From Indigenous Peoples in Brazil

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Lula sabia do risco da tragédia

20/04/2004

Fonte: JB, Pais, p.A1 e A3



Lula sabia do risco da tragédia
Prefeita de Espigão D'Oeste guarda cópias dos ofícios que enviou ao presidente e a Dirceu avisando sobre a iminência do conflito

Hugo Marques

Desde que assumiu o cargo de prefeita de Espigão D'Oeste, em Rondônia, em janeiro de 2001, Lúcia Teresa Rodrigues dos Santos (PTB), de 58 anos, não parou de enviar mensagens a várias autoridades de Brasília, alertando para os conflitos entre índios cintas-largas e garimpeiros dentro da Reserva Roosevelt. Ela guarda cópias de ofícios enviados ao chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu, e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
- Em outubro já sabia que ia haver conflito na reserva. Enviei várias mensagens a Brasília e nunca tive resposta - reclama a prefeita.
Ao concluir que não estava tendo a atenção merecida nos ministérios e órgãos ligados à segurança pública, a prefeita enviou ofício diretamente ao presidente Lula. Foi no dia 22 de outubro do ano passado, numa época em que passou a receber com mais intensidade informações sobre conflitos iminentes entre índios e garimpeiros.
- Moro aqui há 31 anos e, naquela época, comecei a receber muitas informações sobre novos conflitos - diz Lúcia.
No ofício ao presidente, a prefeita pedia desculpas pelo ''atrevimento'' em escrever ao chefe da nação. Solicitava ''ajuda'' e pedia também que Lula acabasse com a corrupção e a discriminação. Relatava o problema da reserva de diamantes na área indígena, ''onde poucos colhem e muitos sofrem e morrem''. Lúcia dizia estar se sentindo só e explicava ao presidente que as denúncias feitas a outras autoridades ''foram em vão''. Ao final da curta mensagem, dizia a Lula que ele era a última chance de solução verdadeira ''dessa mina de corrupção e vergonha'' para os brasileiros.
- Escrevia estes rápidos ofícios nas horas de desespero. O garimpo nem fica no meu município, mas aqui sofremos todas as conseqüências, pois é ponto de apoio dos garimpeiros - conta a prefeita.
Em ofício enviado ao ministro José Dirceu, em outubro do ano passado, a prefeita diz-se ''desesperada''. O problema do garimpo na Reserva Roosevelt, escreveu ela ao ministro, ''é uma vergonha nacional''. No mesmo ofício, a prefeita adverte que corre ''sério risco de vida'' pela denúncia sobre a ilegalidade na extração de diamantes e pede ''ajuda sigilosa'' a Dirceu. A prefeita afirma que enviou ofícios também ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e ao governador do Estado, Ivo Cassol, que agora responsabiliza a Funai pelas mortes.
Pelos dados do IBGE, o município de Espigão D'Oeste tem oficialmente 25 mil habitantes. Mas a prefeita garante que, com o crescimento rápido, já são 40 mil pessoas. O local do conflito fica a 100km do município. Segundo a prefeita, o garimpo atraiu vários grupos de interesse, inclusive representantes de empresas multinacionais de venda de diamantes, que estariam incentivando os garimpeiros a entrar na reserva.
- É muito figurão internacional. Gente do Canadá. Teve muito estrangeiro hospedado em hotel aqui - diz Lúcia.
Morreram muitos índios e muitos garimpeiros, até eclodir o conflito da Semana Santa, lembra a prefeita. Para ela, ''quem morreu são pessoas frágeis'', as menos culpadas em um esquema que envolve poder e riqueza. Alguns caciques, denuncia a prefeita, já entraram no rico negócio do diamante e exploram as áreas. Têm mansões em Cacoal e só andam em carros zero-quilômetro. A prefeita acredita que o processo de aculturação pode ter alterado o comportamento dos índios.
- O que estragou tudo foi a essência do homem: dinheiro, mulher e bebida. Hoje tem índio que só gosta de mulher novinha - afirma a prefeita.
A morte dos garimpeiros na reserva trouxe ainda mais problemas na área de segurança pública na região. A prefeita afirmou que cerca de 800 garimpeiros protestaram ontem na praça da cidade, próxima à prefeitura. Com faixas e cartazes, os garimpeiros pediam que os governos encontrassem e resgatassem todos os corpos dos desaparecidos no massacre da Reserva Roosevelt.
- Estou aqui com todas estas 800 pessoas. Viúvas, parentes, todos pedindo para buscar os corpos. É o maior massacre que já vimos por aqui - lamenta.

Sem punição
Luiz Queiroz
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira, afirmou ontem que não condenará os índios cintas-largas pelo assassinato de 29 garimpeiros em um conflito em Rondônia. Afirmou que os invasores sabiam do risco.
- Sou humanista. Não acredito na morte nem na violência. Não posso, entretanto, ficar condenando os índios por defenderem seu território. Os garimpeiros sabiam do risco.
Mércio Pereira disse ainda que a instituição defenderá os índios envolvidos nas mortes de garimpeiros na Reserva Roosevelt, no Sul de Rondônia, caso a Polícia Federal resolva prender suspeitos.
O presidente da Funai garante não estar preocupado quanto à possibilidade de ser exonerado, como querem alguns parlamentares do PT, entre eles Lindberg Farias (RJ).
- A presidência da Funai é um cargo sujeito a esses tipos de problemas - afirmou.
Mércio repetiu ontem o que vem dizendo há dois dias. Defendeu os cintas-largas e argumentou que estão apenas defendendo as suas terras.
- Temos de entender que o território indígena não é como uma propriedade privada. As terras dos povos indígenas são uma extensão de sua vida, de sua cultura. Eles têm de lutar por ela - defendeu.
Mércio participou ontem de solenidade em comemoração ao Dia do Índio, na sede da Funai. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não compareceu ao evento e mandou representante.
O presidente da Funai afirmou ser contra ataques violentos e mortes.
- Nenhuma guerra deveria acontecer - disse, ressaltando que, no caso dos índios, apenas defenderam suas terras.
O presidente da Funai lançou ontem o selo Orlando Villas-Bôas, em homenagem ao sertanista, e condecorou com medalhas algumas autoridades. O senador Eduardo Suplicy (PT/SP), um dos parlamentares que apóia a gestão de Mércio, foi um dos agraciados.

Corpos são resgatados
Com uma rede e um helicóptero, a Polícia Federal resgatou no fim da manhã de ontem 26 corpos de garimpeiros das terras indígenas dos cintas-largas, em Espigão D'Oeste, a 534km de Porto Velho. Os garimpeiros foram mortos possivelmente por índios na disputa por diamantes no local.
O delegado Mauro Sposito disse que continuam as buscas por corpos. Para o Sindicato dos Garimpeiros de Espigão D'Oeste, ''com certeza'', mais 35 homens foram mortos por índios na área. A PF não tem o número de desaparecidos.
Enrolados em lonas amarelas, os corpos foram levados de helicóptero de uma clareira na mata, na terra indígena, até a pista de pouso ao lado de uma usina de extração de calcário, em Pimenta Bueno. O local fica a 35km da entrada da área indígena.
O helicóptero fez duas viagens. Em cada uma, levou 13 corpos suspensos no ar em uma rede de corda de 25 metros quadrados. Na pista, oito policiais militares puseram, um a um, os cadáveres em avião monomotor da PF. A aeronave vez duas viagens entre a pista da usina e o Aeroporto de Ji-Paraná, a 190km do local, para levar os corpos.
De Ji-Paraná, os mortos foram transportados em caminhão-baú para o IML de Porto Velho. Um ônibus saiu ontem à noite de Espigão D'Oeste levando familiares de garimpeiros para realizarem o reconhecimento dos corpos.
- Será muito se reconhecerem pelo menos três dos 26 mortos. Eles foram mutilados - disse Gilton Muniz, presidente do sindicato dos garimpeiros.
O sertanista Apoena Meireles, designado pela Funai para acompanhar o conflito, informou que as lideranças indígenas não aceitaram dar entrevistas.
Desde quinta-feira passada os policiais sobrevoavam a área em busca de corpos, mas foi a Funai e a Polícia Florestal, responsável por fiscalizar a reserva indígena, que localizaram os 26 cadáveres na sexta-feira.
Agência Folha

JB, 20/04/2004, p. A3
 

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