De Povos Indígenas no Brasil
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Senado vota PL da devastação a toque de caixa

21/05/2025

Fonte: Extra Classe - https://www.extraclasse.org.br/ambiente/2025/05/senado-vota-pl-da-devastacao-a-toque-



Senado vota PL da devastação a toque de caixa
Bancada do agro sequestra pauta ambiental, flexibiliza normas, promove autolicenciamento, ignora crise climática e ameaça ecossistemas, povos tradicionais e a segurança hídrica do país

Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 21 de maio de 2025

O Senado Federal pretende votar nesta quarta-feira, 21, o Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado por organizações socioambientais de "PL da Devastação" ou "mãe de todas as boiadas". A proposta teve pareceres aprovados na terça-feira, 20, nas Comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) da Casa, e representa o maior desmonte já proposto ao licenciamento ambiental no Brasil. O açodamento, no entanto, promove insegurança jurídica e promete judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF).

Não é para menos. Ambientalistas e advogados deixam claro que a pauta, sequestrada pela bancada ruralista ainda na Câmara dos Deputados, desarticula salvaguardas legais e abre brechas para um avanço descontrolado de empreendimentos de alto impacto, como exploração de petróleo, mineração e desmatamento.

Na câmara alta do Congresso Nacional, a proposição foi relatada pela senadora Tereza Cristina (PP/MS), na CRA, e pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO), na CMA. O texto ainda avança com o apoio direto do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), mas tem sido duramente criticado por especialistas e entidades ambientais.

A principal mudança proposta é a instituição do autolicenciamento. Assim, em vez de estudos prévios e avaliação técnica, o empreendedor poderá simplesmente preencher um formulário pela internet e declarar que sua atividade não oferece risco, sem necessidade de fiscalização prévia.
Escárnio às vésperas da COP30

Nota técnica publicada pelo Observatório do Clima (OC), no último dia 16, detalha os impactos devastadores do PL 2.159/2021. O documento aponta que o projeto "mantém os principais retrocessos do texto aprovado em 2021 pela Câmara dos Deputados" e alerta que a flexibilização das licenças, a isenção de estudos e o enfraquecimento da fiscalização criam um cenário propício para tragédias ambientais e conflitos sociais. "É um pacote de retrocessos que ignora os alertas da ciência, omite completamente a questão climática e rompe com direitos constitucionais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais", diz a nota técnica da OC, que contém 119 páginas.

Segundo a análise, o PL dispensa o licenciamento para diversas atividades agropecuárias, fragmenta a competência dos órgãos ambientais entre estados e municípios, desvincula a outorga de uso da água do licenciamento e permite o avanço de empreendimentos mesmo em regiões de grande fragilidade ambiental.

Tudo isso sem a participação das autoridades competentes, quando os territórios não estiverem formalmente homologados. Isso, por exemplo, alcança diretamente mais de 95% dos territórios quilombolas e 40% das terras indígenas do país.

Para Gabriela Nepomuceno, porta-voz do Greenpeace Brasil, "estamos às vésperas de sediar a COP30, mas o Senado quer empurrar goela abaixo um projeto que ignora a crise climática. É um escárnio. O Brasil corre o risco de chegar à conferência com as mãos sujas de lama e petróleo", exclama.

Senado vota PL da devastação a toque de caixa

O texto avançou graças ao apadrinhamento do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), mas tem sido duramente criticado por especialistas e entidades ambientais

Foto: Pedro Gontijo/Agência Senado
Indignação generalizada

Outros especialistas alertam para as implicações irreversíveis. Suely Araújo, do Observatório do Clima, denuncia que o PL "implodirá o licenciamento ambiental e institucionalizará a irresponsabilidade". Alice Dandara, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), vai além: "O projeto legaliza o racismo ambiental, ao permitir a exclusão das comunidades mais vulneráveis do processo decisório", aponta.

A medida ainda representa uma ameaça direta à segurança hídrica. Como descreve Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, o projeto "desvincula a gestão da água da análise ambiental, facilitando a degradação e aumentando o risco de conflitos". Letícia Camargo, do Painel Mar, ressalta que o PL "compromete a proteção do oceano e dos territórios costeiros, em um momento em que o mundo busca justamente reforçar o papel dos oceanos na agenda climática".

A aprovação do PL 2.159/2021 pode colocar o Brasil na contramão dos compromissos climáticos internacionais e destruir o legado de décadas de construção de políticas públicas ambientais.

Para o especialista Marcos Woortmann, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), a consequência pode ser catastrófica: "Estamos falando em romper o ponto de não retorno da Amazônia, com impacto direto no regime de chuvas, na geração de energia e na produção de alimentos em toda a América do Sul", assevera.
Corre-corre e possível judicialização

Críticos do projeto denunciam um cenário ainda mais grave, agravado pelo atropelo regimental. Para eles, o PL 2.159/2021 foi relatado simultaneamente por duas comissões com o objetivo de acelerar sua aprovação antes que a comunidade internacional perceba a dimensão do retrocesso.

A manobra, com a aprovação célere, cumpriu seus propósitos. Com o presidente do Senado abençoando a matéria, o texto segue imediatamente para votação em plenário nesta quarta-feira.

Na opinião corrente, Alcolumbre e a bancada ruralista apostam na falta de agilidade de uma mobilização da sociedade civil, que seria crucial para tentar impedir o maior ataque já promovido à política ambiental brasileira.

No meio disso tudo, Suely Araújo diz ter visto um governo "silente", mesmo com o Ministério do Meio Ambiente fazendo críticas "há um tempo".

Para a integrante do OC, recentemente circulou um documento em que o governo expôs suas preocupações. "Duro é que eles (governo) não têm chance, não têm força para segurar", acredita Suely.

"Pelo visto, vai ser tratorado (no plenário do Senado). Retorna para a Câmara só aquilo que foi alterado, mas o que temos de evidência é que vão aprovar essa coisa e a gente vai ter que judicializar", declara ela, que não tem dúvidas: "O texto é carregado de inconstitucionalidades, tem problemas jurídicos em vários dispositivos e, no lugar de segurança jurídica, que eles dizem estar defendendo, haverá muita insegurança jurídica", arremata.
O sequestro da pauta ambientalista

Suely Araújo acompanha de perto a tramitação do PL 2.159/2021 desde sua gênese. Segundo ela, a proposta de uma lei geral de licenciamento ambiental - hoje sequestrada pela bancada ruralista - teve origem no campo dos ambientalistas.

O projeto surgiu como uma demanda dos ambientalistas. O primeiro esforço veio em 1988, lembra ela, com o então deputado Fábio Feldmann (PMDB/SP), um dos fundadores da SOS Mata Atlântica. Ele buscava regulamentar o Estudo Prévio de Impacto Ambiental previsto no artigo 225 da Constituição.

Anos depois, em 2004, o então deputado Luciano Zica (PT/SP), ligado à pauta ambiental, retomou a proposta. "Era um parlamentar muito especializado na área, chegou a ser secretário no Ministério do Meio Ambiente", registra Suely.

Se o projeto de licenciamento ambiental de Fábio Feldmann iniciou com a ideia de organizar e dar segurança jurídica ao tema, ele acabou engavetado e arquivado após passar por comissões.

Com a retomada da pauta em 2004 por Zica, surgiram diversas propostas. Ao todo, 20 projetos que tratavam do mesmo tema foram anexados uns aos outros para tramitação conjunta no Congresso Nacional.
Quem vota é o Senado, mas quem manda é o agro

Com o tempo, os textos se afastaram das diretrizes originais. "Foi, ao longo dos anos, sempre ficando pior", lembra Suely, que viu o ponto de virada derradeiro com o parecer do deputado Neri Geller (PP/MT).

O conteúdo aprovado pela Câmara e chancelado pelos relatores do Senado estabelece que empreendimentos como melhorias de infraestrutura pré-existente possam ficar dispensados de licença.

"Isso pode incluir desde um bueiro numa rodovia até o asfaltamento da BR-319. No setor do agronegócio, as exceções são ainda maiores. Quase nada do agro exige licença. Só há exigência para pecuária intensiva de médio e grande porte. O resto não tem licença. Basta estar no CAR (Cadastro Ambiental Rural), que é um instrumento declaratório - mesmo com o CAR não homologado -, que está dispensado", ironiza a integrante do OC.

Suely alerta para os riscos da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC). "É a única modalidade em que você nem entrega estudo ambiental. Apenas descreve o empreendimento, aperta o botão e a licença sai impressa", critica.

Para Suely, não resta dúvida sobre quem assumiu o comando do processo. "Hoje, quem está capitaneando é a bancada ruralista: a Frente Parlamentar da Agropecuária e suas entidades de apoio, como o Instituto Pensar Agro. A Confederação Nacional da Indústria e outras entidades estão indo de carona, na minha leitura pessoal. Quem está capitaneando é o agro. O fiador dessa proposta é a bancada ruralista", conclui.


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