De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Os cem anos de Heinz Forthmann
18/09/2015
Autor: LABAKI, Amir
Fonte: Valor Econômico, Eu & Fim de Semana, p.33
Os cem anos de Heinz Forthmann
Amir Labaki
Neste ano de marcantes efemérides cinematográficas, talvez nenhuma seja maior entre nós do que a celebração do centenário de nascimento do documentarista etnográfico Heinz Forthmann (1915-1978). Se você não o conhece, não se recrimine: a obra dele é mais conhecida nas universidades do que junto ao grande público, apesar de ter influenciado, para ficar apenas no campo do cinema ficcional, obras recentes como "Kuarup" (1989) de Ruy Guerra e "Xingu" (2011) de Cao Hamburger.
O 48o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro comemora neste sábado o centenário de Forthmann com o lançamento, pelo CTAv da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, de um obrigatório DVD de introdução à sua obra.
Encontram-se nele o belo documentário de média-metragem "Heinz Forthmann" (1990), de Marcos de Souza Mendes, e nada menos que três dos principais filmes do retratado: "Kuarup" (1962), "Jornada Kamayurá" (1966) e o póstumo "Rito Krahô" (1971-1993). O DVD inclui ainda como bônus entrevistas iluminadoras com Souza Mendes, professor da UnB que foi aluno de Forthmann naquela universidade e se tornou o maior especialista em sua produção.
Nascido em Hanover de pai alemão e mãe brasileira, Forthmann mudou-se com a família para o sul do Brasil em 1932.
Iniciou-se como ilustrador e fotógrafo em Porto Alegre, transferindo-se para o Rio em 1940. Depois de trabalhar em publicidade, teve o privilégio de ser treinado como cinegrafista por um dos grandes pioneiros do filme etnográfico brasileiro, Harald Schultz (1909-1966), do Serviço Nacional de Proteção ao Índio (SPI).
Forthmann ingressou em 1942 na equipe do SPI e, com o desligamento de Schultz três anos depois da equipe chefiada pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), se impôs logo como seu mais talentoso fotógrafo e cineasta.
Herdou assim o cetro do pioneiro colaborador nestas áreas de Rondon, o major Luiz Thomaz Reis (1878-1940), diretor do clássico "Ao Redor do Brasil" (1932).
Durante cerca de uma década e meia, Forthmann foi o olho da câmera do SPI. Seu primeiro curta, "Guido Marlière - Um Posto Indígena de Nacionalização", rodado com os crenaques de Minas Gerais, data de 1946. Quatro outros se sucederiam, até outro encontro transformador: Darcy Ribeiro (1922-1997).
O fotógrafo e cineasta e o antropólogo então iniciante conheceram-se em 1949. "Ele tinha muito mais experiência de índio do que eu", confessa Darcy no documentário de Souza Mendes. "Ele compreendia a grandeza de Rondon."
Entre 1949 e 1953, Forthmann e Darcy realizaram dois divisores de água no cinema etnográfico brasileiro: o média metragem "Os Índios Urubu", rodado no Maranhão em 1950, e o longa-metragem "Funeral Bororo", realizado no Mato Grosso. "Até então", lembra Darcy, "a tendência era filmar um filme de dia de festa, filmar o índio todo pintado, todo em plumas. Eu queria um filme diferente, um filme do dia a dia, o índio na vida diária dele. E nós selecionamos um casal".
Ponto para você que pensou em Robert Flaherty (1884-1951) e em "Nanook, o Esquimó" (1922). "Os Índios Urubu" não lança mão dos mesmos recursos de reencenação, mas assemelha-se na estrutura dramática centrada em torno de um pai, uma mãe e um filho da tribo urubu-caapor. Essa ênfase no cotidiano e na transferência de tradições acompanharia o essencial do cinema posterior de Forthmann, seja em projetos similares como "Jornada Kamayurá" (1966), que realizou para o Ince (Instituto Nacional de Cinema Educativo), ou mesmo em filmes etnográficos mais voltados para o registro de rituais, como a segunda colaboração com Darcy em "Funeral Bororo" ou seu esplendoroso "Kuarup" (1962), sobre o mais célebre cerimonial fúnebre indígena do Alto Xingu.
"É preciso preservar isso para preservar a indianidade original", frisa Darcy. No mesmo sentido, soma-se o depoimento também a Márcio de Souza Mendes do cacique Takumã Kamayurá, após ver pela primeira vez em filme sua própria imagem e de sua tribo, duas décadas após o registro - e constatar que os jovens da tribo não seguem mais àqueles rituais.
O cinema de Heinz Forthmann é essencial por este caráter de documento etnográfico mas não menos importante é sua dimensão estética. Seus filmes têm uma beleza plástica, uma elegância de enquadramentos, um sentido de ritmo dramático, um respeito ético pelo coletivo e pelo individual, com raros paralelos. Sim, é a antítese do que nossa história tem reservado aos primeiros brasileiros.
Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade Festival Internacional de Documentários.
E-mail: labaki@etudoverdade.com.br
Site do festival: www.etudoverdade.com.br
Valor Econômico, 18/09/2015, Eu & Fim de Semana, p. 33
http://www.valor.com.br/cultura/4229626/os-cem-anos-de-heinz-forthmann#
Amir Labaki
Neste ano de marcantes efemérides cinematográficas, talvez nenhuma seja maior entre nós do que a celebração do centenário de nascimento do documentarista etnográfico Heinz Forthmann (1915-1978). Se você não o conhece, não se recrimine: a obra dele é mais conhecida nas universidades do que junto ao grande público, apesar de ter influenciado, para ficar apenas no campo do cinema ficcional, obras recentes como "Kuarup" (1989) de Ruy Guerra e "Xingu" (2011) de Cao Hamburger.
O 48o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro comemora neste sábado o centenário de Forthmann com o lançamento, pelo CTAv da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, de um obrigatório DVD de introdução à sua obra.
Encontram-se nele o belo documentário de média-metragem "Heinz Forthmann" (1990), de Marcos de Souza Mendes, e nada menos que três dos principais filmes do retratado: "Kuarup" (1962), "Jornada Kamayurá" (1966) e o póstumo "Rito Krahô" (1971-1993). O DVD inclui ainda como bônus entrevistas iluminadoras com Souza Mendes, professor da UnB que foi aluno de Forthmann naquela universidade e se tornou o maior especialista em sua produção.
Nascido em Hanover de pai alemão e mãe brasileira, Forthmann mudou-se com a família para o sul do Brasil em 1932.
Iniciou-se como ilustrador e fotógrafo em Porto Alegre, transferindo-se para o Rio em 1940. Depois de trabalhar em publicidade, teve o privilégio de ser treinado como cinegrafista por um dos grandes pioneiros do filme etnográfico brasileiro, Harald Schultz (1909-1966), do Serviço Nacional de Proteção ao Índio (SPI).
Forthmann ingressou em 1942 na equipe do SPI e, com o desligamento de Schultz três anos depois da equipe chefiada pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), se impôs logo como seu mais talentoso fotógrafo e cineasta.
Herdou assim o cetro do pioneiro colaborador nestas áreas de Rondon, o major Luiz Thomaz Reis (1878-1940), diretor do clássico "Ao Redor do Brasil" (1932).
Durante cerca de uma década e meia, Forthmann foi o olho da câmera do SPI. Seu primeiro curta, "Guido Marlière - Um Posto Indígena de Nacionalização", rodado com os crenaques de Minas Gerais, data de 1946. Quatro outros se sucederiam, até outro encontro transformador: Darcy Ribeiro (1922-1997).
O fotógrafo e cineasta e o antropólogo então iniciante conheceram-se em 1949. "Ele tinha muito mais experiência de índio do que eu", confessa Darcy no documentário de Souza Mendes. "Ele compreendia a grandeza de Rondon."
Entre 1949 e 1953, Forthmann e Darcy realizaram dois divisores de água no cinema etnográfico brasileiro: o média metragem "Os Índios Urubu", rodado no Maranhão em 1950, e o longa-metragem "Funeral Bororo", realizado no Mato Grosso. "Até então", lembra Darcy, "a tendência era filmar um filme de dia de festa, filmar o índio todo pintado, todo em plumas. Eu queria um filme diferente, um filme do dia a dia, o índio na vida diária dele. E nós selecionamos um casal".
Ponto para você que pensou em Robert Flaherty (1884-1951) e em "Nanook, o Esquimó" (1922). "Os Índios Urubu" não lança mão dos mesmos recursos de reencenação, mas assemelha-se na estrutura dramática centrada em torno de um pai, uma mãe e um filho da tribo urubu-caapor. Essa ênfase no cotidiano e na transferência de tradições acompanharia o essencial do cinema posterior de Forthmann, seja em projetos similares como "Jornada Kamayurá" (1966), que realizou para o Ince (Instituto Nacional de Cinema Educativo), ou mesmo em filmes etnográficos mais voltados para o registro de rituais, como a segunda colaboração com Darcy em "Funeral Bororo" ou seu esplendoroso "Kuarup" (1962), sobre o mais célebre cerimonial fúnebre indígena do Alto Xingu.
"É preciso preservar isso para preservar a indianidade original", frisa Darcy. No mesmo sentido, soma-se o depoimento também a Márcio de Souza Mendes do cacique Takumã Kamayurá, após ver pela primeira vez em filme sua própria imagem e de sua tribo, duas décadas após o registro - e constatar que os jovens da tribo não seguem mais àqueles rituais.
O cinema de Heinz Forthmann é essencial por este caráter de documento etnográfico mas não menos importante é sua dimensão estética. Seus filmes têm uma beleza plástica, uma elegância de enquadramentos, um sentido de ritmo dramático, um respeito ético pelo coletivo e pelo individual, com raros paralelos. Sim, é a antítese do que nossa história tem reservado aos primeiros brasileiros.
Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade Festival Internacional de Documentários.
E-mail: labaki@etudoverdade.com.br
Site do festival: www.etudoverdade.com.br
Valor Econômico, 18/09/2015, Eu & Fim de Semana, p. 33
http://www.valor.com.br/cultura/4229626/os-cem-anos-de-heinz-forthmann#
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