De Povos Indígenas no Brasil

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Conhecendo o Centro Indígena de Formação

31/10/2011

Autor: João Oliveira Mota e Sebastião Pereira do Nascimento

Fonte: Folha de Boa Vista - http://www.folhabv.com.br



No final dos anos 40, com intuito de oportunizar a educação formal às crianças (índias e não índias) da região do Surumu, foi criada com auxílio de uma igreja evangélica a primeira escola primária na então vila Pereira, margem direita do rio Surumu. Todavia, apesar da boa intenção, a iniciativa teve duração efêmera, sendo logo transferida para a aldeia indígena do Contão, margem esquerda do rio Cotingo.

Para que as crianças do Surumu não ficassem desassistidas da obrigação escolar, a igreja católica, através dos missionários da Consolata, assume a continuidade de assistir as crianças indígenas e não indígenas da região, criando em 1949, na missão Surumu, uma escola/internato. Contudo, as crianças indígenas eram as que menos freqüentavam as salas de aulas; obviamente pela a interferência dos fazendeiros que concentravam esforços apenas na educação dos seus filhos. Essa atitude desconfortava a população indígena que se sentia discriminada, levando as lideranças indígenas a levantar os primeiros discursos sobre a criação de uma educação diferenciada, que pudesse oferecer aos jovens indígenas uma educação pautada nos seus valores histórico-culturais.

No passar do tempo essas discussões foram se fortalecendo, enquanto que a escola de Surumu passava por várias etapas (escola primária, orfanato, seminário, etc.), tendo na década de 60, funcionado como escola de formação de professores indígenas (1967-1977), com intuito de atender, com ensino primário, as comunidades indígenas da região. Esse processo foi importante tanto para consolidação da educação indígena atual como para a retomada dos seus territórios tradicionais.

No decorrer dos anos 80, intensificam-se as discussões das lideranças indígenas em cima da criação de um curso técnico profissionalizante em agropecuária na Missão Surumu, voltado para a realidade dos povos indígenas. Assim, em 1997, numa assembleia geral dos Tuxauas realizada na maloca do Bismarck, foi consolidada a criação da Escola de Formação Agropecuária de Surumu, sob a tutela da Diocese de Roraima, regido por um conselho diretivo indígena, tendo como principais diretrizes a qualificação técnica profissionalizante de jovens e a formação de lideranças indígenas.

Dentro desses objetivos, o centro passou desempenhar um importante papel como escola diferenciada e também como cenário para as articulações políticas das lideranças indígenas regionais. Ao mesmo tempo em que esses papéis eram desenvolvidos, a escola de Surumu fortalecia também sua prática pedagógica, sendo no início, o curso integral com duração de três anos, com base curricular centrada nas Leis de Diretrizes da Educação Básica do MEC, porém, adicionada aos valores tradicionais dos povos indígenas, centrados no lema: terra, identidade e autonomia

A partir de 2004, a Escola de Formação Agropecuária de Surumu, passou ser denominada de Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, passando também a modificar sua estrutura pedagógica; passou de três anos para quatro anos letivos e oferecer a modalidade técnica em gestão e manejo ambiental atrelado aos estudos de agropecuária, visando acrescentar na formação do jovem indígena, estratégias de gerenciamento e manejo ambiental, numa perspectiva de fortalecimento do uso sustentável dos recursos naturais. Além disso, também instituiu o sistema de alternância, no qual os alunos (de cada ano letivo) permanecem durante dois meses nas suas aldeias de origem, aprimorando e disseminando as experiências adquiridas no centro de formação. Durante esse período, os alunos são acompanhados por professores do referido centro, e no final dos dois meses retornam à escola e formação, trazendo um relatório das atividades desenvolvidas e a avaliação das lideranças da comunidade.

Considerando a importância para as comunidades indígenas e a sólida capacitação dos seus alunos, o CIFCRSS passa a ser reconhecido (em 2005) pelo Conselho Estadual de Educação e homologado (em 2006), como curso de ensino médio integrado na área de agronomia, pecuária, gestão e manejo ambiental. No mesmo ano a Diocese de Roraima passa a responsabilidade do centro para o Conselho Indígena de Roraima (CIR), ficando a estrutura administrativo-pedagógica constituída de quatro coordenadores e um secretário indígenas, além do corpo docente e pessoal de apoio. Os estudantes se organizam de modo similar às aldeias, onde os jovens de diferentes etnias (Wapixana, Macuxi, Ingaricó, Ye'kuana, Yanomami, Taurepang, Wai-Wai, etc.) convivem em regime de escola integral, cabendo a cada turma discente eleger entre si um aluno/tuxaua, que em conjunto, serão responsáveis pela organização dos trabalhos internos e os encaminhamentos coletivos.

Institucionalmente, o Centro de Formação está diretamente ligado à luta em defesa dos povos indígenas. Essa condição de destaque causou (e vem causando) diferentes preocupações em alguns setores da sociedade envolvente, provocando, inclusive, dois episódios de invasão ao Centro de Formação (2004 e 2005), por parte de grupos contrários a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Na última ação, o centro sofreu um fatídico incêndio, destruindo de forma total estruturas como biblioteca, refeitório, dormitórios, igreja, posto médico, etc., além do infortúnio ataque direto aos alunos e professores na calada da noite (ações essas até hoje impunes).

Contudo, o centro como um baluarte dos povos indígenas de Roraima, continua sendo um símbolo de resistência como evidenciado, em maio de 2008, no movimento "Terra Livre", com objetivo da reconquista da área indígena Raposa Serra do Sol. Na ocasião, dois alunos do referido centro foram baleados por jagunços contratados por fazendeiros da região. Estes fatos realçam o espírito de liderança e compromisso dos alunos do Centro Indígena de Formação, quanto seus papéis na vanguarda dos ideais indígenas.

Dessa forma, o CIFCRSS além de formar lideranças indígenas, tem também compromisso no processo de formação profissional dos jovens, os quais se empenham com vigor na busca de alternativas para o desenvolvimento das comunidades indígenas, sempre pautado numa produção sustentável (com respeito ao meio ambiente), no sentido de contribuir com a afirmação os povos indígenas nas suas terras tradicionais e consolidar a autonomia socioeconômica, considerando seus costumes, suas tradições e seus modos de organização social.


http://www.folhabv.com.br/noticia.php?id=118640
 

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