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Supremo encerra sessão com 8 votos

10/12/2008

Fonte: Folha de Boa Vista - www.folhabv.com.br




Novamente o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que definirá o futuro da reserva indígena Raposa Serra do Sol foi interrompido. A sessão encerrou às 16h20 de ontem, por um pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello. Antes de a sessão ser suspensa, oito magistrados votaram, todos favoráveis à manutenção da demarcação contínua da reserva.

O placar já aponta um entendimento do Supremo sobre o tema, pois a maioria dos ministros já votou (o STF possui 11 ministros). O julgamento será retomado em data ainda não definida, provavelmente somente em 2009, com o voto de Marco Aurélio. Além dele, Celso de Mello e o presidente da Corte, Gilmar Mendes, ainda devem votar.

O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, encerrou a sessão após debate acalorado sobre a cassação da liminar que suspende qualquer operação de retirada de não-índios da reserva em Roraima.

Embora a maioria dos magistrados tenha votado a favor da cassação, Mendes afirmou que só haverá uma decisão definitiva e com valor legal quando o ministro Marco Aurélio Mello apresentar o seu voto. Com isso, os arrozeiros permanecem na reserva.

Mendes não leu o seu voto no julgamento de ontem, mas adiantou algumas considerações. "Um dos temas que me angustia é o da fidelidade federativa. É muito difícil no atual estágio do modelo federativo brasileiro aceitar uma área de demarcação sem que o município e o Estado participem desse processo."

O presidente do STF ressaltou a importância da decisão. "Estamos definindo o quadro demarcatório que deve vigorar a partir dessa decisão." E reforçou: "Retirar o Estado e o município desse processo é delicado, senão inconstitucional".

VISTA - Em entrevista no intervalo da sessão plenária, o ministro Marco Aurélio justificou pedido de vista. É necessário um tempo maior para se refletir porque há temas que precisam ser equacionados", disse o ministro Marco Aurélio.

Ele ressaltou que devem ser debatidos assuntos como o posicionamento do Estado de Roraima, a problemática daqueles que estão na área indígena e têm títulos anteriores à Constituição de 1988, bem como a questão dos direitos humanos, "considerada a posição dos brancos". Segundo ele, também devem ser discutidos o motivo da demarcação contínua e a situação das áreas de fronteira.

Marco Aurélio afirmou que a decisão vai servir de orientação para outros processos que também tratam sobre demarcação de cerca de 227 áreas. "Depois que o Supremo bate o martelo não há a quem recorrer", disse ao lembrar que as decisões do Supremo não podem ser revistas em razão de a Corte ser a última instância.

"Nós temos que ter uma cautela maior ao decidirmos um caso que será emblemático", disse lembrando que desde a Constituição Federal de 1988 esse tema é debatido, não havendo necessidade de urgência para analisar a questão. "Se podemos esperar 20 anos, agora é pertinente ter-se um tempo médio para que aqueles que tenham responsabilidade de decidir formem convencimento a respeito".

Ministro apresenta 18 condições a serem obedecidas por índios

O ministro Menezes Direito, ao proferir o seu voto-vista sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol, foi favorável à demarcação contínua das terras da região, mas apresentou dezoito condições a serem obedecidas pela população indígena. São elas:

1 - O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o interesse público da União na forma de Lei Complementar;

2 - O usufruto dos índios não abrange a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;

3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;

4 - O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;

5 - O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

6 - A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

7 - O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;

8 - O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;

10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração;

11 - Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;

12 - O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

13 - A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público que tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;

14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;

15 - É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;

16 - Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;

17 - É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

18 - Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.

Relator reajusta voto para acolher as propostas de Menezes Direito

O ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo, decidiu acolher as 18 condições propostas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito para a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. "Faço o ajuste com todo o conforto intelectual", afirmou.

Segundo ele, o ministro Direito traçou "diretivas" para nortear a execução da decisão do STF pela União. "A proposta] me pareceu uma técnica interessante, inovadora, que, embora inusual do ponto de vista da operacionalização do que estamos aqui a decidir, resulta altamente proveitosa."

O ministro também propôs que fosse cassada a liminar concedida pelo STF em abril de 2008 para impedir a retirada dos não-índios da região da reserva. Sete ministros votaram nesse sentido, mas a discussão foi suspensa por um pedido de vista do ministro Marco Aurélio.

MAIORIA - Diante da maioria já formada pela demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol (oito votos), o ministro aproveitou para comemorar o resultado parcial. "Acho que o Supremo Tribunal Federal, e não posso deixar de dizer isso, está confirmando uma vertente constitucional que nos coloca na vanguarda dos países que tratam a questão indígena com contemporaneidade e com toda a fuga de preconceito e discriminação", avaliou.

De acordo com Ayres Britto, a decisão da Corte desfaz "um preconceito multissecular", impondo o Brasil como um país civilizado, que caminha na direção de si mesmo.

"A partir de nossa decisão, o Brasil vai se olhar no espelho da história e não mais vai corar de vergonha. O Brasil, agora, com esta decisão, resgata a sua dignidade, tratando os índios brasileiros como nossos irmãos queridos", frisou.
 

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