De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Yaathe, a língua do misterioso mundo Fulni-ô - Especial Ano Internacional das Línguas Indígenas
26/04/2019
Fonte: Funai http://www.funai.gov.b
Nordeste brasileiro, palco histórico de grandes disputas desde a colonização. As consequências são incalculáveis. Para os povos indígenas, é possível mencionar a perda de espaço físico e político, dissolução de aspectos tradicionais e tentativa de apagamento identitário.
No município de Águas Belas-PE, um povo mantém-se firme na jornada pela própria existência. A tenacidade dos Fulni-ô, que se perpetua por séculos, de geração em geração, parece um mistério. Há quem creia na força do Toré, dança de intensa ligação com o sagrado, para explicá-la. Outros atribuem-na ao ritual secreto do Ouricuri, retiro espiritual de três meses em que os indígenas se mudam para uma aldeia de uso exclusivo do evento e se isolam em atividades restritas à comunidade. Mas há um relevante elemento que perpassa todas as tradicionais fontes da inabalável energia Fulni-ô: o Yaathe, considerada a única língua indígena do Nordeste brasileiro que se manteve viva e imponente na sua comunidade de fala (a definição não considera as línguas dos povos do Maranhão, devido à inclusão do Estado no território compreendido pela Amazônia Legal).
O Yaathe enfrentou pelo menos 500 anos de repressão, tendo sido até mesmo proibido durante a década de 20. A língua, além de sagrada, é também considerada entre os Fulni-ô como instrumento ou arma de proteção contra as opressões que sofreram por séculos, já que era uma maneira de não serem entendidos pelos não-índios. Por isso, o ensino da língua, assim como as informações sobre o Ouricuri, são terminantemente proibidos às pessoas de fora da comunidade.
A doutora em linguística, Fábia Fulni-ô, revela que o hermetismo cultural tem alto grau de contribuição para vitalidade da língua. "O segredo sobre a cultura, principalmente a religião, faz toda a diferença. Se a língua é essencial para a manutenção das tradições como um segredo sagrado, elas garantem seu uso e consequente manutenção. O que se quer dizer é que o Yaathe é necessário à comunidade Fulni-ô, diferentemente de outros povos que usam a língua para se comunicar apenas e, para essa função, qualquer uma serve, o que facilita a substituição da língua herdada dos ancestrais pela da cultura dominante", declara a linguista.
Hoje, para os Fulni-ô, o Yaathe é um tesouro identitário e motivo de grande orgulho. Mas foi o elevado grau de contato dos Fulni-ô com a sociedade envolvente, no município de Águas Belas, e preconceito sofrido também pela língua, que levou a comunidade à situação de bilinguismo. De acordo com Fábia, nas décadas de 70 e 80 muitos comentários se ouviam entre os Fulni-ô de que não valia a pena ensinar a língua aos filhos. Mas os esforços de professores e anciãos que, com muito respeito, prezam pela manutenção das tradições e do Yaathe, fizeram com que a comunidade passasse por uma espécie de renascimento cultural.
Na Terra Indígena Fulni-ô, as crianças têm acesso ao Yaathe pelo contato com os familiares. Mas é na escola que se dá o aprendizado sistematizado da língua. A inclusão do estudo do Yaathe na matriz curricular de ensino e oficialização do seu uso na escola, em 2010, é resultado da árdua luta dos professores da aldeia e do então cacique João de Pontes.
A língua é apreendida não só dentro da sala de aula, mas no aprendizado dos cantos tradicionais ensinados na escola e praticados na comunidade. Dessa forma, as crianças internalizam o Yaathe a partir do uso funcional.
Os cantos também são usados no aprendizado da escrita. De acordo com Fábia Fulni-ô, apesar de a língua ter sido registrada e estudada por antropólogos desde a década de 30, aproximadamente, apenas a partir da década de 90 a escrita passou a ser introduzida. "Mesmo com algumas tentativas de padronização, ainda se escreve muito foneticamente. É usada na escola, mas falta um instrumento de sistematização, como dicionário e materiais didáticos sistemáticos", ressalta.
Cinema: uma ferramenta inesperada
Atualmente, muitos são os instrumentos que corroboram para a manutenção do Yaathé entre os Fulni-ô: cantos, festas, a imersão no período do Ouricuri, ninhos de língua e até mesmo uma rádio comunitária toda apresentada na língua. Mas uma ferramenta de peso, inserida entre o povo há 8 anos, cada vez mais se destaca: o cinema.
A ideia surgiu em 2011, quando três professores de Yaathe na aldeia começaram a se mobilizar para fazer registros audiovisuais da cultura. A partir daí, deu-se início ao Coletivo Fulni-ô de Cinema.
A entidade fundada por Elvis Ferreira de Sá, também conhecido como Hugo Fulni-ô, Expedito Lino Torres e José Rogaciano Barbosa hoje tem papel fundamental na manutenção do Yaathe. Todas as seis produções que fazem parte da obra do Coletivo são narradas na língua.
Em parceria com o projeto Vídeo nas Aldeias (VNA), do cineasta Vincent Carelli, a comunidade formou seis indígenas e produziu o primeiro documentário, Yoonahle: a palavra dos Fulni-ô. No filme, anciãos contam a história do povo, incluindo aspectos sociais, ritualísticos e da medicina tradicional, tudo na língua materna.
"Motivamos muitas pessoas a participarem ativamente do nosso primeiro trabalho, havia muitos saberes do povo a serem registrados. Na primeira exibição de Yoonahle na comunidade tivemos casa cheia, todo mundo quis assistir ao filme. O povo Fulni-ô ficou em festa nessa época. Isso também deu visibilidade interna e externa para outras pessoas e outros parentes conhecerem a etnia. Dentro de nosso povo, mais velhos e membros da comunidade quiseram participar, visto que outros já tinham sidos filmados e impulsionaram mais pessoas", conta Hugo Fulni-ô, um dos fundadores do Coletivo.
Além de cineasta e mestre em linguística, Hugo é apaixonado pelas histórias dos anciãos, tendo produzido recentemente, em parceria com outros linguistas, o livro Fulni-ô Sato Saathatise (A Fala dos Fulni-ô), obra trilíngue (Yaathe, Português e Inglês) com os contos dos anciãos, e, em 2013, o filme Ihiato: narrativas dos anciãos Fulni-ô. "Como os velhos são o esteio de nossa cultura, procuramos, a cada trabalho, registrar seus conhecimentos falados no idioma, fortalecer e revitalizar a nossa língua nesse sistema e dar oportunidade de outras formas de aprendizado às novas gerações", explica Hugo.
Atualmente, as obras do Coletivo, também traduzidas para o Português, servem como suporte didático para o aprendizado do Yaathe nas escolas. "O contato frequente com os não-índios nos leva a procurar, constantemente, possibilidades de assegurar nosso patrimônio cultural para ser repassado como forma de ensino às nossas crianças e jovens, daí o investimento no seguimento audiovisual", completa o cineasta que finaliza a entrevista com uma declaração na língua materna: "Yaathe Efenkya Kanã Ya Dotkake. A nossa língua ainda vive em nosso convívio."
Apesar das dificuldades enfrentadas devido ao reduzido número de equipamentos e a falta de um espaço próprio para funcionamento, o Coletivo também tem forte papel de mobilização da comunidade rumo à proteção das tradições e direitos não só dos Fulni-ô, mas dos povos indígenas em geral. Atua desde à capacitação dos indígenas para o trabalho com audiovisual, à organização de eventos de valorização da cultura e do cinema Fulni-ô, como a anual Festa na Aldeia e o FestCine de Águas Belas, que ocorre até o próximo dia 29 de abril, onde será lançado o novo filme do Coletivo: O Desafio Fulni-ô.
Kézia Abiorana
Assessoria de Comunicação/Funai
Lista de Filmes do Coletivo Fulni-ô de Cinema
Yoonahle: a palavra dos Fulni-ô (2013)
IHIATO: narrativas dos anciões Fulni-ô (2016)
Tedyasese: superamos os tempos (2016)
Fea Tothdoa: Terra Seca (2018)
Owa Yatxtxo 1 (2015)
Owa Yatxtxo 2 (2017)
Mais sobre a cultura Fulni-ô e o Coletivo de Cinema
http://panoramacultural.com.br/panoramafilmes
https://www.facebook.com/L%C3%ADngua-Materna-Fulni-%C3%B4-1824013874316841/
http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/5375-yaathe-o-misterioso-mundo-fulni-o-especial-ano-internacional-das-linguas-indigenas?start=1#
No município de Águas Belas-PE, um povo mantém-se firme na jornada pela própria existência. A tenacidade dos Fulni-ô, que se perpetua por séculos, de geração em geração, parece um mistério. Há quem creia na força do Toré, dança de intensa ligação com o sagrado, para explicá-la. Outros atribuem-na ao ritual secreto do Ouricuri, retiro espiritual de três meses em que os indígenas se mudam para uma aldeia de uso exclusivo do evento e se isolam em atividades restritas à comunidade. Mas há um relevante elemento que perpassa todas as tradicionais fontes da inabalável energia Fulni-ô: o Yaathe, considerada a única língua indígena do Nordeste brasileiro que se manteve viva e imponente na sua comunidade de fala (a definição não considera as línguas dos povos do Maranhão, devido à inclusão do Estado no território compreendido pela Amazônia Legal).
O Yaathe enfrentou pelo menos 500 anos de repressão, tendo sido até mesmo proibido durante a década de 20. A língua, além de sagrada, é também considerada entre os Fulni-ô como instrumento ou arma de proteção contra as opressões que sofreram por séculos, já que era uma maneira de não serem entendidos pelos não-índios. Por isso, o ensino da língua, assim como as informações sobre o Ouricuri, são terminantemente proibidos às pessoas de fora da comunidade.
A doutora em linguística, Fábia Fulni-ô, revela que o hermetismo cultural tem alto grau de contribuição para vitalidade da língua. "O segredo sobre a cultura, principalmente a religião, faz toda a diferença. Se a língua é essencial para a manutenção das tradições como um segredo sagrado, elas garantem seu uso e consequente manutenção. O que se quer dizer é que o Yaathe é necessário à comunidade Fulni-ô, diferentemente de outros povos que usam a língua para se comunicar apenas e, para essa função, qualquer uma serve, o que facilita a substituição da língua herdada dos ancestrais pela da cultura dominante", declara a linguista.
Hoje, para os Fulni-ô, o Yaathe é um tesouro identitário e motivo de grande orgulho. Mas foi o elevado grau de contato dos Fulni-ô com a sociedade envolvente, no município de Águas Belas, e preconceito sofrido também pela língua, que levou a comunidade à situação de bilinguismo. De acordo com Fábia, nas décadas de 70 e 80 muitos comentários se ouviam entre os Fulni-ô de que não valia a pena ensinar a língua aos filhos. Mas os esforços de professores e anciãos que, com muito respeito, prezam pela manutenção das tradições e do Yaathe, fizeram com que a comunidade passasse por uma espécie de renascimento cultural.
Na Terra Indígena Fulni-ô, as crianças têm acesso ao Yaathe pelo contato com os familiares. Mas é na escola que se dá o aprendizado sistematizado da língua. A inclusão do estudo do Yaathe na matriz curricular de ensino e oficialização do seu uso na escola, em 2010, é resultado da árdua luta dos professores da aldeia e do então cacique João de Pontes.
A língua é apreendida não só dentro da sala de aula, mas no aprendizado dos cantos tradicionais ensinados na escola e praticados na comunidade. Dessa forma, as crianças internalizam o Yaathe a partir do uso funcional.
Os cantos também são usados no aprendizado da escrita. De acordo com Fábia Fulni-ô, apesar de a língua ter sido registrada e estudada por antropólogos desde a década de 30, aproximadamente, apenas a partir da década de 90 a escrita passou a ser introduzida. "Mesmo com algumas tentativas de padronização, ainda se escreve muito foneticamente. É usada na escola, mas falta um instrumento de sistematização, como dicionário e materiais didáticos sistemáticos", ressalta.
Cinema: uma ferramenta inesperada
Atualmente, muitos são os instrumentos que corroboram para a manutenção do Yaathé entre os Fulni-ô: cantos, festas, a imersão no período do Ouricuri, ninhos de língua e até mesmo uma rádio comunitária toda apresentada na língua. Mas uma ferramenta de peso, inserida entre o povo há 8 anos, cada vez mais se destaca: o cinema.
A ideia surgiu em 2011, quando três professores de Yaathe na aldeia começaram a se mobilizar para fazer registros audiovisuais da cultura. A partir daí, deu-se início ao Coletivo Fulni-ô de Cinema.
A entidade fundada por Elvis Ferreira de Sá, também conhecido como Hugo Fulni-ô, Expedito Lino Torres e José Rogaciano Barbosa hoje tem papel fundamental na manutenção do Yaathe. Todas as seis produções que fazem parte da obra do Coletivo são narradas na língua.
Em parceria com o projeto Vídeo nas Aldeias (VNA), do cineasta Vincent Carelli, a comunidade formou seis indígenas e produziu o primeiro documentário, Yoonahle: a palavra dos Fulni-ô. No filme, anciãos contam a história do povo, incluindo aspectos sociais, ritualísticos e da medicina tradicional, tudo na língua materna.
"Motivamos muitas pessoas a participarem ativamente do nosso primeiro trabalho, havia muitos saberes do povo a serem registrados. Na primeira exibição de Yoonahle na comunidade tivemos casa cheia, todo mundo quis assistir ao filme. O povo Fulni-ô ficou em festa nessa época. Isso também deu visibilidade interna e externa para outras pessoas e outros parentes conhecerem a etnia. Dentro de nosso povo, mais velhos e membros da comunidade quiseram participar, visto que outros já tinham sidos filmados e impulsionaram mais pessoas", conta Hugo Fulni-ô, um dos fundadores do Coletivo.
Além de cineasta e mestre em linguística, Hugo é apaixonado pelas histórias dos anciãos, tendo produzido recentemente, em parceria com outros linguistas, o livro Fulni-ô Sato Saathatise (A Fala dos Fulni-ô), obra trilíngue (Yaathe, Português e Inglês) com os contos dos anciãos, e, em 2013, o filme Ihiato: narrativas dos anciãos Fulni-ô. "Como os velhos são o esteio de nossa cultura, procuramos, a cada trabalho, registrar seus conhecimentos falados no idioma, fortalecer e revitalizar a nossa língua nesse sistema e dar oportunidade de outras formas de aprendizado às novas gerações", explica Hugo.
Atualmente, as obras do Coletivo, também traduzidas para o Português, servem como suporte didático para o aprendizado do Yaathe nas escolas. "O contato frequente com os não-índios nos leva a procurar, constantemente, possibilidades de assegurar nosso patrimônio cultural para ser repassado como forma de ensino às nossas crianças e jovens, daí o investimento no seguimento audiovisual", completa o cineasta que finaliza a entrevista com uma declaração na língua materna: "Yaathe Efenkya Kanã Ya Dotkake. A nossa língua ainda vive em nosso convívio."
Apesar das dificuldades enfrentadas devido ao reduzido número de equipamentos e a falta de um espaço próprio para funcionamento, o Coletivo também tem forte papel de mobilização da comunidade rumo à proteção das tradições e direitos não só dos Fulni-ô, mas dos povos indígenas em geral. Atua desde à capacitação dos indígenas para o trabalho com audiovisual, à organização de eventos de valorização da cultura e do cinema Fulni-ô, como a anual Festa na Aldeia e o FestCine de Águas Belas, que ocorre até o próximo dia 29 de abril, onde será lançado o novo filme do Coletivo: O Desafio Fulni-ô.
Kézia Abiorana
Assessoria de Comunicação/Funai
Lista de Filmes do Coletivo Fulni-ô de Cinema
Yoonahle: a palavra dos Fulni-ô (2013)
IHIATO: narrativas dos anciões Fulni-ô (2016)
Tedyasese: superamos os tempos (2016)
Fea Tothdoa: Terra Seca (2018)
Owa Yatxtxo 1 (2015)
Owa Yatxtxo 2 (2017)
Mais sobre a cultura Fulni-ô e o Coletivo de Cinema
http://panoramacultural.com.br/panoramafilmes
https://www.facebook.com/L%C3%ADngua-Materna-Fulni-%C3%B4-1824013874316841/
http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/5375-yaathe-o-misterioso-mundo-fulni-o-especial-ano-internacional-das-linguas-indigenas?start=1#
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