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Demarcação de Terras Indígenas no Brasil: a hora de avançar é agora

17/11/2025

Autor: Leonardo Barros Soares

Fonte: Jota - https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/gestao-politica-sociedade/demarcacao-de-terra



Demarcação de Terras Indígenas no Brasil: a hora de avançar é agora
Somente assim seremos capazes, como país, de construir um futuro ecologicamente mais equilibrado

Leonardo Barros Soares
17/11/2025|05:00

Dados da pesquisa Quaest realizada em parceria com o instituto More in Common na esteira do início das atividades da COP30 revelam que, a despeito das clivagens político-ideológicas do Brasil contemporâneo, a maior parte da população brasileira apoia a política de demarcação de terras indígenas.

Tal achado ecoa dado similar divulgado no ano passado pelo survey nacional conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Pará e colaboradores, dentre os quais eu me incluo.

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A bem da verdade, desde o primeiro grande survey nacional envolvendo questões indígenas no país, realizado nos anos 2000 numa parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto Socioambiental (ISA) por ocasião das comemorações dos 500 anos da conquista do Brasil, a visão dos brasileiros sobre esse tópico é francamente favorável aos nossos povos originários.

É evidente que é necessário tomar cautelas acerca de respostas que resvalem naquilo que os estudiosos da opinião pública e comportamento político chamam de "viés de desejabilidade social", ou seja, são respostas tomadas como "politicamente corretas" e que apresentam os respondentes como socialmente responsáveis, éticos e justos quando, intimamente, esposam visões distintas.

Por outro lado, também cabe a reflexão sobre se, ao desconfiarmos desses resultados, não estaríamos dando demasiada atenção aos porta-vozes de concepções negativas sobre os povos indígenas, nomeadamente os representantes políticos do pacto agromineral no parlamento federal.

Seja como for, a confiar no padrão que emerge das pesquisas mencionadas, podemos concluir que a demarcação de terras indígenas é uma política que goza de respaldo popular no país.

É claro que só isso não basta para que a política demarcatória avance, mas tampouco esse é um dado desprezível. Some-se a isso a imensa janela de oportunidade que a COP30 abre para os povos indígenas brasileiros, que nunca estiveram tão bem-organizados e mobilizados para a participação nas decisões de cúpula sobre os rumos climáticos do planeta.

Além disso, caminhando para o fim de seu terceiro mandato, o presidente Lula dispõe de uma lista de terras indígenas que estão apenas aguardando sua homologação. Tudo isso somado, não é exagero dizer que essa parece ser a hora da pauta das demarcações de terras indígenas avançar de modo significativo no Brasil.

A demarcação de terras indígenas é um processo administrativamente complexo e de natureza dual, ou seja, é a um só tempo tecnicamente embasada e politicamente exposta, o que a torna uma política pública singular no interior do estado brasileiro.

Das tratativas iniciais acerca da instalação do grupo de trabalho, passo inicial do processo, até o seu registro na Secretaria de Patrimônio da União (SPU), passando pela portaria declaratória do Ministério da Justiça e a sua homologação via decreto presidencial, o tempo médio dos processos pode chegar a incríveis 15 anos. Não é tolerável que, numa sociedade que se propôs a refundar a relação com os povos indígenas a partir da Constituição de 1988, tal morosidade seja considerada normal ou aceitável.

Ainda não sabemos com clareza que tipo de fatores podem acelerar ou encurtar o caminho para a conclusão das demarcações, mas há pelo menos dois que estão em evidência no momento e que vale a pena mencionarmos. Em primeiro lugar, a pressão política internacional se apresenta como um elemento que merece investigação mais aprofundada. Afinal de contas, relembremos do período pré-Eco 92, quando foram demarcadas centenas de terras indígenas, incluindo a maior delas, a terra indígena Yanomami. Vamos esperar para ver se a COP30 pode ter um efeito similar desta vez.

Em segundo lugar, é plausível supor que a existência de financiamento é uma alavanca indispensável para o avanço das demarcações. É forço reconhecer que boa parte das demarcações hoje existentes realizadas na Amazônia Legal durante o período FHC provavelmente não teriam sido efetivadas sem o aporte financeiro oriundo, sobretudo, da Alemanha.

Se os milhões que algumas potências estrangeiras estão depositando no Fundo Amazônia no âmbito da conferência climática chegarem às engrenagens político-burocráticas envolvidas nos processos demarcatórios, as perspectivas podem ser auspiciosas.

Esses dois fatores, de uma lista que não é exaustiva, vão ao encontro de um movimento indígena politicamente maduro e tecnicamente dotado para dialogar em alto nível com diversos atores estatais e não estatais, nacionais e estrangeiros. A estratégia, reconhecida e abraçada - pelo menos retoricamente - pelo governo brasileiro, de atrelar as demarcações às contribuições nacionalmente determinadas no esforço de redução da temperatura global é brilhante e tem grande chances de prosperar.

Para além da análise fria e formal da política pública de reconhecimento de territórios tradicionais indígenas no Brasil e seu papel no cenário climático mundial, no entanto, nunca devemos perder de vista que estamos falando do espaço de vida cotidiana de milhares de indígenas. Trata-se do lugar em que eles nascem, crescem, caçam, plantam, brincam, festejam, sofrem, se alegram, morrem, são mortos, se enterram e renascem a cada dia desde a catastrófica chegada dos europeus por essas praias.

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Não é apenas mais um produto de um procedimento estatal ou uma espécie de "seguro planetário" contra o aquecimento global, mas o lar de coletividades cuja cultura, língua, cosmovisão, sociedade, política e espiritualidade diferem largamente daquela do resto da sociedade nacional. Crianças, anciões, homens, mulheres e jovens, seres humanos e não humanos têm o direito de viver em paz em territórios protegidos e formalmente reconhecidos pelo estado brasileiro.

A hora de avançar na demarcação de terras indígenas é agora. Somente assim seremos capazes, como país, de construir um futuro ecologicamente mais equilibrado e uma sociedade mais justa para todos e todas.logo-jota
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Leonardo Barros Soares
Mestre e doutor em ciência política pela UFMG e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV. Coordena o grupo de pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM)

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