From Indigenous Peoples in Brazil

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O massacre da reserva Roosevelt

21/04/2004

Fonte: OESP, Notas e Informacoes, p.A3



O massacre da reserva Roosevelt

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Gomes Pereira, ultrapassou todos os limites éticos - logo ele, que se diz um humanista que não acredita na violência -, ao justificar o massacre de pelo menos 29 garimpeiros pelos índios cintas-largas, na reserva Roosevelt, em Rondônia. "Nós temos que entender que o território indígena não é como uma propriedade privada. As terras dos povos indígenas são uma extensão de sua vida, de sua cultura. Eles têm de lutar por elas." Disse, também: "Não posso ficar condenando os índios por defenderem seu território. Os garimpeiros sabiam do risco."
Os indígenas são protegidos pela Constituição e pelas leis como nenhum outro grupo da sociedade brasileira, mas não têm imunidade para matar quem lhes invada as terras ou para executar parceiros comerciais nos quais deixaram de confiar. As declarações do presidente da Funai constituíram, na verdade, mais que uma justificativa para o injustificável, uma apologia da violência - e assim foi entendida pela opinião pública, a começar pelo presidente da União Democrática Ruralista, Antônio Nabhan Garcia, que tirou suas próprias conclusões: "Quer dizer, então, que agora temos alvará para matar quem invadir nossa propriedade?"
O presidente da Funai também disse que não buscará os responsáveis pela matança. Não é preciso. A cadeia de responsabilidade começa com ele e termina no presidente da República. E isso não é força de expressão ou excesso de formalismo.
A Funai tinha pleno conhecimento do que se passava na reserva Roosevelt desde que lá foi descoberta uma província diamantífera, em 2000. Nos últimos anos, foram retirados da área, pela Funai e pela Polícia Federal, mais de 4 mil garimpeiros. Mas lá permaneceram pelo menos 400, que tinham um relacionamento comercial com os caciques - nem um pouco preocupados, ao que tudo indica, com a função metafísica da terra na cultura indígena, apontada pelo presidente da Funai. De 20% a 50% dos diamantes extraídos pelos garimpeiros ficavam com os índios. Foi o calote na divisão do butim a causa do massacre.
E a tragédia foi longamente anunciada. Desde janeiro de 2001, a prefeita de Espigão D'Oeste, Lúcia Teresa Rodrigues dos Santos, tem alertado as autoridades sobre a gravidade do que acontecia na reserva cinta-larga.
Enviou ofícios ao presidente da República, aos ministros José Dirceu e Márcio Thomaz Bastos e ao governador Ivo Cassol. No final do ano passado, um relatório feito a pedido da ONG Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais foi enviado aos Ministérios da Justiça, Minas e Energia e Meio Ambiente, à Secretaria Nacional de Direitos Humanos e à Funai. Há um mês, o autor do relatório, o consultor de direitos humanos Jean-Pierre Leroy, mandou carta à Secretaria-Geral da Presidência, alertando para a iminência de uma explosão de violência na reserva indígena.
Para completar o quadro de inércia e omissão, registre-se que nem o Executivo nem o Congresso tomou a iniciativa de propor a lei complementar, prevista na Constituição de 1988, que regulamentaria o garimpo em terras indígenas.
O governo federal tem destinado imensas áreas do território nacional ao uso exclusivo de tribos indígenas. Anteontem, Dia do Índio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou oito áreas, num total de 1,29 milhão de hectares. Mais de metade de Roraima é, hoje, reserva indígena. São terras que contêm imensas riquezas minerais e florestais, que naturalmente atraem a cobiça de garimpeiros e madeireiros, que por sua vez despertam a cupidez de caciques, que autorizam a exploração das reservas - minerais ou florestais - ao arrepio do ordenamento jurídico. E o Estado, que concede aos indígenas imensas áreas que eles não conseguem manejar, não se aparelha para garantir os direitos das populações nativas e para assegurar a exploração racional das riquezas naturais. Dessa contradição, em última análise, nascem conflitos como o massacre de índios do Paralelo 11 ou o massacre de garimpeiros da reserva Roosevelt. Não é preciso procurar os responsáveis por essas mortes. Eles já estão identificados.

OESP, 21/04/2004, p. A3
 

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