De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Notícias

Queimadas recordes aceleram "desamazonização" cultural da Amazônia

06/10/2022

Autor: Murilo Pajolla

Fonte: Brasil de Fato - brasildefato.com.br



Por trás das chamas está a destruição dos modos de vida amazônicos e mudança importante na dinâmica do agronegócio

Murilo Pajolla
Brasil de Fato | Lábrea (AM) | 06 de Outubro de 2022 às 06:14

Quase todos os anos, a cidade de Lábrea, no sul do Amazonas, bate recordes de queimadas. O município está na rota da expansão do agronegócio, um processo que se consolidou sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Para quem vive na região, a devastação não é apenas da paisagem. O fogo é símbolo da morte cultural das populações cuja identidade histórica está ligada à biodiversidade.

"Para começo de conversa, essas queimadas representam destruição", diz o cacique José Bajaga Apurinã, coordenador da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus.

"Além de matar nossas árvores, ressecar nossos rios, matar nossos animais, a fumaça adentra nas aldeias e sai fazendo um desmatamento total. A gente fica com dificuldade de respirar, com dor de cabeça, garganta inflamada", relata.

A "desamazonização" da Amazônia

A liderança indígena diz que os incêndios em Lábrea começam nas propriedades do entorno. O vento carrega as brasas para dentro da Terra Indígena onde o cacique nasceu, chamada Caititu.

O território tem o nome de uma espécie de porco do mato que está na base da alimentação das comunidades. Hoje o cacique diz que o caititu está desaparecendo, assim como as árvores frutíferas também. Os igarapés estão cada vez mais secos, e a pesca já não rende tanto como antes.

É o processo de "desamazonização" da Amazônia, conforme define o Ricardo Gilson da Costa Silva, professor de geografia e integrante do Laboratório de Pesquisa em Gestão do Território da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

O estudioso do agronegócio na Amazônia afirma que a ideia de um ser humano indissociável da natureza faz parte da vida social dos povos da região, que se dá em meio à floresta em pé, rios caudalosos e fartos recursos naturais.

"O agronegócio produz uma cisão nessa ideia, porque ele não cultua a natureza. Não existe floresta pra ele. Existe terra arrasada. Então não há sociobiodiversidade, que é muito forte na Amazônia. Nessa lógica. existe uma 'mononatureza'. Uma natureza do grão", atesta.

Expansão da soja e deslocamento da pecuária

Os dados do Inpe confirmam que o sul do Amazonas nunca queimou tanto. Este já é o pior setembro da história e caminha pra se tornar o mês com mais focos de calor desde o início da série histórica em 1998.

Segundo o pesquisador da Unir, o motivo é a expansão da soja em Rondônia e no Mato Grosso. Os municípios rondonenses com plantio do grão triplicaram nos últimos 20 anos. A soja se expande e expulsa a pecuária, que por sua vez se desloca cada vez mais ao norte. E no caminho dos grileiros está a Terra Indígena caititu, do cacique Zé Bajaga.

"A nossa terra faz tempo que foi demarcada e homologada. Mas tem focos de título definitivo dentro dessa terra, já desse ano, que eu não sei como conseguiram. E também tem um pedaço de terra que um grande empresário aí disse que é dele, dentro da terra indígena", denuncia a liderança.

"O barretão do Norte"

Na avaliação do professor da Unir, as regiões onde a pecuária chegou há mais tempo já estão "desamazonizadas". Um exemplo é o município de Apuí, no sul do Amazonas, que recebeu os primeiros colonos na década de 80.

Desde então a identidade local foi sendo apagada aos poucos. Cercada por pasto, a cidade tem um rodeio como atração principal. "É o barretão do Norte'", anuncia o locutor no vídeo promocional do evento, em referência à Festa do Peão de Barretos, uma das mais tradicionais do Brasil.

Segundo o pesquisador, o evento é a face aparente de transformações sociais mais profundas provocadas pela pecuária. Um símbolo da vitória do agronegócio sobre os povos da floresta.

"Esse modelo político-econômico-territorial do agronegócio disputa a sociedade. Portanto vai acontecer isso em Lábrea (AM). Vai ter a festa da soja, da pecuária, colocando as comunidades ribeirinhas como um atraso. Porque eles defendem isso. Eles acham que os povos amazônicos e floresta em pé são um atraso", prevê Silva.

Edição: Nicolau Soares


https://www.brasildefato.com.br/2022/10/06/queimadas-recordes-aceleram-desamazonizacao-cultural-da-amazonia
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.