From Indigenous Peoples in Brazil
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A Raposa / Serra do Sol e a legalidade
10/12/2008
Autor: Gursen De Miranda *
Fonte: Folha de Boa Vista - www.folhabv.com.br
O Estado de Direito - onde todos são iguais perante a lei -, seguindo a Escola germânica, possui dois grandes pilares: a legalidade e a segurança jurídica.
Em Roraima, quando se trata de área indígena, o tema assume proporções de Estado no seu mais amplo sentido, levando-se em linha de conta que em uma de suas dimensões está definindo o contorno territorial, base da sociedade civil. Todavia, a questão está à margem dos paradigmas de Estado do princípio constitucional da legalidade.
O Decreto Presidencial nº 1775, de 08 de janeiro de 1996, que dispõe sobre o procedimento de demarcação de terras indígenas, estabelece como primeira fase a identificação da área, procedida por meio de estudo antropológico (D 1775/96: art. 2º, caput). O laudo antropológico, conforme o decreto, fundamenta a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
O estudo antropológico de identificação deve ser complementado por estudos de um grupo técnico especializado, constituindo-se em perícia técnica. O laudo exigido, certamente, deve refletir a perícia realizada em um relatório circunstanciado. Esta perícia antropológica está vinculada a um decreto administrativo, logo, configura-se em um procedimento administrativo que, por certo, deve obedecer aos princípios que regem a administração pública, nomeadamente a legalidade (CF/88: art. 37, caput). Procedimento realizado de acordo com a lei que o define.
Ora, o laudo antropológico da área indígena Raposa / Serra do Sol, no Estado de Roraima, realizado por um grupo técnico especializado, coordenado por antropólogo, não atendeu o procedimento administrativo. Foi constatado ter procedido de forma à margem do figurino administrativo. É público e notório que pessoas sem a qualificação exigida participaram dos estudos; não houve visita à área conforme exigência de uma perícia nesse nível; dados foram coletados em segunda mão, não in loco; enfim, vários procedimentos exigidos e necessários, não foram cumpridos.
O vício, portanto, do procedimento de demarcação da área indígena Raposa / Serra do Sol, é de origem - o laudo antropológico fundamenta a demarcação -, contaminando as demais fases que se seguiram (delimitação; caracterização; publicação do relatório; manifestação dos interessados; decisão do Ministro da Justiça; homologação pelo Presidente da República e registro).
O procedimento administrativo de demarcação de área indígena no Brasil quando editado, teve como razão maior sua adequação a nova ordem constitucional, na observação dos princípios estabelecidos na Lei Maior, destacadamente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (CF/88: art. 5º, incs. LIV e LV), como garantia de valores jurídicos fundamentais, como a certeza e a igualdade (formal). Se a demarcação de área indígena pode privar, como efetivamente privou, alguém de seus bens, o devido processo legal torna-se inafástavel, como desdobramento fundamental da legalidade. Sendo certo que os estudos, de qualquer natureza, previstos pelo Decreto (étno-histórico; sociológico; jurídico; cartográfico; ambiental e fundiário) também devem seguir as normas do procedimento administrativo.
Assim sendo, o laudo antropológico é uma perícia fundamental na demarcação de área indígena que deve seguir a orientação das normas da administração. Nessa linha, deve-se compreender a demarcação administrativa como um procedimento administrativo, com fases distintas, vinculando o administrador (entendendo-se o administrador aqueles que participam deste procedimento, incluindo-se o antropólogo que é o perito) e submetidos ao princípio da legalidade, sob pena de nulidade do ato. O princípio da legalidade da Administração Pública impõe que o descumprimento da lei invalida o ato.
A nulidade da demarcação tem como fundamento jurídico não apenas por contrariar princípios constitucionais, mas, da mesma forma, por contrariar o procedimento administrativo estabelecido pelo Decreto de Demarcação 1775/96. Não é demais lembrar que o ato nulo tem eficácia erga omnes, pode ser decretado ex-ofício pelo juiz, não pode ser suprido nem ratificado e não prescreve.
Portanto, no Estado de Direito Social Democrático, como está constituída a República Federativa do Brasil, não há espaço para ato arbitrário, para o descumprimento de lei pelos governantes nem de mudanças da lei por atos de governo por meio de decretos. Afinal, os governados têm direito fundamental a segurança jurídica. Aliás, as garantias que a legalidade propicia ao cidadão são uma forma de segurança jurídica. O laudo antropológico, como perícia, no âmbito da legalidade, deve ser fonte de segurança jurídica.
Não tenho dúvida, conforme o exposto juridicamente, que a demarcação da área indígena Raposa / Serra do Sol foi demarcada tendo por fundamento uma perícia - no caso o laudo antropológico - viciada com erros e omissões, por via de conseqüência, viciando todo procedimento que se seguiu, a culminar com a nulidade da própria demarcação da área indígena.
* Jurista
Em Roraima, quando se trata de área indígena, o tema assume proporções de Estado no seu mais amplo sentido, levando-se em linha de conta que em uma de suas dimensões está definindo o contorno territorial, base da sociedade civil. Todavia, a questão está à margem dos paradigmas de Estado do princípio constitucional da legalidade.
O Decreto Presidencial nº 1775, de 08 de janeiro de 1996, que dispõe sobre o procedimento de demarcação de terras indígenas, estabelece como primeira fase a identificação da área, procedida por meio de estudo antropológico (D 1775/96: art. 2º, caput). O laudo antropológico, conforme o decreto, fundamenta a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
O estudo antropológico de identificação deve ser complementado por estudos de um grupo técnico especializado, constituindo-se em perícia técnica. O laudo exigido, certamente, deve refletir a perícia realizada em um relatório circunstanciado. Esta perícia antropológica está vinculada a um decreto administrativo, logo, configura-se em um procedimento administrativo que, por certo, deve obedecer aos princípios que regem a administração pública, nomeadamente a legalidade (CF/88: art. 37, caput). Procedimento realizado de acordo com a lei que o define.
Ora, o laudo antropológico da área indígena Raposa / Serra do Sol, no Estado de Roraima, realizado por um grupo técnico especializado, coordenado por antropólogo, não atendeu o procedimento administrativo. Foi constatado ter procedido de forma à margem do figurino administrativo. É público e notório que pessoas sem a qualificação exigida participaram dos estudos; não houve visita à área conforme exigência de uma perícia nesse nível; dados foram coletados em segunda mão, não in loco; enfim, vários procedimentos exigidos e necessários, não foram cumpridos.
O vício, portanto, do procedimento de demarcação da área indígena Raposa / Serra do Sol, é de origem - o laudo antropológico fundamenta a demarcação -, contaminando as demais fases que se seguiram (delimitação; caracterização; publicação do relatório; manifestação dos interessados; decisão do Ministro da Justiça; homologação pelo Presidente da República e registro).
O procedimento administrativo de demarcação de área indígena no Brasil quando editado, teve como razão maior sua adequação a nova ordem constitucional, na observação dos princípios estabelecidos na Lei Maior, destacadamente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (CF/88: art. 5º, incs. LIV e LV), como garantia de valores jurídicos fundamentais, como a certeza e a igualdade (formal). Se a demarcação de área indígena pode privar, como efetivamente privou, alguém de seus bens, o devido processo legal torna-se inafástavel, como desdobramento fundamental da legalidade. Sendo certo que os estudos, de qualquer natureza, previstos pelo Decreto (étno-histórico; sociológico; jurídico; cartográfico; ambiental e fundiário) também devem seguir as normas do procedimento administrativo.
Assim sendo, o laudo antropológico é uma perícia fundamental na demarcação de área indígena que deve seguir a orientação das normas da administração. Nessa linha, deve-se compreender a demarcação administrativa como um procedimento administrativo, com fases distintas, vinculando o administrador (entendendo-se o administrador aqueles que participam deste procedimento, incluindo-se o antropólogo que é o perito) e submetidos ao princípio da legalidade, sob pena de nulidade do ato. O princípio da legalidade da Administração Pública impõe que o descumprimento da lei invalida o ato.
A nulidade da demarcação tem como fundamento jurídico não apenas por contrariar princípios constitucionais, mas, da mesma forma, por contrariar o procedimento administrativo estabelecido pelo Decreto de Demarcação 1775/96. Não é demais lembrar que o ato nulo tem eficácia erga omnes, pode ser decretado ex-ofício pelo juiz, não pode ser suprido nem ratificado e não prescreve.
Portanto, no Estado de Direito Social Democrático, como está constituída a República Federativa do Brasil, não há espaço para ato arbitrário, para o descumprimento de lei pelos governantes nem de mudanças da lei por atos de governo por meio de decretos. Afinal, os governados têm direito fundamental a segurança jurídica. Aliás, as garantias que a legalidade propicia ao cidadão são uma forma de segurança jurídica. O laudo antropológico, como perícia, no âmbito da legalidade, deve ser fonte de segurança jurídica.
Não tenho dúvida, conforme o exposto juridicamente, que a demarcação da área indígena Raposa / Serra do Sol foi demarcada tendo por fundamento uma perícia - no caso o laudo antropológico - viciada com erros e omissões, por via de conseqüência, viciando todo procedimento que se seguiu, a culminar com a nulidade da própria demarcação da área indígena.
* Jurista
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