From Indigenous Peoples in Brazil
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Da terra de índio ao crescimento desordenado
24/01/2005
Fonte: O Globo, O País, p. 8
Da terra de índio ao crescimento desordenado
Chico Otavio
O lugar que até o início dos anos 90 era coberto de mata densa e já foi terra dos índios urueu-uau-uau ostenta, desde setembro de 2004, um sinal de trânsito. O aparelho controla o fluxo de veículos na esquina das avenidas Ayrton Senna e Porto Velho. As duas vias, assim como a cidade inteira, surgiram do nada há pouco mais de uma década. Buritis, a 330 quilômetros de Porto Velho, última fronteira da colonização do país, foi o município que mais cresceu no Brasil de 1991 a 2000.
A cidade, antigo distrito de Campo Novo de Rondônia, foi criada em 1995. Já se passavam três anos da conferência Rio-92 e faltavam dois para a assinatura do Protocolo de Kioto, destinado a controlar a emissão de gases de efeito estufa. Apesar dos avanços, o Brasil jogou fora a chance de mudar o modelo de colonização da Amazônia. Buritis repetiu o erro de três décadas de ocupação desordenada na região: grandes danos ambientais para baixos resultados econômicos, ausência de saneamento básico, proliferação de malária e violência.
Buritis, no norte do estado, surgiu pelas mãos de migrantes atraídos por madeiras nobres e terra fértil de baixo custo. Em 1990, ainda distrito, registrava pouco mais de dois mil habitantes. Hoje, são mais de 43 mil, um fenômeno. Segundo o IBGE, em dez anos a população da cidade cresceu a uma média anual de 29,3%. A taxa da população brasileira foi 1,6%.
Ponto de partida do chamado Arco do Desmatamento, uma faixa que vai de Rondônia ao Pará, Buritis abriga as contradições de um processo tão acelerado. É uma cidade próspera, movida pelas serrarias e pelo agronegócio, e ao mesmo tempo abandonada. Não tem água encanada nem esgoto. Registrou no ano passado 16 mil casos de malária, seis mil a mais que em 2003. Violenta, teve 22 assassinatos em 2003 e, na semana passada, a agência local do Banco do Brasil foi assaltada.
Metade dos moradores de Buritis vive na cidade, outra parte no campo. Como a cidade é administrada pelo PT há quatro anos, as ruas foram batizadas com os nomes de Celso Daniel e Toninho do PT e as escolas chamam-se Eldorado dos Carajás e Corumbiara. Chegar ao município é quase uma aventura, pois implica vencer dois trechos de estradas de terra, muitos buracos e lama, quando chove.
Até 1987, moravam na região só dez famílias de seringueiros. Com a chegada da atividade madeireira, nos anos 90, as estradas abertas pelos tratores para a retirada da madeira serviram para a penetração dos colonos, oriundos principalmente do sul do estado.
O surgimento da cidade está relacionado ao processo de ocupação de Rondônia iniciado nos anos 60, com a abertura da BR-364. Começou no chamado Cone Sul, em cidades como Vilhena, Colorado e Rolin de Moura, e foi subindo em direção ao norte, onde fica Buritis, até esbarrar nas cidades formadas em processos mais antigos, dos tempos da borracha, como Porto Velho e Guajará-Mirim (ligadas pela ferrovia Madeira-Mamoré).
Exploração de madeira declina
Além de Buritis, o fenômeno pode ser visto em Machadinho, União Bandeirante (distrito de Porto Velho) e São Domingos (Costa Marques). São pequenos lotes, de 50 a cem hectares, usados na agricultura familiar (café, cacau, arroz, milho, feijão e lentamente a soja) e na pecuária.
O primeiro assentamento, PA Buritis, foi implantado pelo Incra em 1990 e reuniu inicialmente 400 famílias. As madeireiras, porém, entraram com força e atraíram mais gente. No auge, Buritis chegou a ter 120 serrarias, mas como a madeira nobre está chegando à exaustão e a fiscalização do Ibama se intensificou, hoje restam só 40.
Este desaquecimento produziu a razão do maior orgulho de Buritis: a força da agricultura familiar. A união de pais, filhos, netos, genros, noras, da derrubada da mata ao plantio e colheita, faz do município um dos mais produtivos e férteis celeiros do estado. O capixaba Florêncio Kister, 63 anos, chegou com a família em 2002, migrando do Paraná, e está feliz com a decisão, embora seus olhos ainda exibam a tristeza da morte de um filho, atingido pelo galho de uma árvore durante a derrubada.
Florêncio vive com a mulher e três dos seus seis filhos numa pequena fazenda, onde o forte é a produção de arroz. Sua maior aposta é a soja, que começou a plantar recentemente.
Há 18 assentamentos oficiais e cinco não legalizados em Buritis. Como Florêncio, os migrantes - muitos paranaense, catarinenses, gaúchos, capixabas, baianos e mineiros - reivindicam créditos, a melhoria das condições das estradas e eletricidade. Muitos desistiram de plantar e estão transformando a terra em pastagem. De 38 mil cabeças em 1998, o rebanho saltou para 270 mil em 2004.
A população é predominantemente evangélica. Os dois maiores templos pertencem à Assembléia de Deus. Seu pastor chefe, José Dias Terra, há nove anos vivendo em Buritis, conhece como poucos os problemas da população:
- O povo foi entrando e demos assistência. Erguemos o primeiro templo com ajuda das madeireiras. Os sitiantes retiravam as toras, que eram serradas nas madeireiras.
A cidade tem hoje cinco escolas estaduais, quatro municipais e 92 rurais, com uma rede de 12 mil alunos. O orçamento anual é de R$ 16 milhões, considerado baixo pela prefeitura. Os recursos, baseados em estatísticas anteriores, estão sempre defasados para o ritmo de crescimento.
'Desmatar é conversa para boi dormir'
O governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), diz que Buritis é prova de que seu estado, "berço da reforma agrária", continua visto pelos migrantes como terra prometida e oferece uma razão prosaica para explicar a explosão do município:
- A terra ocupada em outros lugares ficou pequena e mais valorizada. Daí, pegaram outra maior. A diferença é que hoje os migrantes chegam com maquinário, não mais com uma mão na frente, outra atrás - diz.
Cassol só lamenta que os colonos sejam obrigados a descartar a madeira que derrubam.
- A derrubada continua, mas é ilegal. Derruba-se, queima-se e a madeira vira cinza. Não há autorização para tirar madeira. Quando há, é morosa e tardia.
Para Cassol, há diversos interesses comerciais por trás das políticas preservacionistas:
- O Brasil importa combustível. Por causa de mil hectares de terra, proibiram fazer um gasoduto. No Peru, os americanos estão fazendo um. O Brasil terá de ser a vida toda escravo. Nunca vai ter crescimento sem atingir alguma coisa. Essa coisa de que vai desmatar é conversa para boi dormir - critica o governador de Rondônia.
O Globo, 24/01/2005, O País, p. 8
Chico Otavio
O lugar que até o início dos anos 90 era coberto de mata densa e já foi terra dos índios urueu-uau-uau ostenta, desde setembro de 2004, um sinal de trânsito. O aparelho controla o fluxo de veículos na esquina das avenidas Ayrton Senna e Porto Velho. As duas vias, assim como a cidade inteira, surgiram do nada há pouco mais de uma década. Buritis, a 330 quilômetros de Porto Velho, última fronteira da colonização do país, foi o município que mais cresceu no Brasil de 1991 a 2000.
A cidade, antigo distrito de Campo Novo de Rondônia, foi criada em 1995. Já se passavam três anos da conferência Rio-92 e faltavam dois para a assinatura do Protocolo de Kioto, destinado a controlar a emissão de gases de efeito estufa. Apesar dos avanços, o Brasil jogou fora a chance de mudar o modelo de colonização da Amazônia. Buritis repetiu o erro de três décadas de ocupação desordenada na região: grandes danos ambientais para baixos resultados econômicos, ausência de saneamento básico, proliferação de malária e violência.
Buritis, no norte do estado, surgiu pelas mãos de migrantes atraídos por madeiras nobres e terra fértil de baixo custo. Em 1990, ainda distrito, registrava pouco mais de dois mil habitantes. Hoje, são mais de 43 mil, um fenômeno. Segundo o IBGE, em dez anos a população da cidade cresceu a uma média anual de 29,3%. A taxa da população brasileira foi 1,6%.
Ponto de partida do chamado Arco do Desmatamento, uma faixa que vai de Rondônia ao Pará, Buritis abriga as contradições de um processo tão acelerado. É uma cidade próspera, movida pelas serrarias e pelo agronegócio, e ao mesmo tempo abandonada. Não tem água encanada nem esgoto. Registrou no ano passado 16 mil casos de malária, seis mil a mais que em 2003. Violenta, teve 22 assassinatos em 2003 e, na semana passada, a agência local do Banco do Brasil foi assaltada.
Metade dos moradores de Buritis vive na cidade, outra parte no campo. Como a cidade é administrada pelo PT há quatro anos, as ruas foram batizadas com os nomes de Celso Daniel e Toninho do PT e as escolas chamam-se Eldorado dos Carajás e Corumbiara. Chegar ao município é quase uma aventura, pois implica vencer dois trechos de estradas de terra, muitos buracos e lama, quando chove.
Até 1987, moravam na região só dez famílias de seringueiros. Com a chegada da atividade madeireira, nos anos 90, as estradas abertas pelos tratores para a retirada da madeira serviram para a penetração dos colonos, oriundos principalmente do sul do estado.
O surgimento da cidade está relacionado ao processo de ocupação de Rondônia iniciado nos anos 60, com a abertura da BR-364. Começou no chamado Cone Sul, em cidades como Vilhena, Colorado e Rolin de Moura, e foi subindo em direção ao norte, onde fica Buritis, até esbarrar nas cidades formadas em processos mais antigos, dos tempos da borracha, como Porto Velho e Guajará-Mirim (ligadas pela ferrovia Madeira-Mamoré).
Exploração de madeira declina
Além de Buritis, o fenômeno pode ser visto em Machadinho, União Bandeirante (distrito de Porto Velho) e São Domingos (Costa Marques). São pequenos lotes, de 50 a cem hectares, usados na agricultura familiar (café, cacau, arroz, milho, feijão e lentamente a soja) e na pecuária.
O primeiro assentamento, PA Buritis, foi implantado pelo Incra em 1990 e reuniu inicialmente 400 famílias. As madeireiras, porém, entraram com força e atraíram mais gente. No auge, Buritis chegou a ter 120 serrarias, mas como a madeira nobre está chegando à exaustão e a fiscalização do Ibama se intensificou, hoje restam só 40.
Este desaquecimento produziu a razão do maior orgulho de Buritis: a força da agricultura familiar. A união de pais, filhos, netos, genros, noras, da derrubada da mata ao plantio e colheita, faz do município um dos mais produtivos e férteis celeiros do estado. O capixaba Florêncio Kister, 63 anos, chegou com a família em 2002, migrando do Paraná, e está feliz com a decisão, embora seus olhos ainda exibam a tristeza da morte de um filho, atingido pelo galho de uma árvore durante a derrubada.
Florêncio vive com a mulher e três dos seus seis filhos numa pequena fazenda, onde o forte é a produção de arroz. Sua maior aposta é a soja, que começou a plantar recentemente.
Há 18 assentamentos oficiais e cinco não legalizados em Buritis. Como Florêncio, os migrantes - muitos paranaense, catarinenses, gaúchos, capixabas, baianos e mineiros - reivindicam créditos, a melhoria das condições das estradas e eletricidade. Muitos desistiram de plantar e estão transformando a terra em pastagem. De 38 mil cabeças em 1998, o rebanho saltou para 270 mil em 2004.
A população é predominantemente evangélica. Os dois maiores templos pertencem à Assembléia de Deus. Seu pastor chefe, José Dias Terra, há nove anos vivendo em Buritis, conhece como poucos os problemas da população:
- O povo foi entrando e demos assistência. Erguemos o primeiro templo com ajuda das madeireiras. Os sitiantes retiravam as toras, que eram serradas nas madeireiras.
A cidade tem hoje cinco escolas estaduais, quatro municipais e 92 rurais, com uma rede de 12 mil alunos. O orçamento anual é de R$ 16 milhões, considerado baixo pela prefeitura. Os recursos, baseados em estatísticas anteriores, estão sempre defasados para o ritmo de crescimento.
'Desmatar é conversa para boi dormir'
O governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), diz que Buritis é prova de que seu estado, "berço da reforma agrária", continua visto pelos migrantes como terra prometida e oferece uma razão prosaica para explicar a explosão do município:
- A terra ocupada em outros lugares ficou pequena e mais valorizada. Daí, pegaram outra maior. A diferença é que hoje os migrantes chegam com maquinário, não mais com uma mão na frente, outra atrás - diz.
Cassol só lamenta que os colonos sejam obrigados a descartar a madeira que derrubam.
- A derrubada continua, mas é ilegal. Derruba-se, queima-se e a madeira vira cinza. Não há autorização para tirar madeira. Quando há, é morosa e tardia.
Para Cassol, há diversos interesses comerciais por trás das políticas preservacionistas:
- O Brasil importa combustível. Por causa de mil hectares de terra, proibiram fazer um gasoduto. No Peru, os americanos estão fazendo um. O Brasil terá de ser a vida toda escravo. Nunca vai ter crescimento sem atingir alguma coisa. Essa coisa de que vai desmatar é conversa para boi dormir - critica o governador de Rondônia.
O Globo, 24/01/2005, O País, p. 8
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