From Indigenous Peoples in Brazil
News
Omissão do poder público impede respeito à legislação que trata da educação indígena
20/05/2009
Fonte: Observatório da Educação - http://www.observatoriodaeducacao.org.br/
Em abril, o Observatório da Educação deu início à publicação de uma série de reportagens, entrevistas e artigos sobre a educação escolar indígena e a abordagem da questão indígena na educação básica. Dando continuidade à iniciativa, que tem por objetivo estimular a produção editorial pela imprensa, publicamos nesta edição entrevista com Gersem José dos Santos Luciano, coordenador Geral de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação.
OE - Quais são os principais desafios da educação escolar indígena hoje?
Gersem - O principal desafio hoje, 20 anos depois da Constituição de 1988, é inovar a prática político-pedagógica da escola indígena, na perspectiva da educação intercultural, bilíngüe, específica e diferenciada. É buscar formas de garantir essa especificidade a partir dos marcos burocráticos e administrativos das políticas públicas, que insistem em ser universalizantes, percebendo o cidadão como comum, enquanto que os povos indígenas têm direitos específicos, além de uma vida e uma relação com a sociedade muito diferente. O desafio então é adequar as políticas públicas e governamentais para atender, na prática, essas especificidades.
Evoluímos muito do ponto de vista da norma e da lei, também na boa vontade política dos dirigentes, mas essa vontade e as condições normativas e legais têm enorme dificuldade para alcançarem efetividade. Nossas estruturas democráticas administrativas são pensadas de forma ainda universal, generalizante, tratando todo mundo como se tivesse mesma língua, cultura, forma de pensar, viver, organizar e de estabelecer seus processos próprios de aprendizagem, educação e transmissão de conhecimento.
OE - O processo de implementação da lei 11.645 se insere nesse contexto?
Gersem - Sem dúvida ajuda, na medida em que pode sensibilizar a opinião pública. A sensibilidade política e cultural, da sociedade e principalmente dos gestores de políticas, permitem efetivamente que os nossos instrumentos administrativos sejam adequados. Além de contribuir para a superação do preconceito, às vezes presente entre os próprios agentes, os próprios interlocutores.
OE - Você mencionou as dificuldades para condições normativas e legais alcançarem efetividade. No caso da lei 11.645 isso se confirma de que forma? Quais são as principais dificuldades?
Gersem - Como as realidades indígenas são muito específicas e, às vezes, pouco conhecidas, aqueles que executam as ações têm dificuldade de buscar elementos para isso. Um exemplo é a formação de professores. É uma particularidade, muitos povos indígenas precisam de formação dos professores num processo bilíngüe, outros não.
Na formação de professores bilíngües, é preciso contratar bilíngües, não necessariamente os formados em universidades. No entanto, nossas leis administrativas não permitem contratar esses professores indígenas bilíngües sem formação universitária. Esse é um exemplo da dificuldade de articulação entre as nossas normas e leis gerais e o atendimento das particularidades.
OE - Quais são as responsabilidades de União, Estados e Municípios na implementação da lei? Os papéis estão claros e são cumpridos?
Gersem - Existem papéis diferenciados, mas, na grande maioria, as responsabilidades deveriam ser compartilhadas. A União tem a tarefa específica de formular políticas e diretrizes, a orientação político pedagógica para as escolas indígenas, além do financiamento. E dar um mínimo de coordenação a essas ações. Os estados têm uma responsabilidade muito forte, principalmente na oferta do ensino médio e fundamental. Os municípios da educação infantil e fundamental.
Mas existem tarefas comuns: construção de escolas, a formação de professores e produção de material didático que deveria ser tarefa de todos. Aí o desafio é grande. Como são sistemas autônomos, é muito difícil trabalhar de forma compartilhada, de forma colaborativa. Os recursos são poucos, as equipes são reduzidas e a dificuldade é muito maior para que as políticas tenham avanço de forma articulada e possam atender às demandas gritantes, acumuladas. A superação dessa falta de comunicação, de articulação, permitiria avanço muito mais acelerado.
O que falta é criar essas condições institucionais articuladas e mobilizar todos para que atuem de forma conjunta, inclusive buscando coletivamente a solução para aqueles problemas que aparentemente são insuperáveis. Mas a dificuldade maior no regime de colaboração é a omissão das partes: município espera pelo estado, que espera pelo município. E esse é um grande esforço do Ministério da Educação, para tentar dar coordenação, planejamento das políticas, em colaboração com estados e municípios.
OE - A Constituição fala em educação diferenciada para povos indígenas. De que forma povos e governos lidam com especificidades como calendário, merenda, construção de escolas, organização administrativa e alocação de recursos, dentre outros?
Gersem - Por um lado os povos indígenas sabem desses direitos e cobram dos nossos sistemas e instituições o respeito a essas especificidades. Na leitura dos povos indígenas, isso deveria ser automático, se há uma lei, o direito deveria ser concretizado. No âmbito das instituições não é uma tarefa fácil. O Estado brasileiro reconheceu esses direitos específicos, mas não se preocupou em adequar suas estruturas às iniciativas, inclusive de pessoal. A gente continua nos municípios, estados e mesmo no Ministério da Educação com muitos técnicos e gestores que sequer conhecem as leis indígenas e muito menos o que significa ter esses direitos específicos: o que significa ter calendário e currículo específicos, por exemplo.
Temos situações diferentes: por um lado o poder público reconhece, mas não adequou estruturas. E, por outro, temos os povos indígenas, que ganharam esses direitos, mas estão se apropriando e se formando para que exerçam a autonomia da escola, da aldeia, da comunidade e possam construir processos educacionais autônomos.
OE - Aqui em São Paulo tem um povo que vive na favela do Real Parque, os Pankararu, e ainda não conseguiu demarcação de aldeia. Esse não reconhecimento impede a conquista de outros direitos. As crianças e adolescentes freqüentam a escola do bairro, que não tem estrutura para oferecer uma educação diferenciada. Isso acontece com freqüência no Brasil? Como o MEC lida com a questão?
Gersem - Isso acontece não só em áreas urbanas, mas também em rurais, principalmente com aqueles povos que, com o passar do tempo, foram se reassumindo como comunidades indígenas. O MEC tem política clara para isso: esses povos indígenas têm direito à educação e política diferenciadas. Mas é preciso ver condições para esse atendimento. Quando se trata de comunidades urbanas, por exemplo em Manaus e Campo Grande, existem verdadeiras aldeias nos centros urbanos. Neste caso é mais fácil, pois a comunidade apresenta sua reivindicação de escola e cabe às estruturas políticas do Estado brasileiro atendê-la. É difícil quando a demanda é dispersa, quando se trata de indivíduos. Nossa referência é a coletividade, mas não há diferença entre urbano e rural, deve sempre ser atendido.
OE - Quais são os principais desafios da educação escolar indígena hoje?
Gersem - O principal desafio hoje, 20 anos depois da Constituição de 1988, é inovar a prática político-pedagógica da escola indígena, na perspectiva da educação intercultural, bilíngüe, específica e diferenciada. É buscar formas de garantir essa especificidade a partir dos marcos burocráticos e administrativos das políticas públicas, que insistem em ser universalizantes, percebendo o cidadão como comum, enquanto que os povos indígenas têm direitos específicos, além de uma vida e uma relação com a sociedade muito diferente. O desafio então é adequar as políticas públicas e governamentais para atender, na prática, essas especificidades.
Evoluímos muito do ponto de vista da norma e da lei, também na boa vontade política dos dirigentes, mas essa vontade e as condições normativas e legais têm enorme dificuldade para alcançarem efetividade. Nossas estruturas democráticas administrativas são pensadas de forma ainda universal, generalizante, tratando todo mundo como se tivesse mesma língua, cultura, forma de pensar, viver, organizar e de estabelecer seus processos próprios de aprendizagem, educação e transmissão de conhecimento.
OE - O processo de implementação da lei 11.645 se insere nesse contexto?
Gersem - Sem dúvida ajuda, na medida em que pode sensibilizar a opinião pública. A sensibilidade política e cultural, da sociedade e principalmente dos gestores de políticas, permitem efetivamente que os nossos instrumentos administrativos sejam adequados. Além de contribuir para a superação do preconceito, às vezes presente entre os próprios agentes, os próprios interlocutores.
OE - Você mencionou as dificuldades para condições normativas e legais alcançarem efetividade. No caso da lei 11.645 isso se confirma de que forma? Quais são as principais dificuldades?
Gersem - Como as realidades indígenas são muito específicas e, às vezes, pouco conhecidas, aqueles que executam as ações têm dificuldade de buscar elementos para isso. Um exemplo é a formação de professores. É uma particularidade, muitos povos indígenas precisam de formação dos professores num processo bilíngüe, outros não.
Na formação de professores bilíngües, é preciso contratar bilíngües, não necessariamente os formados em universidades. No entanto, nossas leis administrativas não permitem contratar esses professores indígenas bilíngües sem formação universitária. Esse é um exemplo da dificuldade de articulação entre as nossas normas e leis gerais e o atendimento das particularidades.
OE - Quais são as responsabilidades de União, Estados e Municípios na implementação da lei? Os papéis estão claros e são cumpridos?
Gersem - Existem papéis diferenciados, mas, na grande maioria, as responsabilidades deveriam ser compartilhadas. A União tem a tarefa específica de formular políticas e diretrizes, a orientação político pedagógica para as escolas indígenas, além do financiamento. E dar um mínimo de coordenação a essas ações. Os estados têm uma responsabilidade muito forte, principalmente na oferta do ensino médio e fundamental. Os municípios da educação infantil e fundamental.
Mas existem tarefas comuns: construção de escolas, a formação de professores e produção de material didático que deveria ser tarefa de todos. Aí o desafio é grande. Como são sistemas autônomos, é muito difícil trabalhar de forma compartilhada, de forma colaborativa. Os recursos são poucos, as equipes são reduzidas e a dificuldade é muito maior para que as políticas tenham avanço de forma articulada e possam atender às demandas gritantes, acumuladas. A superação dessa falta de comunicação, de articulação, permitiria avanço muito mais acelerado.
O que falta é criar essas condições institucionais articuladas e mobilizar todos para que atuem de forma conjunta, inclusive buscando coletivamente a solução para aqueles problemas que aparentemente são insuperáveis. Mas a dificuldade maior no regime de colaboração é a omissão das partes: município espera pelo estado, que espera pelo município. E esse é um grande esforço do Ministério da Educação, para tentar dar coordenação, planejamento das políticas, em colaboração com estados e municípios.
OE - A Constituição fala em educação diferenciada para povos indígenas. De que forma povos e governos lidam com especificidades como calendário, merenda, construção de escolas, organização administrativa e alocação de recursos, dentre outros?
Gersem - Por um lado os povos indígenas sabem desses direitos e cobram dos nossos sistemas e instituições o respeito a essas especificidades. Na leitura dos povos indígenas, isso deveria ser automático, se há uma lei, o direito deveria ser concretizado. No âmbito das instituições não é uma tarefa fácil. O Estado brasileiro reconheceu esses direitos específicos, mas não se preocupou em adequar suas estruturas às iniciativas, inclusive de pessoal. A gente continua nos municípios, estados e mesmo no Ministério da Educação com muitos técnicos e gestores que sequer conhecem as leis indígenas e muito menos o que significa ter esses direitos específicos: o que significa ter calendário e currículo específicos, por exemplo.
Temos situações diferentes: por um lado o poder público reconhece, mas não adequou estruturas. E, por outro, temos os povos indígenas, que ganharam esses direitos, mas estão se apropriando e se formando para que exerçam a autonomia da escola, da aldeia, da comunidade e possam construir processos educacionais autônomos.
OE - Aqui em São Paulo tem um povo que vive na favela do Real Parque, os Pankararu, e ainda não conseguiu demarcação de aldeia. Esse não reconhecimento impede a conquista de outros direitos. As crianças e adolescentes freqüentam a escola do bairro, que não tem estrutura para oferecer uma educação diferenciada. Isso acontece com freqüência no Brasil? Como o MEC lida com a questão?
Gersem - Isso acontece não só em áreas urbanas, mas também em rurais, principalmente com aqueles povos que, com o passar do tempo, foram se reassumindo como comunidades indígenas. O MEC tem política clara para isso: esses povos indígenas têm direito à educação e política diferenciadas. Mas é preciso ver condições para esse atendimento. Quando se trata de comunidades urbanas, por exemplo em Manaus e Campo Grande, existem verdadeiras aldeias nos centros urbanos. Neste caso é mais fácil, pois a comunidade apresenta sua reivindicação de escola e cabe às estruturas políticas do Estado brasileiro atendê-la. É difícil quando a demanda é dispersa, quando se trata de indivíduos. Nossa referência é a coletividade, mas não há diferença entre urbano e rural, deve sempre ser atendido.
The news items published by the Indigenous Peoples in Brazil site are researched daily from a variety of media outlets and transcribed as presented by their original source. ISA is not responsible for the opinios expressed or errors contained in these texts. Please report any errors in the news items directly to the source