De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Número de indígenas despenca 37,7% no período de dez anos em Uberlândia
05/05/2013
Autor: Daniela Nogueira
Fonte: Correio de Uberlândia - http://www.correiodeuberlandia.com.br/
Em uma década, o número de indígenas em Uberlândia caiu 37,78%, de 1.551 para 965. O Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em 2000, apontou 1.551 índios na cidade, enquanto o levantamento de 2010, divulgado em abril deste ano, contabilizou 965 indígenas. Em Minas Gerais também houve redução dessa população: de 48.720 em 2000 para 31.601 em 2010, o que representa um decréscimo de 35,13%. Em todo o Brasil houve aumento do povo indígena em 11,9%.
De acordo com o antropólogo especialista em etnologia indígena, Rodrigo Barbosa Ribeiro, a redução dessa população em Uberlândia se deve à não declaração como indígena e à rotatividade. "É preciso muita coragem para as pessoas se autoidentificarem como indígena, porque elas são alvo de muito preconceito e muita violência. Outro fator é a migração. Boa parte dessa população que está em Uberlândia, hoje, não são os indígenas que habitavam o Triângulo Mineiro, são grupos migrantes que vieram para Uberlândia e em um determinado momento podem ter ido para outra região ou voltado para o local de origem", afirmou Ribeiro.
Para o pajé Henrique Gamarra, de 64 anos, que pertence à etnia Terena e veio de uma aldeia em Campo Grande (MS) há cerca de 20 anos para a região do Triângulo Mineiro e há 12 para Uberlândia, a vida na cidade é difícil. "Temos uma vida massacrada. Somos discriminados pela sociedade e pelos políticos. Não temos apoio para nada. Eles não querem saber da gente. Temos um projeto na UFU que dá oportunidade de trabalharmos dentro das escolas com palestras. Mas não temos a nossa terra para plantar alimentos e ervas medicinais", disse.
Gamarra vive, há um ano, no acampamento do Glória - área que pertence à Universidade Federal de Uberlândia (UFU) - em uma oca construída por ele e pela cacique Kaun Poti Guarani. A renda dele é proveniente da venda de medicamentos feitos por ele e de R$ 1,1 mil que recebe a cada três meses do projeto que desenvolve em parceria com a UFU. Mas não deixa de viver a cultura do seu povo. "Fazemos nossas orações, nossas danças, nossos cantos até para mostrar aos estudantes que nos visitam. É muito importante perpetuar a nossa cultura e não deixá-la morrer", afirmou o pajé.
Comerciante mantém vivas as tradições
Os indígenas que moram na cidade procuram viver a cultura do seu povo da maneira que é possível. Empreendedor nos setores comercial e cultural, Mac Suara Kadiwel, de 53 anos, das etnias Kadiwel por parte de pai e Terena do lado materno, saiu da sua aldeia na região do Pantanal mato-grossense para morar em Uberlândia, há 17 anos, e mantém viva a cultura do seu povo.
"Eu me isolo psicologicamente. Eu escuto os passarinhos. Vou nas áreas de pescaria. Procuro rios e vou meditar um pouco, que é a cultura do meu povo. E visito constantemente minha aldeia, porque os velhos tradicionais estão morrendo e eu tenho que pegar mais cultura deles, senão eu vou ficar perdido em um elo do tempo. Não vou aprender nada nem ensinar nada", afirmou Kadiwel.
Ele também fala fluentemente os idiomas mbaiá-guaicuru (Kadiwel) e chané terena (Terena) e tenta repassar seus conhecimentos para a filha de 17 anos. "Não pode deixar o seu DNA e sua cultura perdida. Eu quero fazer o inverso com ela. Levar da cidade para a aldeia para ela viver o que não viu na infância e adolescência. Estou ensinando os idiomas, a tradição, a pintura, o canto e a dança, para ela identificar quem é o pai, qual a sua cultura, os seus valores tradicionais e o seu território verdadeiro."
Falta de políticas públicas desmotiva autoidentificação
A falta de políticas públicas específicas para os indígenas também faz com que eles prefiram não se autoidentificar com índio, de acordo com o antropólogo especialista em etnologia indígena, Rodrigo Barbosa Ribeiro. Segundo ele, é preciso que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo federal criem mecanismos que amparem os indígenas que vivem na cidade. Em Uberlândia, por exemplo, dos 965 indígenas residentes no município, 956 estão no perímetro urbano e 8 na área rural, ou seja, 99,06% vivem na cidade.
"Um caso que presenciei em outra cidade, um indígena da etnia Guarani foi fazer inscrição em um programa para moradia popular e a pessoa que estava fazendo o cadastro disse que ele não poderia se inscrever por ser indígena. Disse que ele teria que pedir para a Funai. Esse é apenas um exemplo de como em alguns momentos falar que não é indígena permite o acesso aos serviços e à moradia", afirmou Ribeiro.
Segundo ele, também não existem políticas de saúde voltadas à população indígena. "Está sujeito a não ter acesso. Sujeito a ser olhado com olhar mais preconceituoso se ele afirma sua identidade num posto de saúde. As pessoas podem tratar com desdenho, com desprezo ou não dar prioridade."
"Não aconselho nenhum índio a deixar sua comunidade e se aventurar nas grandes ou pequenas metrópoles ou se desgrudar do seu rebanho. Os políticos falam pelos índios, mas não temos nenhum representante no governo. Tem representante da mulher, dos negros, dos empresários, dos latifundiários, dos agricultores, dos homossexuais, mas não tem nenhum índio", disse Mac Suara Kadiwel.
Miscigenação 'esconde' índios
Os processos de constituição das cidades brasileiras, no início do século 19, têm a presença indígena, mas é menos visível que a presença negra, principalmente porque se pensa o quilombo como uma formação da resistência dos negros e se esquece da presença indígena dentro desses quilombos, segundo o antropólogo especialista em etnologia indígena, Rodrigo Barbosa Ribeiro. Para ele, os indígenas utilizaram essa miscigenação para se esconder.
O pagé Henrique Gamarra e a cacique Kaun Poti Guarani vivem em ocas em um acampamento próximo a Uberlândia
"É uma estratégia para negar a indianidade ao longo das gerações. Ao nascer com o cabelo enrolado e a pele é mais ou menos do mesmo tom ou um pouco menos escura que a dos africanos, contrasta com a do europeu e é facilmente reconhecido como negro, tanto que no início do século 16, os índios eram chamados de negros da terra. Os índios sofriam e ainda sofrem mais preconceito e racismo do que os negros", afirmou Ribeiro.
A cacique Kaun Poti Guarani, de 64 anos, da etnia Guarani, que vivia em uma aldeia próximo a Sete Lagoas (MG) e veio para Uberlândia há cerca de 30 anos, já vivenciou vários atos de discriminação. Ela disse que os indígenas vivem com medo de serem mortos. "Botaram fogo na minha aldeia quando eu tinha 5 anos. Alguns escondem a origem indígena, a cultura e não passa de geração por medo de morrer. Alguns olham para a gente com repúdio ou com medo. Tem escola que a gente vai que os meninos choram achando que vamos matá-los. Na cabeça deles, nós somos selvagens."
Para o pajé Henrique Gamarra, a discriminação vem desde o nascimento. "Não podemos nos registrar com nome indígena. Temos uma carteirinha extra da Funai, que pode colocar o nome indígena, mas a gente é obrigado a ter o nome português na identidade, CPF e qualquer outro documento", disse.
Quem pode se declarar como indígena
Pelo Estatuto do Índio, de dezembro de 1973, existem dois critérios para se declarar indígena: ter origem e ascendência pré-colombiana ou pertencer a uma comunidade indígena. Pela legislação brasileira, qualquer descendente de índio pode se declarar como indígena.
"Sob esse critério de descendência genética, racial, biológica, quase 90% da população brasileira poderia se declarar indígena, já que a legislação brasileira não estabelece restrição de geração, como no caso da lei norte-america que restringe à ascendência apenas até a terceira geração", afirmou o antropólogo especialista em etnologia indígena, Rodrigo Barbosa Ribeiro.
http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/numero-de-indigenas-despenca-377-no-periodo-de-dez-anos-em-uberlandia/
De acordo com o antropólogo especialista em etnologia indígena, Rodrigo Barbosa Ribeiro, a redução dessa população em Uberlândia se deve à não declaração como indígena e à rotatividade. "É preciso muita coragem para as pessoas se autoidentificarem como indígena, porque elas são alvo de muito preconceito e muita violência. Outro fator é a migração. Boa parte dessa população que está em Uberlândia, hoje, não são os indígenas que habitavam o Triângulo Mineiro, são grupos migrantes que vieram para Uberlândia e em um determinado momento podem ter ido para outra região ou voltado para o local de origem", afirmou Ribeiro.
Para o pajé Henrique Gamarra, de 64 anos, que pertence à etnia Terena e veio de uma aldeia em Campo Grande (MS) há cerca de 20 anos para a região do Triângulo Mineiro e há 12 para Uberlândia, a vida na cidade é difícil. "Temos uma vida massacrada. Somos discriminados pela sociedade e pelos políticos. Não temos apoio para nada. Eles não querem saber da gente. Temos um projeto na UFU que dá oportunidade de trabalharmos dentro das escolas com palestras. Mas não temos a nossa terra para plantar alimentos e ervas medicinais", disse.
Gamarra vive, há um ano, no acampamento do Glória - área que pertence à Universidade Federal de Uberlândia (UFU) - em uma oca construída por ele e pela cacique Kaun Poti Guarani. A renda dele é proveniente da venda de medicamentos feitos por ele e de R$ 1,1 mil que recebe a cada três meses do projeto que desenvolve em parceria com a UFU. Mas não deixa de viver a cultura do seu povo. "Fazemos nossas orações, nossas danças, nossos cantos até para mostrar aos estudantes que nos visitam. É muito importante perpetuar a nossa cultura e não deixá-la morrer", afirmou o pajé.
Comerciante mantém vivas as tradições
Os indígenas que moram na cidade procuram viver a cultura do seu povo da maneira que é possível. Empreendedor nos setores comercial e cultural, Mac Suara Kadiwel, de 53 anos, das etnias Kadiwel por parte de pai e Terena do lado materno, saiu da sua aldeia na região do Pantanal mato-grossense para morar em Uberlândia, há 17 anos, e mantém viva a cultura do seu povo.
"Eu me isolo psicologicamente. Eu escuto os passarinhos. Vou nas áreas de pescaria. Procuro rios e vou meditar um pouco, que é a cultura do meu povo. E visito constantemente minha aldeia, porque os velhos tradicionais estão morrendo e eu tenho que pegar mais cultura deles, senão eu vou ficar perdido em um elo do tempo. Não vou aprender nada nem ensinar nada", afirmou Kadiwel.
Ele também fala fluentemente os idiomas mbaiá-guaicuru (Kadiwel) e chané terena (Terena) e tenta repassar seus conhecimentos para a filha de 17 anos. "Não pode deixar o seu DNA e sua cultura perdida. Eu quero fazer o inverso com ela. Levar da cidade para a aldeia para ela viver o que não viu na infância e adolescência. Estou ensinando os idiomas, a tradição, a pintura, o canto e a dança, para ela identificar quem é o pai, qual a sua cultura, os seus valores tradicionais e o seu território verdadeiro."
Falta de políticas públicas desmotiva autoidentificação
A falta de políticas públicas específicas para os indígenas também faz com que eles prefiram não se autoidentificar com índio, de acordo com o antropólogo especialista em etnologia indígena, Rodrigo Barbosa Ribeiro. Segundo ele, é preciso que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo federal criem mecanismos que amparem os indígenas que vivem na cidade. Em Uberlândia, por exemplo, dos 965 indígenas residentes no município, 956 estão no perímetro urbano e 8 na área rural, ou seja, 99,06% vivem na cidade.
"Um caso que presenciei em outra cidade, um indígena da etnia Guarani foi fazer inscrição em um programa para moradia popular e a pessoa que estava fazendo o cadastro disse que ele não poderia se inscrever por ser indígena. Disse que ele teria que pedir para a Funai. Esse é apenas um exemplo de como em alguns momentos falar que não é indígena permite o acesso aos serviços e à moradia", afirmou Ribeiro.
Segundo ele, também não existem políticas de saúde voltadas à população indígena. "Está sujeito a não ter acesso. Sujeito a ser olhado com olhar mais preconceituoso se ele afirma sua identidade num posto de saúde. As pessoas podem tratar com desdenho, com desprezo ou não dar prioridade."
"Não aconselho nenhum índio a deixar sua comunidade e se aventurar nas grandes ou pequenas metrópoles ou se desgrudar do seu rebanho. Os políticos falam pelos índios, mas não temos nenhum representante no governo. Tem representante da mulher, dos negros, dos empresários, dos latifundiários, dos agricultores, dos homossexuais, mas não tem nenhum índio", disse Mac Suara Kadiwel.
Miscigenação 'esconde' índios
Os processos de constituição das cidades brasileiras, no início do século 19, têm a presença indígena, mas é menos visível que a presença negra, principalmente porque se pensa o quilombo como uma formação da resistência dos negros e se esquece da presença indígena dentro desses quilombos, segundo o antropólogo especialista em etnologia indígena, Rodrigo Barbosa Ribeiro. Para ele, os indígenas utilizaram essa miscigenação para se esconder.
O pagé Henrique Gamarra e a cacique Kaun Poti Guarani vivem em ocas em um acampamento próximo a Uberlândia
"É uma estratégia para negar a indianidade ao longo das gerações. Ao nascer com o cabelo enrolado e a pele é mais ou menos do mesmo tom ou um pouco menos escura que a dos africanos, contrasta com a do europeu e é facilmente reconhecido como negro, tanto que no início do século 16, os índios eram chamados de negros da terra. Os índios sofriam e ainda sofrem mais preconceito e racismo do que os negros", afirmou Ribeiro.
A cacique Kaun Poti Guarani, de 64 anos, da etnia Guarani, que vivia em uma aldeia próximo a Sete Lagoas (MG) e veio para Uberlândia há cerca de 30 anos, já vivenciou vários atos de discriminação. Ela disse que os indígenas vivem com medo de serem mortos. "Botaram fogo na minha aldeia quando eu tinha 5 anos. Alguns escondem a origem indígena, a cultura e não passa de geração por medo de morrer. Alguns olham para a gente com repúdio ou com medo. Tem escola que a gente vai que os meninos choram achando que vamos matá-los. Na cabeça deles, nós somos selvagens."
Para o pajé Henrique Gamarra, a discriminação vem desde o nascimento. "Não podemos nos registrar com nome indígena. Temos uma carteirinha extra da Funai, que pode colocar o nome indígena, mas a gente é obrigado a ter o nome português na identidade, CPF e qualquer outro documento", disse.
Quem pode se declarar como indígena
Pelo Estatuto do Índio, de dezembro de 1973, existem dois critérios para se declarar indígena: ter origem e ascendência pré-colombiana ou pertencer a uma comunidade indígena. Pela legislação brasileira, qualquer descendente de índio pode se declarar como indígena.
"Sob esse critério de descendência genética, racial, biológica, quase 90% da população brasileira poderia se declarar indígena, já que a legislação brasileira não estabelece restrição de geração, como no caso da lei norte-america que restringe à ascendência apenas até a terceira geração", afirmou o antropólogo especialista em etnologia indígena, Rodrigo Barbosa Ribeiro.
http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/numero-de-indigenas-despenca-377-no-periodo-de-dez-anos-em-uberlandia/
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