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A guerra pelo guaraná da Amazônia: Coca-Cola e AmBev investem pesado para alcancar maior produtividade e qualidade

07/12/2003

Fonte: OESP, Economia, p. B8



A guerra pelo guaraná da Amazônia
Coca-Cola e AmBev investem pesado para alcançar maior produtividade e qualidade

PRISCILA NÉRI
Enviada especial

A disputa envolve investimentos milionários, espionagem e uma verdadeira guerra de palavras. O campo de batalha é o Estado do Amazonas. No centro da briga, a fruta do guaraná, descoberta pelos índios no fim do século 18 e industrializada em forma de bebida a partir de 1900. De um lado, o Guaraná Antarctica, da AmBev, que se orgulha em ser "Original do Brasil" e, há mais de 40 anos, compra suas sementes de pequenos produtores de Maués, cidade a 260 km de Manaus considerada o berço mundial do guaraná. Do outro lado, o Guaraná Kuat, da Coca-Cola, que acaba de colher, no município de Presidente Figueiredo (120 km de Manaus), a primeira safra própria de guaraná com planos de transformar a região no mais novo pólo da fruta no Amazonas.
A seu favor a AmBev tem, sobretudo, a tradição. Antes mesmo da fundação do município de Maués, em 1798, os índios Saterê-Mawé, nativos da região, descobriram o poder energético da fruta que parece um olho depois que brota.
Com a língua do peixe pirarucu (que depois de seca serve como lixa), os índios raspavam o bastão do guaraná e extraíam o pó para misturar com água, uma combinação que garantia melhores resultados na caça. Em 1900, o homem branco descobriu a fruta e, em 1921, um químico tratou o guaraná e conseguiu fabricar uma bebida que manteve o sabor mas, ao mesmo tempo, eliminou a adstringência e a amargura características da semente. Nascia o Guaraná Champagne Antarctica, cuja fórmula, até hoje, mantém-se intocada - e guardada a sete chaves. Segundo reza a lenda, só duas pessoas no mundo saberiam a receita completa.
Mas o guaraná de Maués, que até os anos 80 liderava a produção brasileira, foi perdendo produtividade e os guaranazais da Bahia assumiram a liderança.
Um dos fatores que pesam é o tempo - a idade média dos pés de guaraná de Maués já se aproxima dos 40 anos, e a vida útil da planta é de 30. Hoje, uma planta nativa de Maués produz apenas 80 gramas de semente por pé. Em plantas que passaram por processos de melhoramento genético, essa produtividade chega a ser 30 vezes maior.
Essa baixa produtividade é exatamente o que a Coca-Cola quer aproveitar para valorizar o próprio guaraná, uma cultura que a empresa introduziu no município de Presidente Figueiredo há três anos. O plantio é feito na Usina Jayoro, com quem a Coca-Cola mantém parceria desde 1997. A usina produz todo o açúcar consumido pelo grupo no País. Em cinco anos, a Coca-Cola já investiu R$ 10 milhões na pesquisa, plantio, colheita e beneficiamento do guaraná. Segundo a Coca-Cola, com os investimentos os técnicos conseguiram alcançar uma produtividade média de 1 kg de semente por pé. As melhores plantas são reproduzidas em um viveiro que já reúne 180 mil mudas.
Neste fim de ano, a Coca-Cola colheu sua primeira safra de guaraná - 40 toneladas de sementes extraídas de 410 hectares de área plantada. A meta é ser auto-suficiente até 2005 e elevar a produção a 160 toneladas no mesmo período. "Nós produzimos 72% do guaraná que eles produzem numa área equivalente a 19% da área deles (de Maués, que tem cerca de 2.700 hectares plantados)", diz o administrador da Jayoro, Camillo Pachikoski.
Além disso, a Coca-Cola também tem interesse em comercializar a fruta para outros usos. "Temos sido assediados por diversas indústrias cosméticas internacionais e nacionais que querem comprar o extrato e o resíduo da semente para produzir cremes, xampus e até batom", acrescenta Pachikoski.
Percebendo a movimentação da concorrência e a perda da produtividade do guaraná de Maués, a AmBev corre atrás do prejuízo. Elaborou um plano de investimentos que prevê a aplicação de R$ 61 milhões em diversos projetos na região até 2013. Além disso, criou 12 pólos de desenvolvimento para oferecer assistência técnica às comunidades rurais e financiar a expansão do cultivo do guaraná e a recuperação dos guaranazais mauésenses.
No seu centro de pesquisa, a Fazenda Santa Helena, inaugurado em 1972 em Maués, a empresa também reproduz em viveiro as mudas de plantas com o melhor desempenho e as distribui, gratuitamente, aos produtores locais. "Já entregamos 280 mil mudas de alto rendimento, em média 1,5 kg de semente por pé", explica o engenheiro agrônomo da AmBev, Renato Cardoso Costa Jr. Ao distribuir essas mudas, a empresa enfrentou forte resistência dos produtores. "Alguns diziam que o pé que eles cultivavam tinha sido do avô do avô do avô, então a modernização e incorporação tecnológica têm de vir acompanhadas de um processo de reeducação, conscientização e convencimento do produtor", explica Gileno Correia, gerente da fábrica da AmBev em Manaus.
A produção do guaraná é cercada de lendas que ajudam a agregar valor à fruta. É comum ouvir histórias sobre agrônomos que entram nas empresas concorrentes disfarçados de carteiros ou lixeiros para tentar descobrir algum segredo do processo produtivo.
O guaraná responde por 25% do mercado de refrigerantes no País, que movimentou um volume de 12 bilhões de litros em 2002, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes (Abir). No segmento de guaraná premium (de alto nível), o Guaraná Antarctica tem 75% do mercado e o Kuat, que foi lançado no fim de 1997, mantém os restantes 25%, de acordo com o relatório de outubro da consultoria AC Nielsen.


Maués perde produtividade mas garante o melhor preço
Em 2002, o município vendeu 46% a menos do que Ituberá, na Bahia, mas faturou 3 vezes mais

Mesmo sendo bem menos produtivo do que o da Bahia, o guaraná de Maués custa até cinco vezes mais. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município de Ituberá, na Bahia, produziu um total de 769 toneladas de semente de guaraná em 2002, o que rendeu R$ 923 mil. Maués, por sua vez, produziu 360 toneladas no mesmo ano e faturou R$ 2,7 milhões.
Ou seja, apesar de ter produzido menos da metade do que a cidade baiana, o município amazonense conseguiu uma rentabilidade quase três vezes maior. Os números do IBGE mostram ainda que só o faturamento de Maués no ano passado equivaleu ao valor arrecadado pelos cinco maiores produtores baianos somados.
Na próxima safra, por exemplo, a Guaraná Antarctica vai pagar R$ 7 pelo quilo de semente seca - R$ 2 acima do preço estabelecido pelo Conab, de R$ 5 o quilo - para estimular a melhoria da produção em Maués.
Para o pesquisador André Artoch, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária da Amazônia Ocidental um dos fatores que favorecem o guaraná da Amazônia é o fato de a fruta apresentar um teor energético maior do que o cultivado na Bahia por causa das condições climáticas. "A fruta produzida na Bahia costuma apresentar um nível de cafeína abaixo de 2%. O frio que faz em certas regiões do sul baiano pode alterar a composição química da fruta", diz ele. "Já no Amazonas esse índice sempre fica acima de 2%, o que demonstra uma qualidade superior."
O guaraná da Bahia abastece o Nordeste e as empresas de refrigerantes que fabricam as chamadas "tubaínas", que respondem por mais do 30% do mercado de refrigerantes. (P.N.)

OESP, 07/12/2003, Economia, p. B8
 

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