De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Notícias

Yanomami sob ataque: garimpo é vetor de abusos e destruição

14/04/2022

Autor: GAMA, Mara

Fonte: UOL/Ecoa - https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/mara-gama/2022/04/14



Yanomami sob ataque: garimpo é vetor de abusos e destruição

Mara Gama
14/04/2022

No dia 25 de maio, a Terra Indígena Yanomami (TIY) completa 30 anos de demarcação, com um cenário desolador. "O pior momento de invasão" em toda a história, segundo um novo relatório da Hutukara Associação Yanomami (Hay), com desmatamento, destruição ambiental, violências de vários tipos contra os indígenas, disseminação de doenças, tomada de unidades de saúde e contaminação das águas. Só de 2020 para 2021, o garimpo ilegal avançou 46% na área.

"O garimpo ilegal não é um problema sem solução, mas o resultado lógico de decisões que favorecem a expropriação de recursos naturais, sempre em prejuízo dos direitos dos povos indígenas do país", aponta o relatório.

A TIY é a maior reserva do país. Tem cerca de 10 milhões de hectares nos Estados de Roraima e Amazonas. A população total é de cerca de 29 mil indígenas, com 371 comunidades incluindo os Yanomami e os Ye'kwana e seis tribos isoladas: da Serra da Estrutura, do Amajari, do Auaris/Fronteira, do Baixo Rio Cauaburis, do Parawa u, do Surucucu/Kataroa.

Com imagens aéreas, mapas, séries de dados, análises específicas regionais e relatos dramáticos, "Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo" documenta mais um capítulo cruel de uma guerra pulverizada e constante contra as populações indígenas, guerra em que não faltam episódios de abuso sexual. Está tudo lá. É um trabalho de fôlego, com riqueza de detalhes, que deveria ser analisado por todos os órgãos responsáveis e pelos candidatos às eleições.

O relatório do Hya documenta a aceleração drástica da mancha destruída desde 2016: a área de garimpo cresceu mais de 30 vezes em 5 anos (mais de 3.000%), segundo dados do Mapbiomas. Só de outubro de 2018 para dezembro de 2021, a área total destruída pelo garimpo na TIY passou de cerca de 1.200 hectares para 3.272 hectares. Segundo o relatório, 56% da população total da TIY é afetada diretamente pela atividade: 273 comunidades, com 16 mil indígenas.

"O garimpo é uma atividade financiada por empresários com alta capacidade de investimento e que concentram a maior parte da riqueza extraída ilegalmente da floresta yanomami", diz o relatório.

O garimpo de ouro e cassiterita desmatou, poluiu os rios, impulsionou aumento de malária e outras doenças contagiosas e foi responsável por um aumento de violência contra os indígenas. "A qualidade de vida no estado teve perdas consideráveis no que se reflete no seu Índice de Progresso Social e nos indicadores de criminalidade regional", diz o texto. O aumento de circulação de garimpeiros armados nas diferentes regiões da TIY tem impedido o atendimento à saúde, com abandono de postos de saúde, e a ocupação das pistas comunitárias para a operação e abastecimento do garimpo.

Dois fatores externos ao garimpo concorrem para a expansão da atividade na TIY, segundo o relatório: o aumento do preço do ouro no mercado internacional e o agravamento da crise econômica e do desemprego no Brasil.

Entre as demais causas, mais circunscritas e evitáveis, estão "falhas regulatórias que permitem fraudes na declaração de origem do metal extraído ilegalmente", numa cadeia produtiva que não tem transparência. Além disso, houve uma "fragilização das políticas ambientais e de proteção a direitos dos povos indígenas e da fiscalização da atividade ilícita nas TIs".

Como exemplo das falhas regulatórias, o relatório lembra que, no primeiro semestre de 2019, o Estado de Roraima, mesmo sem possuir nenhuma lavra autorizada, exportou para a Índia R$ 48,7 milhões em ouro. Isso foi possível porque é muito fácil "esquentar" o ouro de lavra ilegal.

O ouro extraído nos garimpos deveria ser vendido apenas às compradoras autorizadas pelo Banco Central, em postos de compra (PCOs) junto aos garimpos permitidos. O ouro chega ali em estado bruto e deve ser mandado a uma fundidora que padroniza o metal para ser comercializado. Mas, como explica o relatório, a legislação atual estabeleceu que, no momento da compra, nesses postos, é considerada uma autodeclaração do portador como garantia de que o ouro foi extraído de uma lavra garimpeira autorizada, permitindo fraude.

Além dessas facilidades, o relatório também aponta que o aumento do garimpo se deve a uma modernização do mundo do crime através de "inovações que permitem agilidade na comunicação e movimentação dos garimpeiros ilegais". E, por fim, "o incentivo que o atual governo dá ao garimpo, criando expectativa de regularização da prática" que é ilegal.

O relatório diz que a situação atual poderia ser evitada com políticas públicas que respeitassem plenamente princípios constitucionais de garantia e proteção de direitos fundamentais e sugere "um conjunto de ações" que exigem "vontade política para garantir uma atuação eficiente e coordenada do Estado e a articulação entre os órgãos e agentes responsáveis".

A retomada das Bases de Proteção Etnoambientais em locais estratégicos e uma estratégia de Proteção Territorial consistente, capaz de deflagrar operações regulares de desmantelamento dos focos de garimpo, são fundamentais, segundo o texto, bem como a participação dos Yanomami no sistema de vigilância.

Ao mesmo tempo, deveriam ser deflagradas operações repressão à atividade ilegal, com a inutilização de pistas de pouso clandestinas e apreensão de aviões, reocupação dos postos de saúde e pistas de voo comunitárias e a destruição do maquinário utilizado na extração de ouro com o objetivo de impedir a rápida retomada da exploração.

O relatório também aponta a necessidade de fiscalização permanente de aeródromos privados dos arredores da TI Yanomami "que funcionam como centros de distribuição logística do garimpo ilegal".

Para coibir a circulação do ouro obtido de forma ilegal, o relatório cita documento do Instituto Escolhas com ações como a implantação de um sistema de rastreabilidade de origem e conformidade ambiental e social da produção e do comércio de ouro, a extinção do regime de Permissão de Lavra Garimpeira; e a revogação da Lei 12.844/2013, que trata do transporte e da comercialização de ouro dos garimpos, e que facilita a lavagem.

O documento também aponta a necessidade da retomada de projetos que ofereçam alternativa de renda para as comunidades indígenas vizinhas às áreas de garimpo, como manejo do cacau nativo, a comercialização de chocolates e o ecoturismo no Pico da Neblina.

https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/mara-gama/2022/04/14/yanomami-sob-ataque-garimpo-e-vetor-de-abusos-e-destruicao.htm
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.