From Indigenous Peoples in Brazil
News
Contaminados pela civilização
10/08/2009
Fonte: CB, Saúde, p. 17
Documentos anexos
Contaminados pela civilização
Pesquisadores da Unifesp revelam como os índios brasileiros têm sofrido cada vez mais com doenças normalmente associadas aos homens brancos
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com tribos da reserva Xingu, em Mato Grosso, mostrou que doenças que normalmente não afetavam índios estão avançando assustadoramente sobre essas populações. Como a obesidade abdominal, presente em 76,4% das índias, e a pré-hipertensão, que atinge 50% dos homens pesquisados. Os dados revelam um problema crônico no país. Com costumes cada vez mais modificados e sem acesso a serviços básicos de saúde, os índios brasileiros estão sendo duramente atingidos pelo avanço urbano.
Segundo o médico Douglas Rodrigues, coordenador do Ambulatório do Índio, do Hospital São Paulo, na capital paulista, a propagação de males como a hipertensão, diabetes e doenças sexualmente transmissíveis é muito rápida entre os índios. "Quando eles viviam sem contato com o homem branco, a presença de alimentos era sazonal. Assim, seus organismos aprenderam a absorver e armazenar o máximo dos nutrientes, para os períodos de pouca fartura. Hoje, com a introdução de alimentos industrializados como sal, açúcar e óleos, não existe mais escassez", conta.
Como seus organismos não estão adaptados a essa nova dieta, o metabolismo dos índios acaba absorvendo mais do que o necessário de alimentos perigosos à saúde. "O que antes era um mecanismo de defesa acabou se tornando prejudicial", diz o médico. Barreiras culturais também agravam a situação. "Há alta incidência de DSTs entre esses pacientes. O que não se via há 20 anos. Os vírus foram introduzidos pelo contato com o homem urbano, e agora circulam livremente, já que o uso de preservativos não é uma prática comum entre eles" completa.
Diversidade
Desde 1999, a responsabilidade pela saúde indígena é da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). De acordo com o chefe do Departamento de Saúde Indígena do órgão, Walderley Guenca, a grande dificuldade para se tratar esses pacientes é a sua diversidade. "Não se trata de um índio só, são mais de 200 etnias diferentes e cada povo tem as suas especificidades, sua cultura, sua língua, sua religião, ainda mais em um país com as dimensões do Brasil", explica.
Outra dificuldade no tratamento é a falta de adaptação dos pacientes à cultura urbana. De acordo com Silvio Ortiz, "era muito comum o carro da Funasa deixar o índio na porta do hospital, e quando voltava pra buscá-lo, ele permanecia lá, sem atendimento. Na cultura dele, o médico é que deveria conduzi-lo ao consultório". Silvio coordena o programa de atendimento a indígenas do Hospital Universitário de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Lá, um surto de desnutrição em 2005 matou, em duas semanas, mais de 15 crianças das tribos Guaraní e Kaiuwá.
Foi a integração entre as equipes médicas e as lideranças indígenas que amenizou o problema dos índios de Dourados. "Agora, quando um paciente precisa ir ao hospital, nós o orientamos sobre como ele deve fazer, e em alguns casos acompanhamos ele no tratamento", conta Silvio. Ele também serve de intérprete entre o paciente e o médico. "O meu trabalho vai além de simplesmente traduzir. Preciso explicar e convencer o índio de que o tratamento é importante." O modelo é exemplo para todo o país, e foi um dos vencedores da 1ª Mostra Nacional de Saúde Indígena, promovida pelo Ministério da Saúde.
Para ele, outro ponto importante é respeitar as tradições do indígena. "Se o paciente pede que o pajé realize alguma cerimônia espiritual antes de uma cirurgia, nós aceitamos, para que ele se sinta mais seguro", conta. O resultado foi uma queda drástica em indicadores como a mortalidade infantil. O índice chegava a 140 mortes para cada mil crianças que nasciam vivas, número semelhante ao de países em guerra, como o Afeganistão. Atualmente, o índice é de 40 mortes por mil nascidos, quase o dobro da média nacional, de 22. "O número ainda é alto, e mostra que ainda temos muito trabalho", conclui Silvio Ortiz.
Distrito Federal
No Distrito Federal a situação é um pouco diferente. Apesar de não possuir uma população indígena grande, Brasília é um dos principais centros de tratamento de casos de alta complexidade. Assim, diferentemente do que ocorre em Dourados, os pacientes tratados na capital federal vêm de lugares distantes para longas temporadas de cuidados médicos. A criação de um centro que hospedasse esses índios e desse suporte ao seu tratamento se tornou inevitável. Assim, surgiu a Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), que, desde 2008, recebe por mês de 80 a 100 pacientes e acompanhantes que serão atendidos na rede hospitalar do DF.
Os índios atendidos pela Casai são encaminhados por hospitais do Norte e Nordeste. Assistidos desde o momento de suas chegadas ao DF até a alta médica, eles têm disponíveis na casa serviços como educação para saúde, assistência farmacêutica e psicológica. Além disso, a equipe da casa trabalha para acelerar ao máximo a marcação de exames e consultas.
"Muitas vezes pais de família deixam de plantar as lavouras para vir acompanhar algum doente, o que pode causar falta de alimentos no retorno à tribo. Para minimizar situações como essa, tentamos abreviar ao máximo o tempo de estadia deles aqui", conta Elenir Coroaia, chefe da Casai.
Ana Paula Liduina, 78 anos, da tribo Xavante, do Mato Grosso, é uma das atendidas pela casa. Ela trata de um caso grave de artrite reumatoide no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Apesar de sentir saudades da tribo, ela gosta do ambiente da casa, e já faz amizades. "Só tenho filhos homens, por isso gostei dela", conta em um português simples, enquanto brinca com outra paciente, a pequena Elenilda, 8 meses, portadora de problemas cerebrais, e com quem divide o quarto na Casai.
"Os vírus foram introduzidos pelo contato com o homem urbano, e agora circulam livremente"
Douglas Rodrigues, coordenador do Ambulatório do Índio, no Hospital São Paulo
CB, 10/08/2009, Saúde, p. 17
Pesquisadores da Unifesp revelam como os índios brasileiros têm sofrido cada vez mais com doenças normalmente associadas aos homens brancos
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com tribos da reserva Xingu, em Mato Grosso, mostrou que doenças que normalmente não afetavam índios estão avançando assustadoramente sobre essas populações. Como a obesidade abdominal, presente em 76,4% das índias, e a pré-hipertensão, que atinge 50% dos homens pesquisados. Os dados revelam um problema crônico no país. Com costumes cada vez mais modificados e sem acesso a serviços básicos de saúde, os índios brasileiros estão sendo duramente atingidos pelo avanço urbano.
Segundo o médico Douglas Rodrigues, coordenador do Ambulatório do Índio, do Hospital São Paulo, na capital paulista, a propagação de males como a hipertensão, diabetes e doenças sexualmente transmissíveis é muito rápida entre os índios. "Quando eles viviam sem contato com o homem branco, a presença de alimentos era sazonal. Assim, seus organismos aprenderam a absorver e armazenar o máximo dos nutrientes, para os períodos de pouca fartura. Hoje, com a introdução de alimentos industrializados como sal, açúcar e óleos, não existe mais escassez", conta.
Como seus organismos não estão adaptados a essa nova dieta, o metabolismo dos índios acaba absorvendo mais do que o necessário de alimentos perigosos à saúde. "O que antes era um mecanismo de defesa acabou se tornando prejudicial", diz o médico. Barreiras culturais também agravam a situação. "Há alta incidência de DSTs entre esses pacientes. O que não se via há 20 anos. Os vírus foram introduzidos pelo contato com o homem urbano, e agora circulam livremente, já que o uso de preservativos não é uma prática comum entre eles" completa.
Diversidade
Desde 1999, a responsabilidade pela saúde indígena é da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). De acordo com o chefe do Departamento de Saúde Indígena do órgão, Walderley Guenca, a grande dificuldade para se tratar esses pacientes é a sua diversidade. "Não se trata de um índio só, são mais de 200 etnias diferentes e cada povo tem as suas especificidades, sua cultura, sua língua, sua religião, ainda mais em um país com as dimensões do Brasil", explica.
Outra dificuldade no tratamento é a falta de adaptação dos pacientes à cultura urbana. De acordo com Silvio Ortiz, "era muito comum o carro da Funasa deixar o índio na porta do hospital, e quando voltava pra buscá-lo, ele permanecia lá, sem atendimento. Na cultura dele, o médico é que deveria conduzi-lo ao consultório". Silvio coordena o programa de atendimento a indígenas do Hospital Universitário de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Lá, um surto de desnutrição em 2005 matou, em duas semanas, mais de 15 crianças das tribos Guaraní e Kaiuwá.
Foi a integração entre as equipes médicas e as lideranças indígenas que amenizou o problema dos índios de Dourados. "Agora, quando um paciente precisa ir ao hospital, nós o orientamos sobre como ele deve fazer, e em alguns casos acompanhamos ele no tratamento", conta Silvio. Ele também serve de intérprete entre o paciente e o médico. "O meu trabalho vai além de simplesmente traduzir. Preciso explicar e convencer o índio de que o tratamento é importante." O modelo é exemplo para todo o país, e foi um dos vencedores da 1ª Mostra Nacional de Saúde Indígena, promovida pelo Ministério da Saúde.
Para ele, outro ponto importante é respeitar as tradições do indígena. "Se o paciente pede que o pajé realize alguma cerimônia espiritual antes de uma cirurgia, nós aceitamos, para que ele se sinta mais seguro", conta. O resultado foi uma queda drástica em indicadores como a mortalidade infantil. O índice chegava a 140 mortes para cada mil crianças que nasciam vivas, número semelhante ao de países em guerra, como o Afeganistão. Atualmente, o índice é de 40 mortes por mil nascidos, quase o dobro da média nacional, de 22. "O número ainda é alto, e mostra que ainda temos muito trabalho", conclui Silvio Ortiz.
Distrito Federal
No Distrito Federal a situação é um pouco diferente. Apesar de não possuir uma população indígena grande, Brasília é um dos principais centros de tratamento de casos de alta complexidade. Assim, diferentemente do que ocorre em Dourados, os pacientes tratados na capital federal vêm de lugares distantes para longas temporadas de cuidados médicos. A criação de um centro que hospedasse esses índios e desse suporte ao seu tratamento se tornou inevitável. Assim, surgiu a Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), que, desde 2008, recebe por mês de 80 a 100 pacientes e acompanhantes que serão atendidos na rede hospitalar do DF.
Os índios atendidos pela Casai são encaminhados por hospitais do Norte e Nordeste. Assistidos desde o momento de suas chegadas ao DF até a alta médica, eles têm disponíveis na casa serviços como educação para saúde, assistência farmacêutica e psicológica. Além disso, a equipe da casa trabalha para acelerar ao máximo a marcação de exames e consultas.
"Muitas vezes pais de família deixam de plantar as lavouras para vir acompanhar algum doente, o que pode causar falta de alimentos no retorno à tribo. Para minimizar situações como essa, tentamos abreviar ao máximo o tempo de estadia deles aqui", conta Elenir Coroaia, chefe da Casai.
Ana Paula Liduina, 78 anos, da tribo Xavante, do Mato Grosso, é uma das atendidas pela casa. Ela trata de um caso grave de artrite reumatoide no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Apesar de sentir saudades da tribo, ela gosta do ambiente da casa, e já faz amizades. "Só tenho filhos homens, por isso gostei dela", conta em um português simples, enquanto brinca com outra paciente, a pequena Elenilda, 8 meses, portadora de problemas cerebrais, e com quem divide o quarto na Casai.
"Os vírus foram introduzidos pelo contato com o homem urbano, e agora circulam livremente"
Douglas Rodrigues, coordenador do Ambulatório do Índio, no Hospital São Paulo
CB, 10/08/2009, Saúde, p. 17
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