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Estudo aponta ligação entre Belo Monte e peixes deformados no Xingu

01/07/2025

Fonte: Revista Cenarium - https://revistacenarium.com.br/estudo-aponta-ligacao-entre-belo-monte-e-peixes-de



Estudo aponta ligação entre Belo Monte e peixes deformados no Xingu

Por: Fabyo Cruz
01 de julho de 2025


BELÉM (PA) - A presença recorrente de peixes com deformidades corporais na região da Volta Grande do Xingu (VGX), em Altamira, no Sudoeste do Pará, acendeu o alerta entre comunidades ribeirinhas, povos indígenas e pesquisadores sobre os impactos da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. Desde 2021, pescadores da região passaram a capturar exemplares de pescada branca e corvina com alterações físicas visíveis, um fenômeno inédito para a área, que preocupa sobre uma possível ligação com a operação da usina.

Neste mês de junho, uma nota técnica divulgada pelo Monitoramento Ambiental Territorial Independente da Volta Grande do Xingu (Mati-VGX) indica que essas deformidades podem estar associadas a fatores como a redução do fluxo de água, carências nutricionais durante o desenvolvimento dos peixes ou até contaminação por metais pesados. Embora a causa exata ainda esteja em investigação, os registros surgiram após o início da operação da hidrelétrica, o que levanta suspeitas de relação direta com o empreendimento.

O primeiro registro formal de um peixe deformado na VGX foi publicado em 2023. No entanto, segundo o Mati-VGX, a concessionária Norte Energia, empresa responsável pela construção e operação da UHE de Belo Monte, não reportou o caso nos relatórios oficiais de monitoramento da ictiofauna entregues ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Para o Mati-XGV, a suspeita de omissão é considerada grave, já que deformidades em peixes representam um impacto ambiental não previsto no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da usina, com potenciais consequências para a biodiversidade aquática e para a segurança alimentar das populações locais.
Relatório Conjunto de Monitoramento da Volta Grande do Xingu (Reprodução/Mati-VGX)
Monitoramentos independentes

Desde 2013, o povo Juruna/Yudjá da Aldeia Mïratu, na Terra Indígena (TI) Paquiçamba, em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Instituto Socioambiental (ISA), desenvolve um monitoramento independente dos impactos da usina. Com base em uma abordagem colaborativa e científica, o programa se expandiu para outras aldeias e comunidades ribeirinhas, formando uma rede que coleta dados hidrológicos e ecológicos, com representatividade espacial e temporal.

O pesquisador indígena local na Volta Grande do Xingu, vice-líder da Aldeia Mïratu e coordenador do Mati-VGX, Josiel Jacinto Pereira Juruna, destaca a trajetória da iniciativa. "Desde 2013 que o povo Juruna faz esse monitoramento. Começou na aldeia Mïratu, depois se estendeu para a Terra Indígena Paquiçamba. De 2022 para 2023, o monitoramento se expandiu para o território ribeirinho", explicou, em entrevista à CENARIUM.

Além da UFPA e do ISA, o monitoramento passou a contar também com a participação de instituições como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Para Josiel, a união dessas entidades potencializou ainda mais as pesquisas. No entanto, a participação ativa da comunidade no processo de monitoramento foi essencial.

"Quem realmente conhece a realidade da sua região, com certeza é o povo que mora naquele local, que vive há milênios de anos naquela região. Quando ocorre a exclusão dessas pessoas, em um monitoramento, em uma pesquisa, isso faz com que o estudo seja muito defasado, porque não leva em consideração o conhecimento que aquela população tem daquele local", afirma o pesquisador.
Indígenas Juruna/Yudjá da aldeia Mïratu, na Terra Indígena Paquiçamba, analisam os impactos da UHE de Belo Monte (Reprodução/Arquivo Pessoal/Mati-VGX)
Mudança no ciclo do rio

O documento ressalta ainda que a operação da UHE Belo Monte compromete severamente o pulso natural de inundação do Rio Xingu, especialmente a jusante da barragem Pimental. A média de desvio da vazão do rio para geração de energia atinge 70% no período de enchente (janeiro) e 67% na vazante (junho), segundo estudos citados. O controle artificial da vazão também provocou um aumento de 287% nas reversões de fluxo em comparação com o regime natural do rio, afetando diretamente os ciclos reprodutivos dos peixes e as atividades de pesca.

Essas alterações no comportamento do rio dificultam a piracema - migração essencial para a reprodução das espécies - e têm causado desorganização dos cardumes, desorientação dos pescadores e declínio na captura de peixes. Moradores relatam ainda a ausência de peixes jovens nas redes, o que indica comprometimento do ciclo de vida das espécies aquáticas.
Análise da reprodução dos peixes (Reprodução/Arquivo Pessoal/Mati-VGX)
Consequências na alimentação

O impacto na pesca teve consequências diretas sobre a segurança alimentar das comunidades indígenas e ribeirinhas da região. Dados do monitoramento na Aldeia Mïratu mostram que o peixe, antes principal fonte de proteína, representava 53% da dieta em 2014, antes da operação da usina, e caiu para 32% em 2017. Em seu lugar, aumentou o consumo de alimentos industrializados, passando de 26% para 60% no mesmo período. O cenário é semelhante nas comunidades ribeirinhas, com redução na presença e na quantidade de peixe nas refeições.

A diminuição no consumo de pescado, estimada em cerca de 56,7%, aliada à quase extinção da pesca comercial na região, reflete a precarização das condições de vida dos moradores da VGX. De acordo com o Mati, mesmo com os dados apresentados por pesquisadores e pelas próprias comunidades, a Norte Energia sustenta que a queda na pesca não pode ser atribuída exclusivamente ao empreendimento.
Resultado da pesquisa do Mati-VGX (Reprodução/Mati-VGX)
Recomendações

O documento técnico do Mati também questiona os critérios usados pela concessionária e por seus programas de monitoramento ambiental, afirmando que a interconexão entre os aspectos ecológicos, sociais e culturais da VGX não foi devidamente considerada na concepção e operação da usina. As comunidades, por sua vez, seguem apontando os impactos negativos, enquanto aguardam medidas concretas de mitigação e a devida responsabilização pela omissão de dados relevantes.
Usina Hidrelétrica de Belo Monte (Reprodução/Acervo/Mati-VGX)

Esses e outros dados do Mati-VGX estão disponíveis publicamente no repositório do Sistema de Informação sobre Biodiversidade Brasileira (Sibbr). Entre as propostas apresentadas está a implementação de um novo hidrograma e de uma outorga provisória baseados em evidências ecológicas, dados da pesca local e conhecimentos tradicionais. A recomendação destaca a urgência de ajustes operacionais que considerem a complexidade socioambiental da Volta Grande do Xingu e assegurem os direitos das populações tradicionais que ali vivem.
Posicionamento

A CENARIUM solicitou esclarecimentos à empresa Norte Energia a respeito das informações apresentadas pela nota técnica do Mati-VGX. Leia abaixo, na íntegra, o posicionamento enviado à reportagem:

"A Norte Energia, concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte, informa que os monitoramentos realizados pela companhia na região em que o empreendimento foi instalado, incluindo a Volta Grande do Xingu, estão em conformidade com critérios estabelecidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Esse trabalho, realizado com rigor técnico e metodológico, engloba monitoramentos da ictiofauna, da qualidade da água, da vegetação, da pesca, entre outros. Esses resultados são periodicamente reportados ao órgão licenciador por meio de relatórios.

Em atuação conjunta com instituições de pesquisa, como a Universidade Federal do Pará (UFPA), a companhia promoveu o avanço do conhecimento científico sobre a dinâmica do rio Xingu. Desde 2020, foram publicados 36 artigos científicos em periódicos nacionais e internacionais e na apresentados 39 resumos em eventos acadêmicos, reforçando o compromisso da empresa com a transparência e a ciência.

Sobre a afirmação de que a operação da barragem criou condições permanentes de seca na região, informações públicas do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) demonstram que a Usina Hidrelétrica Belo Monte não promove a seca no Xingu. Os dados mostram que o rio possui grande variação natural de vazões ao longo do ano.

Em seus períodos de cheia, por exemplo, pode atingir valores acima de 20.000m³/s mensais, e chegar abaixo de 700 m³/s nos períodos de seca. A menor vazão já registrada foi de 380 m³/s, em outubro de 1969, ou seja, décadas antes da construção da usina.
Fachada da empresa Norte Energia (Foto: Jaime Souza/Divulgação)

Com relação às piracemas, a Norte Energia realizou, em conjunto com pescadores locais, um levantamento participativo que identificou mais de 140 áreas de piracema na Volta Grande do Xingu. Como previsto no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), boa parte dessas áreas passa a ser inundada já no início da cheia, garantindo condições adequadas para a reprodução de muitas espécies. Além disso, é importante ressaltar que diversas espécies de peixes não dependem das piracemas para se reproduzir.

A respeito do declínio da atividade pesqueira, os resultados de monitoramentos do Projeto Básico Ambiental (PBA) da usina, desenvolvidos com a UFPA, demonstram que a maioria das espécies manteve a proporção de peixes maduros ao longo de 13 anos de estudo na região da Volta Grande do Xingu. Algumas espécies tiveram mudanças no padrão de reprodução, cenário previsto no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento. Contudo, não ocorreu a extinção de qualquer espécie de peixe nas áreas de influência do empreendimento.

Portanto, o monitoramento realizado pelo MATI-VGX, apesar de trazer lacunas metodológicas relevantes, têm indicado alterações já previstas no licenciamento ambiental e para as quais a Norte Energia desenvolve ações de mitigação e compensação como: destinação de recursos à compensação ambiental para proteção e manutenção de sítios reprodutivos e de alimentação da fauna; implantação de laboratórios de ecologia e de reprodução de peixes na UFPA; recomposição da vegetação na Área de Preservação Permanente (APP) de modo a manter os ambientes de reprodução e alimentação; fortalecimento das ações produtivas de subsistência com famílias ribeirinhas e pescadores, ações de saneamento por meio da melhoria de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Também está em construção com o Ibama e o Ministério da Pesca e Agricultura (MPA) a Proposta de Trabalho Integrada da Pesca, que tem como objetivo fortalecer o setor, integrar e acompanhar o desenvolvimento da atividade.

Sobre o tema soberania alimentar, a Norte Energia esclarece que realiza o monitoramento do consumo proteico de famílias ribeirinhas desde julho de 2012. Considerando que a taxa recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 12kg/ano/pessoa, a média de consumo de pescado no Xingu é 275% maior que a recomendação da OMS, já que os dados de 2024 mostram que a taxa de consumo no Xingu é de 33kg/ano/pessoa.

Cabe esclarecer que a quantidade de água destinada à Volta Grande do Xingu foi estudada e estabelecida pelo Estado Brasileiro no âmbito do leilão de concessão da Usina Hidrelétrica Belo Monte e é parte integrante do processo de licenciamento ambiental. O atual modelo foi desenvolvido com base em 11 cenários hidrológicos distintos avaliados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e constitui uma medida de mitigação ambiental, com o objetivo de assegurar, entre outros aspectos, a inundação das áreas de piracema e a manutenção dos ciclos ecológicos do rio.

Por fim, cabe ressaltar que os investimentos realizados em ações socioambientais na região pela Norte Energia representam R$ 8 bilhões. São ações transformadoras, que vêm proporcionando melhor qualidade de vida e moradia para as pessoas. Destacamos os investimentos em saneamento básico, habitação, saúde, educação, meio ambiente, melhorias do espaço urbano, capacitação das pessoas, geração de empregos e programas específicos voltados às populações indígenas".
Leia mais: Após pressão, indígenas Kayapó do Pará fecham acordo com Norte Energia
Editado por Adrisa De Góes


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