De Povos Indígenas no Brasil
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Imputabilidade penal

Por Ana Paula Caldeira Souto Maior, advogada do Programa de Política e Direito Socioambiental, do Instituto Socioambiental (ISA). Junho de 2011

Para saber se um indígena responderá pela prática de crime, se ele é imputável, é necessário averiguar se, de acordo com sua cultura, costume e tradição, ele entendia o caráter ilícito de determinada conduta considerada crime em lei. Não importa o grau de contato que o individuo pertencente a um povo indígena mantenha com a sociedade envolvente, mas sim determinar se na ocasião da conduta ele tinha entendimento de que ela era considerada ilícita, e portanto, passível de punição, fora da sua cultura, fora do seu direito consuetudinário.

Nem sempre foi esse o entendimento sobre a imputabilidade penal dos índios. Antes da Constituição de 1988, a imputabilidade penal dos indígenas era orientada pela menor ou maior integração à cultura dominante. Acreditava-se que os índios viviam um estágio transitório e que, mais cedo ou mais tarde, eles deixariam de ser índios. Dessa forma, o Código Civil de 1916, ao tratar da capacidade civil dos índios os considerava relativamente incapazes. Isto influenciou o tratamento dado à imputabilidade penal, regulada no Estatuto do Índio, de 1973, que considerou os índios isolados como inimputáveis e que os integrados à sociedade nacional deveriam ser tratados como qualquer cidadão não indígena.

Em 1988, a Constituição reconheceu aos índios o direito de manter a sua organização social e o direito de ser diferente, abrindo espaço para outro tratamento a respeito da capacidade civil e da responsabilidade criminal dos índios. O novo Código Civil, aprovado em 2002, retirou os indígenas das pessoas consideradas relativamente incapazes e estabeleceu que a capacidade dos índios será regulada em lei específica.

Assim, considera-se hoje, que punir um índio que comete um ato, em situação em que ele desconhece tratar-se de conduta tipificada como crime pela cultura dominante, equivaleria, penalizá-lo por ter uma cultura diferente. O juiz Eduardo Montealegre, juiz da Corte Constitucional da Colômbia,argumenta que se a lei protege a diversidade cultural não se pode obrigar quem não faz parte da cultura dominante a agir de acordo com ela, segundo citação contida no artigo “Índios e Imputabilidade Penal”, de Roberto Lemos dos Santos Filho.

Além da Constituição, a Convenção 169 da OIT, em vigor no Brasil desde 2003, também reconhece aos índios o direito de manter seus próprios costumes e instituições, inclusive de aplicar medidas punitivas. A Convenção estabelece para os Estados a obrigação de, ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados levar em devida consideração os costumes indígenas e o índios de compreender e se fazer compreendidos em processos legais. Em caso de condenação, o Estatuto do Índio (Lei no 6001/1973) estabelece a atenuação da pena, e que as penas de reclusão e de detenção deverão ser cumpridas em regime especial de semi-liberdade, na sede da FUNAI mais próxima da habitação do condenado.

Entretanto, na prática, o que acontece no Brasil é bem diferente. Atualmente, a quantidade precisa de índios de diversas etnias encarcerada nos estados do Brasil é ainda desconhecida, mas estima-se que o número seja bem maior do que se poderia imaginar. É o que demonstra a pesquisa “Criminalização e Situação Prisional de Índios no Brasil”, realizada pelo Ministerio Público Federal, em 2008. É de grande repercussão a grave situação de perseguição ao povo Guarani no estado do Mato Grosso do Sul. Em 2006, estudo coordenado pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) em parceria com a Universidade Dom Bosco, demonstrou a violação de direitos de índios detidos em unidades prisionais naquele estado. Mais recentemente as organizações indígenas tem denunciado a criminalização de lideranças indígenas, destacando-se os casos do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, no sul da Bahia.


Outras leituras

Para saber mais sobre o assunto, leia na íntegra o relatório sobre a Situação dos Detentos Indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul e o relatório elaborado pela Procuradoria Geral da República-PGR em parceria com a Associação Brasileira de Antropologia-ABA