From Indigenous Peoples in Brazil

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Corpos com sinais de tortura

20/04/2004

Fonte: CB, Brasil, p.19



Tema do Dia - Rodônia - Tensão Social
Corpos com sinais de tortura PF resgata 26 garimpeiros mortos na reserva Roosevelt. Governador diz que índios podem ter matado cerca de 300 pessoas. Governo federal decide fazer intervenção branca no estado
Erika Klingl e Ullisses Campbell Victor R. Caivano / AP
Da equipe do Correio
O clima de tensão aumentou na reserva indígena de Roosevelt, no sudeste de Rondônia. A Polícia Federal (PF) resgatou ontem 26 corpos de garimpeiros em adiantado estado de putrefação. Eles morreram em conflitos com índios cinta-larga, em 7 de abril. A chacina fez o governo federal programar para hoje uma espécie de intervenção branca no estado, com uma megaoperação envolvendo mais de 400 homens, subordinados à PF.   Segundo exames preliminares feitos no Instituto Médico Legal de Porto Velho, os garimpeiros foram mortos com perfurações por arco e flecha e com tiros de revólver. A maioria dos corpos encontrados apresenta sinais de tortura. Há suspeitas de que as vítimas tiveram os órgãos sexuais arrancados a golpes de facão. O número de mortos até ontem era 29. Segundo o Sindicato de Garimpeiros do estado, há 12 homens desaparecidos desde o início do conflito.   Segundo a PF, os índios cinta-larga estão armados dentro da reserva e prontos para enfrentar os garimpeiros. Para o governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), os garimpeiros entraram na reserva à convite dos próprios índios. ‘‘O garimpo nunca pára. Pode morrer gente, mas todos são levados pela cobiça’’, afirmou. Segundo Cassol, o conflito é mais grave do que se pode imaginar. ‘‘Há mais de 300 corpos dentro daquela área indígena’’, calcula.   Cassol acusa a Fundação Nacional do Índio (Funai) como responsável pelo agravamento do conflito, por não permitir buscas no local. ‘‘Antes, os garimpeiros entravam na reserva, tiravam os diamantes e dividiam os lucros com os índios. Agora, se entram, são mortos’’, conta o governador.   Segundo o sindicato dos garimpeiros, ainda há pelo menos 99 garimpeiros dentro da reserva. ‘‘Há 15 dias eles não dão notícias’’, segundo o sindicato. O pior problema, de acordo com o sindicato, é de um grupo de 35 garimpeiros que podem ter sido assassinados no início do mês. ‘‘Estamos dando eles como mortos’’.

Entrevistas MÉRCIO PEREIRA GOMES ‘‘A Funai quer é que a paz seja instalada’’ Renata Giraldi Da Equipe do Correio   Há sete meses à frente da Presidência da Funai, Mércio Pereira Gomes, 53 anos, professor de antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), é alvo da pressão de parlamentares que defendem a saída dele do cargo. Sem hesitar, ele se mantém firme na defesa dos direitos dos povos indígenas e afirma que não se sente constrangido diante de apelos para que deixe a função.   Ontem, durante as comemorações do Dia do Índio, Mércio não só discursou em apoio aos indígenas, como prometeu que os procuradores da Funai defenderão os cinta-larga em eventual ação penal pelos assassinatos de garimpeiros, em Rondônia.   À vontade em meio aos representantes de várias etnias e autoridades, ele convidou a todos para saborear um coquetel no melhor estilo indígena — com peixe assado e tapioca. ‘‘Vamos lá fora, a mesa está posta’’, convidou, com um sorriso nos lábios e sem demonstrar qualquer desconforto diante das pressões para que deixe o cargo.   Ao lado dele, Sérgio Sérvulo, chefe de gabinete do ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, lembrava que a princípio ‘‘todos são demissíveis’’. ‘‘Mas não acredito que isso ocorra com o Mércio’’, diz Sérvulo. A seguir, trechos da entrevista com o presidente da Funai em meio ao tiroteio em que aparece como alvo.   CORREIO BRAZILIENSE — Não é constrangedor para o senhor estar trabalhando e saber que defendem sua saída do cargo? MÉRCIO PEREIRA GOMES — Não me sinto nem um pouco constrangido. Quanto mais se defende os índios, mais pressão ocorre. Estou absolutamente tranqüilo.   CORREIO — Qual a explicação para o conflito na reserva de Roosevelt, onde confrontos entre os cinta-larga e garimpeiros provocaram a morte de 29 brancos? MÉRCIO — O que aconteceu foi a defesa do território: os índios defendem suas terras como se fossem a vida deles. Mas nada justifica a morte. O que a Funai quer é que a paz seja instalada.   CORREIO — Na sua opinião, os índios podem ser punidos criminalmente? MÉRCIO — Legalmente os índios são tutelados pela Funai, os procuradores é que poderão responder por eles, defendê-los.
IVO CASSOL ‘‘A PF achou 29 corpos. Tem mais’’ Erika Klingl Da Equipe do Correio      O governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), tem formas diferentes de tratar as crises que tomaram conta de seu estado nos últimos dias. Na hora de falar do conflito dos índios cinta-larga com os garimpeiros, ele teme uma guerra civil. ‘‘ O conflito com os índios cinta-larga é 1.000% mais grave do que qualquer um pode imaginar’’, afirma.   Na hora de comentar a rebelião da penitenciária Urso Branco, as críticas do governador minimizam a situação. ‘‘É grave mas, infelizmente, é normal’’, avalia.    CORREIO BRAZILIENSE - O que pode acontecer com esse conflito entre os garimpeiros e os índios? IVO CASSOL - Tenho medo de guerra civil. As famílias das pessoas usadas pelos índios podem ser levadas a fazer alguma coisa. O problema é que não posso fazer nada na área indígena. Se um dos índios sair, não sei o que pode acontecer.    CORREIO — A situação era grave assim desde o início? CASSOL — Avisei ao governo federal no ano passado, mas tudo piorou agora. Logo depois da chacina (há dez dias), a Funai tinha que permitir nossa entrada. A PF achou 29 corpos. Tem mais.    CORREIO — O senhor culpa a Funai? CASSOL — Não seria tão grave se tivéssemos agido antes. E ainda vejo a declaração do presidente da Funai (Mércio Gomes) de que os índios estavam apenas protegendo suas terras. Já imaginou se todos fôssemos defender terra desse jeito? A colocação dele foi infantil.    CORREIO — Qual a solução? CASSOL — O governo precisa saber qual riqueza existe nas reservas e criar uma lei para autorizar a exploração legal e controlada dessas regiões.    CORREIO — Além do conflito indígena, o senhor enfrentou uma grave rebelião na maior penitenciária do estado ontem, com cenas de barbárie. O que o senhor vai fazer? CASSOL — Se fosse só no meu estado, acharia que a culpa era minha. Mas, infelizmente, é normal. Acontece em todo país. A maioria dos estados têm rebelião, não há estrutura que agüente a superlotação. No Urso Banco, são 1.060 homens num lugar com 350 vagas. Vamos substituir o diretor do presídio como querem os presos, mas sem ceder na segurança.
CB, 20/04/2004, p. 19
 

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