De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Davi Kopenawa leva povo Yanomami a desfile de Carnaval e última peça de Zé Celso
31/05/2023
Fonte: Valor Econômico - https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/05/31
Davi Kopenawa leva povo Yanomami a desfile de Carnaval e última peça de Zé Celso
Já considerado um clássico literário, livro "A queda do céu" é resultado de 12 anos de conversas entre líder indígena e antropólogo
Por Helena Celestino - para o Valor, do Rio e São Paulo 31/05/2023
O xamã Davi Kopenawa, líder do povo Yanomami, é o primeiro indígena a participar da criação de um enredo para escolas de samba do Rio. "A queda do céu", livro assinado por ele e o antropólogo Bruce Albert, é a inspiração maior para o desfile do Salgueiro no Carnaval de 2024. Em novembro do ano passado, o tema já estava escolhido, decisão tomada diante das mortes e destruição causadas pela invasão dos garimpeiros na Amazônia. Em março, a cultura indígena tomou conta de coração e mente do carnavalesco Edson Pereira e do enredista Igor Ricardo para agora adentrar o galpão da escola na Cidade do Samba.
Nas paredes do amplo salão onde trabalha o carnavalesco, já estão colados desenhos das fantasias das alas e dos carros alegóricos, ambos adaptados das imagens e descrições do livro de Kopenawa. Ao lado de Pereira, perfilam-se penas coloridas, fabricadas com material biodegradável, a serem usadas nos adereços - em tempo de levante indígena, nem pensar em tratar do tema sem levar em conta a sustentabilidade ambiental.
"Entendemos que, para falar de um povo tão particular e tão desconhecido como os yanomamis, precisávamos tê-los do nosso lado para se sentirem representados. Li todos os livros do Davi e fomos até o Moreira Salles [IMS] para encontrá-lo e ouvi-lo. Foi impactante", rememora Pereira.
Kopenawa assina como colaborador a sinopse do enredo, uma espécie de roteiro poético para orientar músicos na criação do samba e componentes da escola na maneira de contar a história. Mas o xamã precisou ser convencido de que a proposta levada pelos "brancos" - chamados por ele de povo da mercadoria - não era mais uma tentativa de apropriação indevida da cultura indígena.
"Somos massacrados há 523 anos. Estamos aqui nesse lugar brilhoso, de paredes de vidro, e essas paredes de vidro custaram as nossas vidas. O colar de ouro que vocês estão usando é bonito para vocês, mas o ouro para gente significa a morte", disse o xamã ao povo do samba, no encontro na avenida Paulista. "Deu uma culpa", comenta Pereira.
Porta-voz dos yanomanis, xamã e escritor, Kopenawa é uma voz forte do levante indígena, movimento de afirmação da cultura dos povos originários. A chegada dele ao mundo do samba é visto como sinal de mudança no olhar colonizador dos brancos sobre os indígenas, folclorizados nos blocos carnavalescos ou catalogados como artistas primitivos em museus e centros culturais.
Ao autografar o exemplar do seu livro levado pelo enredista, Kopenawa desejou que ele fosse uma "flecha para tocar o coração da sociedade não indígena". Ao se convencer de que os visitantes eram aliados na sua luta pela proteção da floresta e da vida dos yanomamis, o xamã passou a acompanhar linha a linha, passo a passo a concepção do desfile do Salgueiro.
"O Davi prometeu comparecer à escolha do samba-enredo, mas talvez não consigamos trazê-lo para confeccionar o Carnaval, não faz parte da cultura deles. No desfile quero muito que estejam presentes", diz Pereira.
Também participam desse trabalho de consultoria o Instituto Socioambiental, com sede próxima à aldeia do xamã, e Thiago Nogueira, curador do IMS e da exposição fotográfica "A Luta Yanomami", mostra que já esteve em São Paulo e Paris e agora no México com a participação de Kopenawa.
"Vamos contar a história como eles contam, vamos levar a voz dos yanomamis para a avenida. Deles, a gente conhece só a tragédia, e eles têm uma cultura riquíssima. Preservar seu modo de vida, a floresta, a caça, pesca, a pintura corporal é a forma de resistência deles", diz Ricardo, autor do texto da sinopse.
"Hutukara" é o título do enredo do Salgueiro e é também como os xamãs chamam o antigo céu que caiu no tempo das origens, formando a atual terra-floresta. A primeira ala a entrar na avenida apresentará este paraíso vivo e convocará os xapires para segurar o céu - na cosmogonia yanomami, a queda do céu é o fim do mundo.
A beleza dos mitos yanomamis mistura-se com os horrores vividos no encontro com os primeiros brancos, abrindo clareiras que depois viraram a Perimetral Norte, construída na época da ditadura. Um carro alegórico simbolizará este momento: puxado por um trator destruindo a floresta, ele carrega tocos de árvores cortadas e cobertas de vermelho sangue, figuras de indígenas desidratados e várias caveiras representando os mortos pela violência ou as doenças trazidas pelos invasores. O encerramento do desfile é um lamento, um clamor por liberdade e um protesto dos yanomamis unidos a cinco outros povos originários, todos enfrentando invasões e, juntos, defendendo o direito dos indígenas à terra e à vida.
"É um enredo para mostrar como é importante entender que esse povo é nossa origem, é o que temos de mais precioso e importante nas nossas vidas", diz Pereira.
"A queda do céu" também povoa as conversas no Teatro Oficina, nas quais palavras como xapiri, shawara e yakoana entraram para o vocabulário do consagrado diretor e autor de teatro José Celso Martinez Corrêa e do ator Roderick Himeros, os dois inteiramente envolvidos na adaptação do livro para o teatro.
Aos 86 anos, Zé Celso prepara-se para levar ao palco ainda neste ano uma visão completamente nova dos indígenas e da cultura quase desconhecida da nação Yanomami. "Para mim que sou neto de uma avó indígena é totalmente revigorante e reestruturante este projeto", diz, no escritório de seu apartamento no Paraíso, em São Paulo, ao lado de um exemplar do livro de Kopenawa já velhinho de tanto ser usado. Alegra-se ao saber que o Salgueiro também mostrará a cultura yanomami e combina com Himeros de entrar logo em contato com o carnavalesco carioca.
"A cultura indígena está dando um baile na cultura branca, amarela, todas elas. No que a gente botar isso pra fora, estaremos mexendo profundamente na cultura brasileira."
O trabalho de adaptação de "A queda do céu" começou em fevereiro, com Zé Celso e Himeros dedicando-se diariamente a resumir o texto e criar uma versão teatral de cada um dos 24 capítulos, mais um longo post scriptum distribuído pelas 728 páginas do livro. "Botamos tudo no tempo presente, livro é narrativa, teatro é ação, diálogos, música", define.
Essa fase terminou, e agora ele está refinando a dramaturgia enquanto Himeros leva ao palco do Sesc Pompeia as primeiras leituras dramatizadas do texto de Kopenawa e inicia o imenso trabalho de produção do espetáculo.
"Está ficando bonito. É um texto poético, político e abrangente. É uma cultura completamente diferente da nossa. A gente vê claramente que eles não são brasileiros, eles são yanomamis; estão no território brasileiro, mas não são brasileiros", diz, encantado, Zé Celso.
"A queda do céu" já é considerado um clássico literário. É resultado das conversas gravadas entre Kopenawa e Bruce Albert, ao longo de 12 anos. Foram transcritas e estruturadas pelo antropólogo em forma de livro, lançado na França em 2010 e no Brasil em 2015. "É história de vida, autoetnografia e manifesto cosmo ecológico", na avaliação de Bruce Albert sobre o livro.
Zé Celso fez a primeira leitura de "A queda do céu" logo depois do lançamento, e o texto começou a entrar no seu corpo como teatro. "E assim com todas as leituras." Mas só virou projeto quando ele se encontrou com o xamã na Feira Literária de Araraquara, em novembro do ano passado. Pediu os direitos de adaptação para o teatro e o autor concedeu-lhe imediatamente. Ele tem pressa: quer denunciar os massacres sofridos pelos yanomamis, os atuais como os do passado, e chamar a atenção de como os sonhos são importantes para as culturas ancestrais.
"Os xamãs pegam a casca de uma árvore chamada yakuama, fazem um pó e cheiram o alucinógeno através de um canudo, às vezes um sopra no outro, é muito bonito isso. Aí eles dormem e, nos sonhos, veem os xapuris (espíritos), viajam pelo espaço e tudo se transforma em realidade. A organização política deles é baseada no sonho dos xamãs."
Sem medo dos muitos desafios a enfrentar, Zé Celso tem certeza de que nesta encenação o protagonismo no espetáculo tem de ser dos indígenas e, por isso, já decidiu escalar os brancos só em papéis de garimpeiros, missionários, antropólogos e representantes da Funai. O elenco será majoritariamente composto por atores dos povos originários, e esta será a primeira vez de Zé Celso dirigindo-os num palco.
"Vou trabalhar aprendendo com eles, inclusive na atuação e na música. Vou receber deles os ensinamentos, vou tentar um tipo de direção que nem sei qual é. Eles sabem muito mais do que eu."
A produção do espetáculo também não é nada fácil. O maestro Felipe Botelho estuda a música yanomami e a ideia é convidar uma banda de músicos indígenas para o palco. Himeros, também codiretor, mantém contatos para viajar até o norte da Amazônia e conversar com as associações dos yanomamis - a Hotukara, fundada por Kopenwa, o Conselho Indígena de Roraima - que poderiam intermediar convites aos moradores das aldeias.
"Um mapuche me disse: pela internet, você não vai trazer um guardião da floresta para o teatro. Tem de pisar na terra", reconhece Himeros.
As ideias para a encenação jorram: os xapiris são bonitos, risonhos, dançarinos, e serão representados por jovens indígenas meio acrobatas. Quatro atores vão fazer o papel de Davi Kopenawa nas diferentes idades, idealmente um seria Dário Vitório Kopenawa, muito parecido com o pai. Indispensável vai ser a participação da atriz Zhay Tentehar, intérprete indígena de Ceci na recente versão do ativista Ailton Krenak da ópera "O Guarani". "Ela é maravilhosa, vai ser a nova Cacilda Becker", elogia a atriz que já participou das duas leituras de trechos da peça. A representação de "A queda do céu" ainda depende de como será levada ao palco, pode ser poética e linda ou estrondosa e apavorante.
O teatro perpassa toda a vida de Zé Celso. Ao mesmo tempo que se dedica à criação de "A queda do céu", prepara a festa de casamento nesta semana com Marcelo Drummond. O agora marido e herdeiro da parte dele é o mais antigo da trupe de Zé Celso, aquele que está sempre por perto. Eles já foram namorados por sete anos, moram juntos há muito mais tempo e se entendem bem. A ideia é garantir vida longa ao Teatro Oficina, um patrimônio cultural construído em 64 anos, com um repertório de peças que marcaram o tempo político e cultural do país.
"'A queda do céu' vai ser a mais importante das minhas peças, é uma revelação e que interessa ao mundo todo. É a mais importante e talvez seja a última das minhas encenações", afirma Zé Celso sem tristeza na voz e pouco depois de ter feito a prova do terno branco para a festa de casamento.
https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/05/31/davi-kopenawa-leva-povo-yanomami-a-desfile-de-carnaval-e-ultima-peca-de-ze-celso.ghtml
Já considerado um clássico literário, livro "A queda do céu" é resultado de 12 anos de conversas entre líder indígena e antropólogo
Por Helena Celestino - para o Valor, do Rio e São Paulo 31/05/2023
O xamã Davi Kopenawa, líder do povo Yanomami, é o primeiro indígena a participar da criação de um enredo para escolas de samba do Rio. "A queda do céu", livro assinado por ele e o antropólogo Bruce Albert, é a inspiração maior para o desfile do Salgueiro no Carnaval de 2024. Em novembro do ano passado, o tema já estava escolhido, decisão tomada diante das mortes e destruição causadas pela invasão dos garimpeiros na Amazônia. Em março, a cultura indígena tomou conta de coração e mente do carnavalesco Edson Pereira e do enredista Igor Ricardo para agora adentrar o galpão da escola na Cidade do Samba.
Nas paredes do amplo salão onde trabalha o carnavalesco, já estão colados desenhos das fantasias das alas e dos carros alegóricos, ambos adaptados das imagens e descrições do livro de Kopenawa. Ao lado de Pereira, perfilam-se penas coloridas, fabricadas com material biodegradável, a serem usadas nos adereços - em tempo de levante indígena, nem pensar em tratar do tema sem levar em conta a sustentabilidade ambiental.
"Entendemos que, para falar de um povo tão particular e tão desconhecido como os yanomamis, precisávamos tê-los do nosso lado para se sentirem representados. Li todos os livros do Davi e fomos até o Moreira Salles [IMS] para encontrá-lo e ouvi-lo. Foi impactante", rememora Pereira.
Kopenawa assina como colaborador a sinopse do enredo, uma espécie de roteiro poético para orientar músicos na criação do samba e componentes da escola na maneira de contar a história. Mas o xamã precisou ser convencido de que a proposta levada pelos "brancos" - chamados por ele de povo da mercadoria - não era mais uma tentativa de apropriação indevida da cultura indígena.
"Somos massacrados há 523 anos. Estamos aqui nesse lugar brilhoso, de paredes de vidro, e essas paredes de vidro custaram as nossas vidas. O colar de ouro que vocês estão usando é bonito para vocês, mas o ouro para gente significa a morte", disse o xamã ao povo do samba, no encontro na avenida Paulista. "Deu uma culpa", comenta Pereira.
Porta-voz dos yanomanis, xamã e escritor, Kopenawa é uma voz forte do levante indígena, movimento de afirmação da cultura dos povos originários. A chegada dele ao mundo do samba é visto como sinal de mudança no olhar colonizador dos brancos sobre os indígenas, folclorizados nos blocos carnavalescos ou catalogados como artistas primitivos em museus e centros culturais.
Ao autografar o exemplar do seu livro levado pelo enredista, Kopenawa desejou que ele fosse uma "flecha para tocar o coração da sociedade não indígena". Ao se convencer de que os visitantes eram aliados na sua luta pela proteção da floresta e da vida dos yanomamis, o xamã passou a acompanhar linha a linha, passo a passo a concepção do desfile do Salgueiro.
"O Davi prometeu comparecer à escolha do samba-enredo, mas talvez não consigamos trazê-lo para confeccionar o Carnaval, não faz parte da cultura deles. No desfile quero muito que estejam presentes", diz Pereira.
Também participam desse trabalho de consultoria o Instituto Socioambiental, com sede próxima à aldeia do xamã, e Thiago Nogueira, curador do IMS e da exposição fotográfica "A Luta Yanomami", mostra que já esteve em São Paulo e Paris e agora no México com a participação de Kopenawa.
"Vamos contar a história como eles contam, vamos levar a voz dos yanomamis para a avenida. Deles, a gente conhece só a tragédia, e eles têm uma cultura riquíssima. Preservar seu modo de vida, a floresta, a caça, pesca, a pintura corporal é a forma de resistência deles", diz Ricardo, autor do texto da sinopse.
"Hutukara" é o título do enredo do Salgueiro e é também como os xamãs chamam o antigo céu que caiu no tempo das origens, formando a atual terra-floresta. A primeira ala a entrar na avenida apresentará este paraíso vivo e convocará os xapires para segurar o céu - na cosmogonia yanomami, a queda do céu é o fim do mundo.
A beleza dos mitos yanomamis mistura-se com os horrores vividos no encontro com os primeiros brancos, abrindo clareiras que depois viraram a Perimetral Norte, construída na época da ditadura. Um carro alegórico simbolizará este momento: puxado por um trator destruindo a floresta, ele carrega tocos de árvores cortadas e cobertas de vermelho sangue, figuras de indígenas desidratados e várias caveiras representando os mortos pela violência ou as doenças trazidas pelos invasores. O encerramento do desfile é um lamento, um clamor por liberdade e um protesto dos yanomamis unidos a cinco outros povos originários, todos enfrentando invasões e, juntos, defendendo o direito dos indígenas à terra e à vida.
"É um enredo para mostrar como é importante entender que esse povo é nossa origem, é o que temos de mais precioso e importante nas nossas vidas", diz Pereira.
"A queda do céu" também povoa as conversas no Teatro Oficina, nas quais palavras como xapiri, shawara e yakoana entraram para o vocabulário do consagrado diretor e autor de teatro José Celso Martinez Corrêa e do ator Roderick Himeros, os dois inteiramente envolvidos na adaptação do livro para o teatro.
Aos 86 anos, Zé Celso prepara-se para levar ao palco ainda neste ano uma visão completamente nova dos indígenas e da cultura quase desconhecida da nação Yanomami. "Para mim que sou neto de uma avó indígena é totalmente revigorante e reestruturante este projeto", diz, no escritório de seu apartamento no Paraíso, em São Paulo, ao lado de um exemplar do livro de Kopenawa já velhinho de tanto ser usado. Alegra-se ao saber que o Salgueiro também mostrará a cultura yanomami e combina com Himeros de entrar logo em contato com o carnavalesco carioca.
"A cultura indígena está dando um baile na cultura branca, amarela, todas elas. No que a gente botar isso pra fora, estaremos mexendo profundamente na cultura brasileira."
O trabalho de adaptação de "A queda do céu" começou em fevereiro, com Zé Celso e Himeros dedicando-se diariamente a resumir o texto e criar uma versão teatral de cada um dos 24 capítulos, mais um longo post scriptum distribuído pelas 728 páginas do livro. "Botamos tudo no tempo presente, livro é narrativa, teatro é ação, diálogos, música", define.
Essa fase terminou, e agora ele está refinando a dramaturgia enquanto Himeros leva ao palco do Sesc Pompeia as primeiras leituras dramatizadas do texto de Kopenawa e inicia o imenso trabalho de produção do espetáculo.
"Está ficando bonito. É um texto poético, político e abrangente. É uma cultura completamente diferente da nossa. A gente vê claramente que eles não são brasileiros, eles são yanomamis; estão no território brasileiro, mas não são brasileiros", diz, encantado, Zé Celso.
"A queda do céu" já é considerado um clássico literário. É resultado das conversas gravadas entre Kopenawa e Bruce Albert, ao longo de 12 anos. Foram transcritas e estruturadas pelo antropólogo em forma de livro, lançado na França em 2010 e no Brasil em 2015. "É história de vida, autoetnografia e manifesto cosmo ecológico", na avaliação de Bruce Albert sobre o livro.
Zé Celso fez a primeira leitura de "A queda do céu" logo depois do lançamento, e o texto começou a entrar no seu corpo como teatro. "E assim com todas as leituras." Mas só virou projeto quando ele se encontrou com o xamã na Feira Literária de Araraquara, em novembro do ano passado. Pediu os direitos de adaptação para o teatro e o autor concedeu-lhe imediatamente. Ele tem pressa: quer denunciar os massacres sofridos pelos yanomamis, os atuais como os do passado, e chamar a atenção de como os sonhos são importantes para as culturas ancestrais.
"Os xamãs pegam a casca de uma árvore chamada yakuama, fazem um pó e cheiram o alucinógeno através de um canudo, às vezes um sopra no outro, é muito bonito isso. Aí eles dormem e, nos sonhos, veem os xapuris (espíritos), viajam pelo espaço e tudo se transforma em realidade. A organização política deles é baseada no sonho dos xamãs."
Sem medo dos muitos desafios a enfrentar, Zé Celso tem certeza de que nesta encenação o protagonismo no espetáculo tem de ser dos indígenas e, por isso, já decidiu escalar os brancos só em papéis de garimpeiros, missionários, antropólogos e representantes da Funai. O elenco será majoritariamente composto por atores dos povos originários, e esta será a primeira vez de Zé Celso dirigindo-os num palco.
"Vou trabalhar aprendendo com eles, inclusive na atuação e na música. Vou receber deles os ensinamentos, vou tentar um tipo de direção que nem sei qual é. Eles sabem muito mais do que eu."
A produção do espetáculo também não é nada fácil. O maestro Felipe Botelho estuda a música yanomami e a ideia é convidar uma banda de músicos indígenas para o palco. Himeros, também codiretor, mantém contatos para viajar até o norte da Amazônia e conversar com as associações dos yanomamis - a Hotukara, fundada por Kopenwa, o Conselho Indígena de Roraima - que poderiam intermediar convites aos moradores das aldeias.
"Um mapuche me disse: pela internet, você não vai trazer um guardião da floresta para o teatro. Tem de pisar na terra", reconhece Himeros.
As ideias para a encenação jorram: os xapiris são bonitos, risonhos, dançarinos, e serão representados por jovens indígenas meio acrobatas. Quatro atores vão fazer o papel de Davi Kopenawa nas diferentes idades, idealmente um seria Dário Vitório Kopenawa, muito parecido com o pai. Indispensável vai ser a participação da atriz Zhay Tentehar, intérprete indígena de Ceci na recente versão do ativista Ailton Krenak da ópera "O Guarani". "Ela é maravilhosa, vai ser a nova Cacilda Becker", elogia a atriz que já participou das duas leituras de trechos da peça. A representação de "A queda do céu" ainda depende de como será levada ao palco, pode ser poética e linda ou estrondosa e apavorante.
O teatro perpassa toda a vida de Zé Celso. Ao mesmo tempo que se dedica à criação de "A queda do céu", prepara a festa de casamento nesta semana com Marcelo Drummond. O agora marido e herdeiro da parte dele é o mais antigo da trupe de Zé Celso, aquele que está sempre por perto. Eles já foram namorados por sete anos, moram juntos há muito mais tempo e se entendem bem. A ideia é garantir vida longa ao Teatro Oficina, um patrimônio cultural construído em 64 anos, com um repertório de peças que marcaram o tempo político e cultural do país.
"'A queda do céu' vai ser a mais importante das minhas peças, é uma revelação e que interessa ao mundo todo. É a mais importante e talvez seja a última das minhas encenações", afirma Zé Celso sem tristeza na voz e pouco depois de ter feito a prova do terno branco para a festa de casamento.
https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/05/31/davi-kopenawa-leva-povo-yanomami-a-desfile-de-carnaval-e-ultima-peca-de-ze-celso.ghtml
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