De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Notícias

O cravo e a ferradura do Supremo Tribunal Federal

25/02/2025

Fonte: Valor Econômico - https://valor.globo.com/



COP 16.2 retoma debate sobre compromissos financeiros para biodiversidade
Apesar do fracasso em Cáli, a embaixadora Maria Angelica Ikeda está otimista

Daniela Chiaretti

25/02/2025

A Conferência da ONU sobre biodiversidade, que ficou sem acordo em Cáli, na Colômbia, em outubro, é retomada hoje, na sede da FAO, em Roma, de onde parou: nos compromissos financeiros para deter a perda global de natureza. A embaixadora Maria Angelica Ikeda, diretora do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty e chefe da delegação brasileira em Roma, diz que está otimista.

"Acredito que os países que foram responsabilizados pelo o que ocorreu estão muito preocupados com essa responsabilidade. Espero que se sentem à mesa com mais abertura", disse ela.

Os países desenvolvidos, principalmente a União Europeia, o Canadá e o Japão, bloquearam a análise de um texto, em Cáli, sobre mobilização de recursos para a biodiversidade. Os compromissos já acertados em 2022, em Montreal, falam de os países ricos mobilizarem US$ 20 bilhões ao ano, até 2025 e chegar a US$ 30 bilhões, em 2030, para a conservação e o desenvolvimento sustentável. Os países em desenvolvimento e megadiversos dizem que se está longe disso. O pior é que o necessário seria ainda maior: ao menos, US$ 200 bilhões ao ano, para deter a perda de natureza.

O que está sobre a mesa em Roma para análise de representantes de mais de 190 países é um texto que propõe uma análise sobre os fundos existentes hoje, mas considerados insuficientes ou com problemas de governança pelo Sul Global. O objetivo é concordar com um cronograma claro para que se crie um mecanismo financeiro dedicado à biodiversidade, como previsto na Convenção de Biodiversidade, em 1992, e nunca concretizado.

Os Estados Unidos não assinaram a Convenção da Biodiversidade (CDB), e são apenas observadores. A Europa é um ator importante, mas vive um momento político conturbado e a guerra na Ucrânia.

A diplomata brasileira espera, também, que "essa COP seja democrática, que adote suas decisões por consenso, que todos possamos participar de todas as conversas necessárias". Ela explica o temor: "Sabemos que a região da América Latina e Caribe terá pouquíssimos ministros em Roma, e reuniões na Europa tendem a ter uma concentração maior de ministros europeus e de países desenvolvidos, que tem maior facilidade de participação". A seguir, trechos da entrevista que ela concedeu ao Valor:

A presidente da COP
Susana Muhamad nos disse que presidirá esta sessão reconvocada da COP, a COP 16.2. Ela estará lá. (A ministra do Meio Ambiente da Colômbia pediu demissão há duas semanas, durante a crise do governo de Gustavo Petro).

O pomo da discórdia
É o documento L.34, que era, em Cáli, uma minuta de decisão sobre a mobilização de recursos financeiros. Temos que chegar a alguma decisão e fazer ajustes, mesmo que a minuta, para mim, esteja perfeita. Era o que os países em desenvolvimento queriam.

A COP que não terminou
Na última sessão plenária, em Cáli, na manhã do sábado, 1o de novembro, e já tendo adotado várias decisões durante a madrugada, inclusive históricas - como a declaração sobre a contribuição dos povos afrodescendentes para a conservação da biodiversidade, e também, a criação de um órgão subsidiário para os povos indígenas e comunidades locais, que são aqueles que têm conhecimento tradicional relevante para a conservação e uso sustentável da biodiversidade -, infelizmente, quando estávamos analisando o documento L.34, uma minuta de decisão sobre o financiamento de atividades para a biodiversidade, alguns países desenvolvidos se mostraram contra a adoção da decisão. Fomos surpreendidos porque estávamos negociando essa decisão e tivemos longas conversas entre a COP 15 e a COP 16 sobre o financiamento. E, ainda que tivéssemos feito todos os esforços para negociar algo que pudesse contar com o consenso das partes, infelizmente, esses países não só se recusaram a adotar a decisão, como não apontaram naquele momento quais eram os problemas com o texto.

Queremos instituições onde os países em desenvolvimento, sobretudo os megadiversos como o Brasil, tenham poder de decisão"
- Angelica Ikeda
E então, depois que o problema foi deflagrado, a delegação do Panamá pediu a contagem do quórum e se viu que não havia quórum para prosseguir com a reunião. Então a ministra Susana Mohamed, que era a ministra do Meio Ambiente da Colômbia, suspendeu a sessão, que será reconvocada em Roma hoje.

A sessão se reinicia em que ponto?
A nossa expectativa é que a reunião comece a partir do ponto da agenda que foi ali que ela foi suspensa. Das consultas informais que a ministra Mohamed conduziu em dezembro ficou claro que os problemas para os países desenvolvidos são os parágrafos 19 a 25, e o anexo 2 da minuta. Eles gostariam de fazer algumas mudanças.

Instrumento financeiro
O parágrafo 19 é onde está a decisão de se estabelecer um instrumento financeiro dentro da Convenção da Biodiversidade. E também de se estabelecer um processo para os períodos entre as próximas COPs, de como estruturar esse instrumento financeiro, que não necessariamente seria um fundo específico.

Nas conversas informais que tivemos com alguns países desenvolvidos, fomos desenhando uma espécie de organograma dos fundos. Veríamos qual seria o futuro do fundo que foi estabelecido pelo Marco Global Kunming-Montreal, chamado GBFF. Qual seria o futuro do Fundo de Cáli, aquele específico que vai receber os recursos provenientes do uso do sequenciamento genético digital (DSI), que foi criado em Cáli, que tem um outro tipo de fonte de financiamento. E também o GEF, o Global Environment Fund, que é o mecanismo interino de financiamento das atividades da Convenção de Biodiversidade, a CDB desde os anos 90.

Espera desde a Rio-92
Nunca estabelecemos o mecanismo financeiro previsto pela Convenção desde os anos 90. O GEF, que é o Fundo Global para o Meio Ambiente, é um mecanismo interino da CDB. Não é de todo ruim, mas há deficiências. Temos de disputar fundos para outros fins ambientais, quando preferiríamos ter algo dedicado especificamente à conservação da biodiversidade. Porque a perda da biodiversidade é uma crise urgente que precisamos resolver.

Agora, qual é a arquitetura financeira final? Não temos um resultado pré-definido, o Brasil quer se engajar nesse processo coletivo a partir do término da COP 16.2, em Roma. Onde todos nós participaremos para analisar todos os fundos que já temos, quanto estão financiando, quais são seus problemas e virtudes e assim possamos desenhar o mecanismo financeiro responsável pela CDB. Não temos nada contra o GEF. Queremos instituições onde os países em desenvolvimento, sobretudo os megadiversos como o Brasil, tenham um poder maior na tomada de decisão.

Governança desigual
Gostaria de destacar que o Conselho do GEF, que toma as decisões sobre os projetos a serem financiados para várias áreas ambientais - biodiversidade, clima, mercúrio, produtos químicos - tem assentos que são ocupados apenas por um país desenvolvido, por exemplo, os EUA, a Alemanha ou o Japão, e assentos que são compartilhados por vários países em desenvolvimento. Então, 20 ilhas do Pacífico dividem um assento. O Brasil divide um assento com a Colômbia e o Equador - três países amazônicos e megadiversos e temos que fazer um rodízio entre nós. Temos 54 países africanos que dividem algumas cadeiras.

Isso está errado e não significa poder de decisão igual. O número físico de assentos pode ser similar, mas a sub-representação desse enorme grupo de países em desenvolvimento é óbvia.

Mudar Bretton Woods
É por isso que o governo do presidente Lula leva a questão da reforma da governança global das instituições internacionais para fóruns como o G20. Temos que mudar o sistema de Bretton Woods para que seja mais igualitário e mais justo, para que o Sul Global possa ter uma voz mais bem representada. Queremos ter maior poder de decisão.

Quando um projeto é rejeitado no GEF, não se sabe bem por quais motivos. Então, se nós estivermos lá tomando as decisões, talvez possamos influenciar melhor esses processos.

Todos têm uma chance
Quando o Brasil briga por um fundo multilateral, seja na CDB, seja na negociação do acordo sobre a poluição por plásticos, fazemos isso porque somos um país em desenvolvimento muito solidário com os outros países, principalmente aqueles de menor desenvolvimento relativo e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Sabemos que grandes países em desenvolvimento como o Brasil, a Índia e a China podem atrair muito financiamento ambiental até pela sua capacidade de formular projetos, equipes maiores, com mais experiência. Muitos países menores que enfrentam problemas sérios como violência interna, guerra civil, pobreza, não estão tão bem equipados para atrair financiamento ambiental. Entendemos que em um fundo multilateral, como dizem em inglês, todo mundo tem uma chance.

O que incomoda
Pelo o que a gente percebe, os países desenvolvidos têm problemas com a decisão de se estabelecer esse instrumento financeiro. O que nós queremos, é poder escrever junto com os países desenvolvidos essas decisões. Precisamos ter um roadmap, um mapa do caminhos absolutamente claro e que nós tenhamos essa promessa cumprida ao final: que depois dessa análise, com critérios claros, tenhamos um resultado que seja, finalmente, o estabelecimento do mecanismo financeiro que estamos esperando há mais de 30 anos. Não podemos cair em um mapa que não nos leve a um objetivo. Vamos passar possivelmente mais quatro anos fazendo essa análise e tendo discussões, mas é preciso ter um norte.

Não podemos ser, entre aspas, "enganados novamente". Isso aconteceu na COP15, em Montreal, quando decidimos criar o fundo, o GBFF para o Marco Global, em que foi adotada uma linguagem muito ambígua. Os países em desenvolvimento entenderam que havia espaço, por exemplo, para a COP ter autoridade sobre o GBFF, e depois descobrimos que não, que tudo seria decidido por essa estrutura do conselho do GEF extremamente desigual. Não queremos mais esse tipo de "ambiguidade construtiva", como os países desenvolvidos dizem. Queremos uma decisão clara, um mapa do caminho claro, para se chegar a um resultado claro, que, como diz a presidente Susana Muhamad, que realmente feche a lacuna financeira, ou seja, fechar e preencher essa lacuna do financiamento para que finalmente a biodiversidade esteja no centro das atenções.

Os números não batem
No caso do GBFF, tínhamos uma meta de financiamento do Marco Global até 2025, e até 2030, para ser preenchida por várias fontes, mas uma parte deveria ser preenchida pelos países desenvolvidos.

O que notamos nas promessas para o fundo GBFF está muito aquém dessas metas. O que os países desenvolvidos prometeram financiar, por exemplo, durante este ano, não chega nem a 1% ou 2% do que seria a meta de financiamento público dos países desenvolvidos para a implementação do Marco Global.

A resposta frequentemente é: não colocamos dinheiro somente neste fundo multilateral. Também fazemos financiamento bilateral. Muito bem.

Então vamos analisar o financiamento bilateral, já um pouco céticos de que financiaria 98% a 99% dessa meta, já que notamos que o percentual é muito baixo. O problema do financiamento bilateral é que muitas vezes não sabemos se é uma doação, se é uma ajuda oficial ao desenvolvimento, ou em que bases está sendo concedido. E pior, muitas vezes acontece o que se chama de dupla contagem.

Dupla contagem
Por exemplo, se eu financio uma ação para a conservação florestal, muitas vezes é algo bom para combater a mudança climática porque estamos conservando o estoque de carbono, e também conta como conservação da biodiversidade, porque ao conservarmos a floresta tropical, estamos conservando sua biodiversidade. Então, para qual meta esse projeto será assinado? Para objetivos de financiamento climático, ou para a meta do Marco Global da Biodiversidade? Isso nunca fica claro para nós.

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2025/02/25/cop-16-2-retoma-debate-sobre-compromissos-financeiros-para-biodiversidade.ghtml
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.