha.uol.com.br/folha-social-mais/2025/09/paraense-usa-conexao-com-o-igarape-miri-para-criar-acoes-e-mover-jovens-ao-ativismo-ambiental.shtml
Coordenadora de coletivo, Thalya Souza trabalha despoluição das águas por meio de boi-bumbá e eventos
Camponesa é destaque do Empreendedor Social 2025 na categoria Jovens Transformadores pelo Clima
20/09/2025
Flávia Mantovani
A paraense Thalya Souza, 20, tem uma história de vida conectada ao igarapé Mirí, que passa na comunidade rural onde ela mora na cidade de Castanhal, no nordeste do estado amazônico. Sua infância foi de brincadeiras e banhos no riacho rodeado por árvores e casas coloridas da agrovila Itaqui, de pouco mais de 700 habitantes.
Aos 12 anos, ao criar um cortejo de boi-bumbá, ela e os amigos decidiram batizá-lo de "boi Mirí".
Mais tarde, quando o grupo começou a organizar outras ações, surgiu o Coletivo Mirí, do qual Thalya é coordenadora de projetos. Desde que começou a atuar, o Mirí já promoveu mutirão de limpeza do rio, oficinas artísticas para crianças e jovens, cineclubes, mapeamentos participativos, torneio de futebol e festival de música -sempre com o ativismo socioambiental como guia.
Hoje com uma equipe de seis pessoas, o coletivo obtém recursos via editais e está em processo de institucionalização.
Filha de um agricultor e uma dona de casa, primeira da família a chegar à universidade, Thalya estuda letras e direito. Mesmo que algum dia precise se mudar de onde vive, ela pretende manter a cabeça e o coração à beira do igarapé Mirí. "Se eu tenho o pensamento de transformar o mundo, preciso começar pelo lugar onde eu nasci e fui criada."
"Diz minha mãe que eu quase vim ao mundo dentro do rio. Grávida de mim, ela sentiu as contrações do parto quando lavava roupas e louças no igarapé Mirí, que passa na nossa comunidade. No hospital, o médico disse que, se demorasse mais um minuto, eu ia nascer ali mesmo, na beira da água. Às vezes penso: será que essa minha conexão com o território e com o rio começou aí?
Na minha infância, o igarapé Mirí era fundo, tinha piranha, jabuti, jacaré... Meu pai pescava peixes enormes ali. Até que algumas pessoas do centro da cidade compraram terrenos e foram fazendo construções de concreto na beira do igarapé, colocando muros. Com isso, a comunidade deixou de ter acesso.
Eu e alguns amigos, quando crianças, chegamos a ser ameaçados de levar um tiro na cara porque invadimos um terreno. Queríamos só brincar, tomar banho. Hoje, só conseguimos usar uma parte pequena desse rio.
O coletivo Mirí começou com uma dança do boi-bumbá. Sempre gostei de me envolver com arte e educação. Eu queria dançar em uma quadrilha de jovens que havia aqui, mas não podia porque era muito novinha, teria que esperar completar 14 anos.
Quando eu tinha 12, a quadrilha acabou -mas eu e cinco amigos decidimos que iríamos dançar outra coisa. Criamos um cortejo de boi-bumbá, que faz parte da tradição regional. Pesquisamos coreografias, criamos figurinos e demos o nome de Boi Mirí.
Depois disso, fizemos um mutirão de limpeza no igarapé, que à época já estava sofrendo degradação e assoreamento. Éramos um grupo de crianças que queriam salvar os rios Mirí e Itaqui.
Em 2020, nos tornamos o Coletivo Mirí. Fizemos programas de formação e aceleração, aprendemos, fomos amadurecendo. Em 2021, conseguimos aporte de R$ 25 mil por um dos programas. Usamos a grana para criar ações, comprar material -a gente gosta de coisas palpáveis, de fazer oficinas com cartolina, pincéis.
Nosso primeiro projeto foi o "Ei, manx, cuida do teu rio", que mistura arte, educação e sensibilização ambiental. Fizemos murais e pinturas inspirados em lendas locais, pois gostamos muito dessas histórias folclóricas.
Recebemos o prêmio Diplomacia Verde para Jovens, da Delegação da União Europeia no Brasil e ficamos inspirados. Nunca imaginamos que um bando de moleques dançando no meio da rua, sem grana e sem apoio do poder público, pudesse fazer tanto.
A partir daí, vieram outros projetos: oficinas de música e arte, instalações, cineclubes, feijoadas, roda de carimbó e de conversa. Juntamos crianças e lideranças da comunidade para falar sobre o uso de ervas e fizemos uma projeção dessas histórias.
Também organizamos o festival Ecoar, no Dia da Amazônia, que virou algo gigantesco, com shows, desfile, feira de biojoias e de agricultura familiar. Foi no campo de futebol da agrovila, e eu nunca tinha visto tanta gente na comunidade. Nesse festival, coletamos mais de mil assinaturas para o Amazônia de Pé (projeto de lei de iniciativa popular que quer destinar os 57 milhões de hectares de florestas públicas da Amazônia para a proteção de povos indígenas, quilombolas e unidades de conservação).
Atuamos ainda fora da agrovila, na Comunidade da Paz, uma ocupação de mulheres de Castanhal que sofre muito racismo ambiental. Fomos selecionados pela ONG Habitat para a Humanidade para construir uma cartilha sobre adaptação climática e saneamento básico com essas mulheres. É um material acessível, que ajuda a contar a história delas, para que usem como uma ferramenta de incidência política.
Para engajar a juventude, organizamos um torneio de futebol chamado Fut pelo Clima, Gol pela Paz. Os jovens querem coisas que sejam rápidas, lúdicas, e essa foi uma estratégia para atraí-los para o ativismo de uma forma que eles iriam se interessar.
Recentemente, criamos a rede de pesquisa popular Tapiri, porque não adianta só fazer sensibilização se não sabemos por que o rio está secando, qual é a fonte do problema. Já produzimos mapas das bacias dos rios e estamos escrevendo artigo para publicação. A ideia é que a pesquisa envolva a população.
Estamos agora focados em criar um CNPJ e na agenda da COP30. Participamos da COP das Baixadas e estamos em muitas coalizões, apesar de sabermos que, para organizações pequenas como o Mirí, não é fácil acessar espaços em evento como este.
Aprendi a ler com 4 anos, sozinha, e fui a primeira da família a chegar à universidade. Nós, do Mirí, acreditamos no poder da educação e incentivamos os jovens daqui a se inscreverem no Enem, a seguir estudando. Porque muitos terminam o ensino médio e vão trabalhar como menor aprendiz. Falta perspectiva.
O rio é a minha história, a minha infância, minha memória afetiva. Se eu tenho o pensamento de transformar o mundo, preciso começar pelo lugar onde eu nasci e fui criada."
https://www1.folha.uol.com.br/folha-social-mais/2025/09/paraense-usa-conexao-com-o-igarape-miri-para-criar-acoes-e-mover-jovens-ao-ativismo-ambiental.shtml
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