De Povos Indígenas no Brasil
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Vetos à lei do licenciamento ainda deixam lacunas, mas estão na mira da bancada ruralista
18/08/2025
Fonte: O Eco - https://oeco.org.br/reportagens/vetos-a-lei-do-licenciamento-ainda-deixam-lacunas-mas-estao-
Vetos à lei do licenciamento ainda deixam lacunas, mas estão na mira da bancada ruralista
Lula vetou 63 trechos, propôs novas redações e uma MP que implementa licença acelerada defendida por Alcolumbre; ambientalistas apontam problemas, mas agro planeja derrubar ao menos 50 vetos
Gabriel Tussini · 18 de agosto de 2025
Os 63 vetos do presidente Lula, anunciados na última sexta-feira (8), amenizaram o PL do Licenciamento Ambiental, avaliam organizações ambientalistas. Mas a agora lei federal 15.190/25 ainda tem pontos de preocupação. Para o Observatório do Clima, que detalhou problemas remanescentes em nota técnica (detalhes abaixo), além do risco de derrubada dos vetos, o envio de um projeto de lei (PL 3.834/25) pelo Executivo com versões alternativas a parte dos vetos abre margem para alterações negativas no parlamento.
Os dispositivos vetados serão apreciados em sessão conjunta do Congresso Nacional. Ainda não há data para a reunião, que precisa ser marcada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UNIÃO-AP), mas a matéria entrará automaticamente na pauta a partir do dia 7 de setembro, 30 dias após a sanção presidencial. Para derrubar cada veto, é necessária maioria absoluta dos votos de cada casa - ou seja, de pelo menos 257 deputados e 41 senadores.
Assim que os vetos foram divulgados, o relator do projeto na Câmara, o deputado Zé Vitor (PL-MG) - membro da bancada ruralista -, reagiu especialmente contra a exclusão de itens que transferiam a responsabilidade de estabelecer critérios e procedimentos a estados e municípios, que poderiam criar suas regras próprias para dispensa de licenciamento - um dos pontos mais criticados do projeto original; e contra a exigência de Cadastro Ambiental Rural (CAR) já analisado para dispensas de licenciamento.
Esses dois vetos são tratados como "inegociáveis" para derrubada pelos ruralistas - o total de itens no alvo da bancada do agro chega a 50, como reportou o Ecoa UOL, ou 79,3% dos vetos. O veto à concessão de Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de médio impacto, por sua vez, foi tratado por Zé Vitor como negociável. "Aqueles empreendimentos de médio porte que de alguma maneira possam colocar em risco a biodiversidade, ok. Precisam sim de estudos mais complexos", comentou.
Além desses, o deputado criticou ainda o veto à dispensa de licenciamento para obras em estradas já existentes. "Não dá pra exigir burocracia para manutenção e recuperação de rodovias. Nem mesmo ampliação em leitos conhecidos", reclamou o relator. Este item foi incluído por uma emenda do senador Eduardo Braga (MDB-AM), defensor do asfaltamento da BR-319, entre Manaus e Porto Velho, cuja concretização é apontada como um grande indutor de desmatamento no sul do Amazonas. Integrante da base do governo Lula, Braga classificou o veto como um "golpe contra um sonho de gerações".
Desmatamento às margens da rodovia BR-319, em Humaitá, sul do Amazonas. Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/Folhapress
A nova lei, por enquanto com todos os vetos, entrará em vigor em 180 dias. A exceção será a Licença Ambiental Especial (LAE), incluída no texto logo antes da votação no Senado por emenda do próprio Alcolumbre - o dispositivo, classificado como "extremamente grave" pelo Observatório do Clima, cria uma lista de empreendimentos classificados como "estratégicos" pelo governo, que terão tempo máximo de 12 meses para o processo de licenciamento. A LAE foi inicialmente vetada por Lula, mas o governo propôs uma Medida Provisória (MP 1.308/25) colocando-a em prática imediatamente, com alguns ajustes de redação.
Já o PL 3.834/25, com versões alternativas a trechos vetados, foi enviado à Câmara dos Deputados com urgência constitucional - uma prerrogativa do presidente da República que obriga projetos a serem apreciados em até 45 dias, ou até o dia 22 de setembro no caso específico, sob pena de trancamento da pauta após esse prazo.
Em entrevista ao programa "Bom Dia, Ministra", do Canal Gov, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, afirmou que o governo trabalhará no Congresso para manter os vetos. "Vamos buscar um convencimento de que o caminho que o Governo Federal trilhou é o melhor para todos. É melhor para aqueles que querem ganhar celeridade, mas essa celeridade não deve ser em prejuízo da proteção do meio ambiente, é melhor para aqueles que querem que os seus empreendimentos tenham segurança jurídica, mas essa segurança jurídica não acontece se as leis que protegem o meio ambiente não forem respeitadas, porque aí abre margem para processos de judicialização", alertou.
A judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF) é tratada como certeza após a queda de braço no Congresso, seja devido a eventuais vetos derrubados ou até a trechos que foram sancionados, que são tratados por organizações ambientalistas como retrocessos ambientais (o que é vedado pela Constituição).
Apontado por críticos como "lento" e "burocrático" - inclusive com a apresentação de dados falsos - o licenciamento tem pontos passíveis de aprimoramento até mesmo para ambientalistas, mas o projeto original acabou trazendo retrocessos, mesmo após os vetos.
"Pesquisas apontam que as principais causas dos atrasos são as deficiências nos projetos, a má qualidade dos estudos e a insuficiência da capacidade instalada nos órgãos ambientais. Nenhum desses pontos críticos é endereçado pelo projeto de lei aprovado. A resposta parece ser a mesma da piada do sujeito traído no sofá de casa: jogar fora o sofá. Se o licenciamento é um problema, façamos a lei do não-licenciamento", criticou Cristiano Vilardo, analista ambiental do Ibama e diretor da Associação Brasileira de Avaliação de Impacto, em análise para ((o))eco.
Arte: Renata Costa.
Nota técnica do Observatório do Clima
A coalizão de organizações Observatório do Clima analisou, em nota técnica, o que classificou como os principais temas de atenção que permaneceram na nova lei, mesmo após os vetos. O maior destaque foi dado à Licença Ambiental Especial (LAE) - que, por ter sido vetada na lei e reapresentada por meio de Medida Provisória (MP 1.308/25), já entrou imediatamente em vigor, ao contrário dos demais dispositivos, que só valerão a partir de fevereiro de 2026. A licença foi classificada pelo OC como "extremamente grave para a gestão ambiental dos empreendimentos a serem implementados e desenvolvidos no país".
Incluída no projeto original por emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a LAE institui um prazo máximo de 12 meses para análise do licenciamento de empreendimentos classificados como "estratégicos", incluídos em lista bianual proposta pelo Conselho de Governo - que inclui ministros e vice-presidente, que contariam com a análise de servidores especialmente destacados. Entre esses projetos "estratégicos" poderá estar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, tratada como prioridade por Alcolumbre. O OC classificou a legislação como um "licenciamento por pressão política".
O texto da MP traz alguns ajustes à redação original desse novo tipo de licença, principalmente a retirada do trecho que instituía o procedimento como monofásico, ou seja, em uma única licença, ao contrário do procedimento trifásico atual - dividido em Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).
Para o Observatório do Clima, porém, mesmo que com a redação modificada, o procedimento continuará sendo, na prática, monofásico. Essa simplificação acontecerá, segundo a nota técnica, por conta do curto prazo para análise total do licenciamento, que exigirá Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e não terá previsão de tempo separado para LP, LI e LO, mas de apenas 12 meses para todo o procedimento.
"É de conhecimento geral e técnico que o EIA é o estudo ambiental mais custoso tanto em relação ao tempo de elaboração quanto de análise, além de ser exigido para as atividades que podem, efetiva ou potencialmente, causar significativo impacto ambiental", explica a nota. "Simplificar a liberação de empreendimentos/atividades de tal complexidade e potencial de danos ao meio ambiente foge às boas práticas e à sistemática consolidada de controle, fiscalização e gestão ambiental".
Quanto ao tempo de análise, a nota trata o limite de 12 meses como impraticável. "É conhecido que cada fase do processo de licenciamento ambiental sujeito ao EIA demanda um razoável tempo de análise, verificação da adequação do estudo e medidas propostas, realização de audiências públicas e consultas às comunidades/povos afetados, entre outras medidas necessárias à avaliação de impactos ambientais. Instituir-se como regra um prazo tão exíguo de 12 meses para TODAS as etapas é, no mínimo, irreal", frisa. O texto critica ainda a menção ao EIA, mas não a outros estudos exigidos em fases posteriores do licenciamento, como o Plano Básico Ambiental (PBA).
O documento aponta que a LAE tende a gerar um "acúmulo de demandas e de responsabilização (inclusive judicial) dos servidores públicos". "Não há, pois, qualquer lógica em se admitir que os empreendimentos sujeitos à LAE são TODOS de significativo impacto ambiental e, ao mesmo tempo, instituir-se processo monofásico e com prazo apertado para manifestação e decisão do órgão licenciador". No ano passado, a carreira ambiental federal tinha um déficit de quase 4 mil servidores.
Para o Observatório do Clima, a LAE "não deve ser introduzida na legislação brasileira", precisando ser rejeitada ou alterada "para garantir a aplicação de licenciamento trifásico e com prazo razoável para análise das especificidades de cada fase" - caso contrário, o assunto deverá ser judicializado no STF.
Povos e comunidades tradicionais
O presidente Lula vetou os dispositivos que limitavam a manifestação da Funai e do Incra apenas às terras indígenas homologadas e aos territórios quilombolas titulados - o que excluía 32,6% das terras indígenas e 80,1% dos territórios quilombolas, que estão em estágios anteriores de demarcação, segundo o Instituto Socioambiental.
No PL 3.834/25, encaminhado após os vetos, o governo propôs que a obrigatoriedade de manifestação ocorresse em terras indígenas com Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) e áreas quilombolas com certidão de autodefinição emitida pela Fundação Cultural Palmares, ambas publicadas no Diário Oficial da União.
Para o Observatório do Clima, essas alterações representam um avanço em relação ao projeto original, mas ainda excluem comunidades que dependeriam de "documentos que, em muitos casos, ainda não foram emitidos, excluindo do licenciamento ambiental, na prática, grande número de indígenas que ainda não possuem o perímetro de suas terras definido e quilombolas que vivem em territórios ainda em processo de regularização".
"Vale lembrar que o direito ao território tradicional precede o reconhecimento formal do Estado, pois a demarcação ou a titulação desses territórios têm caráter declaratório, e não constitutivo, conforme decisões do Supremo Tribunal Federal", argumenta a nota técnica.
O Executivo vetou ainda a previsão de que as manifestações das autoridades envolvidas fossem não-vinculantes, ou seja, que não precisassem ser levadas em conta no processo de licenciamento. O problema, segundo o documento, é que não foram vetados dispositivos que estabelecem "prazos inexequíveis" para essas manifestações (de 30 dias, prorrogáveis por mais 10), e nem a determinação de que a falta delas não impede a continuidade do processo de licenciamento, tornando-as, na prática, opcionais - o que aumenta o risco de judicialização por potencialmente violar proteções constitucionais aos povos.
Além disso, o OC aponta que os outros 26 segmentos de povos e comunidades tradicionais oficialmente reconhecidos, como geraizeiros, populações de fundo e fecho de pastos, quebradeiras de coco de babaçu, brejeiros e pescadores tradicionais, não são mencionados na lei 15.190/2025 e nem no PL 3.834/25. Isso "deixa de fora da salvaguarda legal diversas comunidades que também podem ser diretamente impactadas por diferentes tipos de empreendimentos", critica o documento, apontando para a necessidade de maior inclusão dos povos e comunidades tradicionais no texto da lei.
Movimento das Mulheres em Marcha, em manifestação contra o PL 2159/21. Foto: Gabriela Biló/Folhapress
Amostragens e autodeclarações
Também chamada de "autolicenciamento" por depender apenas de adesão autodeclaratória dos empreendimentos a parâmetros pré-definidos, a LAC foi parcialmente vetada por Lula no trecho em que previa essa modalidade para atividades de médio potencial poluidor. No novo projeto de lei enviado para o Congresso, foram acrescentados mais limites às autodeclarações.
O governo, porém, manteve a possibilidade de análise por amostragem do Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE), um documento apenas descritivo (o que por si só já havia sido alvo de críticas na época da aprovação do projeto original, em maio) exigido para concessão da LAC - a única exigência. "Ou seja, além de não haver apresentação de estudo ambiental pelo empreendedor, sequer há garantia de leitura dos RCE pela autoridade licenciadora, evidenciando a perspectiva de descontrole ambiental", criticou a nota técnica.
Outro ponto de preocupação apontado pelo Observatório do Clima foi a previsão de vistoria anual também por amostragem por parte da autoridade licenciadora, "o que contraria as boas práticas de fiscalização, inclusive para fins de verificação e adoção de medidas em razão de possíveis impactos ambientais ocorridos".
"É possível que haja uma série de danos ambientais e potenciais desastres por falta do devido acompanhamento e atenção das autoridades públicas", e a "existência de empreendimentos que não serão analisados nem vistoriados em nenhum momento de toda a sua existência", destacou o documento, que apontou ainda o risco de corrupção para que empreendimentos não sejam alvo de análise ou vistoria criteriosa. Para o OC, é necessária a rejeição dos dispositivos que preveem análises de RCE e vistorias por amostragem.
A nota apontou ainda a continuidade, tanto na nova lei quanto no projeto encaminhado pelo governo, da previsão de renovação automática de licença para empreendimentos e atividades de baixo potencial poluidor e pequeno ou médio porte, por meio de declaração eletrônica de atendimento das condições impostas pelos órgãos ambientais.
"O ponto é problemático, pois o 'coração' do licenciamento é justamente a avaliação pelo órgão ambiental licenciador da adequação das medidas adotadas pelo empreendedor, da necessidade de modificação/adequação (ou não) de condicionantes ambientais, ou ainda, da necessidade de suspensão (ou não) da licença", afirmou a nota técnica, apontando para o risco de "declarações falsas ou omissas" e criticando a "crença simplista na boa-fé do empreendedor".
Desconexão entre licenciamento e autorizações municipais
A nota do Observatório do Clima aponta também para a falta de veto ao artigo 17 da lei, que desobriga a apresentação de certidões de conformidade com a legislação relativa ao uso do solo, além de autorizações e outorgas de órgãos que não integrem o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Na prática, isso exclui a exigência de apresentação de outorga de uso de água, por exemplo.
Essa mudança na prática, que hoje obriga a apresentação desses tipos de autorizações, pode dificultar a análise da autoridade licenciadora, "que não conhece, por exemplo, a legislação urbanística de cada município", afirma o documento. "Poderão ser gerados casos de emissão de licença ambiental para empreendimentos inviáveis considerando a legislação urbanística ou o gerenciamento dos recursos hídricos", gerando judicialização pela restrição à instalação e operação por "aspectos que não foram verificados anteriormente" nos processos.
A Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA), organização que reúne secretários municipais de Meio Ambiente de todo o Brasil, divulgou nota repudiando essa alteração. Para a associação, o dispositivo ignora o Estatuto das Cidades, os planos diretores das cidades e a competência municipal para regulamentar o uso do solo. A nota afirma que a nova lei promove um "desmonte do licenciamento ambiental municipal, que inviabiliza a gestão territorial sustentável", e lamentou a falta de veto presidencial ao artigo 17.
Em coluna publicada em ((o))eco, os prefeitos gaúchos Zelmute Marten (PT), de São Lourenço do Sul; Abner Dillmann (PSDB), de Camaquã; e Ronaldo Machado (PP), de Pinheiro Machado; e o diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann, classificaram as alterações propostas pelo, na época, projeto de lei, como "um grave retrocesso federativo e um prejuízo inaceitável aos municípios". Para eles, "a pretensa desburocratização que justifica o texto, esvazia as políticas de desenvolvimento territoriais dos municípios e sobrecarrega sua saúde pública ainda mais".
Amplas dispensas de licenciamento para o agro
O projeto original previa a dispensa de licenciamento para praticamente todas as atividades agrossilvipastoris, com exceção apenas para a pecuária intensiva de médio e grande porte - essas dispensas já foram declaradas inconstitucionais pelo STF até quando as atividades são de baixo impacto.
O presidente Lula vetou apenas o item que previa a dispensa de licenciamento até em imóveis com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente de homologação - veto que a bancada ruralista se empenhará em derrubar. Como essa ampla dispensa já havia sido julgada inconstitucional anteriormente, o Observatório do Clima aponta para a tendência de judicialização desse trecho no STF.
Persistência da redução de responsabilidade das instituições financeiras
O presidente Lula vetou os trechos da lei que diminuíam drasticamente a responsabilidade de controle ambiental pelas instituições financeiras que financiassem atividades que promovessem dano ambiental. Pelo texto aprovado no Congresso, as instituições não seriam penalizadas se exigissem, antes do crédito, a apresentação da licença ambiental. Caso não tivessem exigido, teriam responsabilidade subsidiária sobre os danos (ou seja, só poderiam ser cobrados caso o autor do dano não pudesse arcar com as multas ou não fosse encontrado).
No texto alternativo proposto pelo governo, porém, é retomada a falta de responsabilização caso a instituição cobre a apresentação da licença ambiental. No caso de falta dessa cobrança, a alteração feita é que a responsabilidade passa a ser solidária (ou seja, a cobrança será feita à instituição ao mesmo tempo que ao empreendedor, "na medida e na proporção de sua contribuição para o financiamento").
"Mesmo com esse ajuste de conteúdo, o artigo contraria as boas práticas do setor, que já exige análise e consideração ampla dos riscos ambientais e climáticos dos empreendimentos sob financiamento, bem como contraria jurisprudência de tribunais superiores", critica o Observatório do Clima, que aponta ainda que a exigência de que os contratantes de bens e serviços verificassem o licenciamento ambiental, que constava no projeto original, não foi mantida no projeto encaminhado pelo governo.
A exigência de uma investigação mais ampla do risco ambiental por parte dos bancos ou outras instituições, como é feito atualmente, "não implica substituição dos órgãos ambientais em seu dever de fiscalização, mas sim complementaridade, cabendo às instituições financeiras o seu dever de devida diligência, que inclui, entre outras iniciativas, verificar junto às bases de dados de órgãos públicos competentes o cumprimento das normas ambientais aplicáveis e consequente proteção ambiental, bem como se existem indícios de ilícitos praticados pelas empresas que solicitam acesso a crédito", explica a nota.
Para o OC, o texto sequer deveria tratar de normas gerais sobre responsabilidade civil por dano ambiental, já que isso foge de seu escopo. Esse trecho, portanto, deveria ser rejeitado na tramitação do novo projeto no Congresso, argumenta a nota.
Limitações para estabelecimento de condicionantes ambientais
O projeto original previa que os impactos indiretos dos empreendimentos ou atividades não poderiam ser considerados para a elaboração de condicionantes ambientais, enfraquecendo um instrumento consolidado de compensação de impactos. Além disso, as condicionantes sobre os impactos diretos teriam seu cumprimento atestado apenas por autodeclaração assinada por um "profissional habilitado".
Essas restrições foram vetadas, porém a nova redação do projeto de lei enviado pelo Executivo após os vetos ainda apresenta problemas, segundo a nota técnica. O texto prevê o estabelecimento de condicionantes ambientais proporcionais ao impacto causado, mas com comprovação do "nexo causal" do empreendimento com os impactos. De acordo com o OC, essa exigência "dificulta o estabelecimento de medidas compensatórias pela autoridade licenciadora", trazendo a necessidade de debates "para que não se reduzam as responsabilidades do empreendedor".
Atafona, distrito de São João da Barra, no Rio de Janeiro. Foto: Thiago Freitas
Fragilização do licenciamento na zona costeira
O Observatório do Clima chamou atenção também para a falta de veto ao inciso I do art. 66 da nova lei, que revoga o § 2o do art. 6o do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que prevê (ao menos até a entrada em vigor da nova lei do licenciamento, em fevereiro), a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental e de Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) para atividades que alterem as características naturais da zona costeira.
Sem esse parágrafo, o PNGC "deixa de fazer referência expressa a estudos ambientais requeridos no licenciamento", fragilizando a proteção ao sistema costeiro-marinho, "a região mais degradada e ameaçada do país", com "função essencial para o equilíbrio climático, manutenção dos modos de vida de comunidades e segurança ambiental e alimentar".
Diminuição das áreas de impacto presumido
As áreas de impacto presumido dos empreendimentos estão no anexo da lei e não foram alvos de veto. As regras atualmente são estabelecidas pela Portaria Interministerial 60/2015, mas as distâncias foram diminuídas na nova lei. No novo projeto encaminhado pelo governo constam, em maioria, as mesmas distâncias recentemente aprovadas, mas algumas foram aumentadas (como a área de impacto para implantação de rodovias na Amazônia, que hoje é de 40 km, a lei do licenciamento alterou para 15 km, e o governo propôs voltar aos 40 km, ainda que não tenha vetado esse trecho da lei).
O Observatório do Clima, porém, cita a falta de fundamentação técnica para essas distâncias propostas, inclusive na Portaria Interministerial 60/2015. A organização aponta a necessidade de revogar/suprimir o anexo tanto da lei 15.190/25 quanto do PL 3.834/25, e que prossiga o debate para o estabelecimento de "critérios técnicos que avaliem o impacto real dos empreendimentos/atividades sobre as áreas protegidas", atualizando o conteúdo das regras em vigor.
A batalha pela manutenção ou não dos vetos, assim como para alterações no projeto de lei encaminhado pelo governo com redações alternativas a vários deles, seguirá sendo travada no Congresso. Mas não deve parar por aí, já que, ao que tudo indica, o assunto será levado à discussão no Supremo Tribunal Federal. Segundo a ministra Marina Silva, da forma como foi promulgada, a lei não coloca em risco as metas atuais de desmatamento e redução de gases de efeito estufa, o que era um temor.
"As nossas metas em relação a desmatamento zero e a reduzir entre 59% e 67% de emissão de CO2 estão perfeitamente mantidas", garantiu a ministra na coletiva de apresentação dos vetos, na última sexta. Mas muita coisa ainda poderá mudar nos próximos meses.
https://oeco.org.br/reportagens/vetos-a-lei-do-licenciamento-ainda-deixam-lacunas-mas-estao-na-mira-da-bancada-ruralista/
Lula vetou 63 trechos, propôs novas redações e uma MP que implementa licença acelerada defendida por Alcolumbre; ambientalistas apontam problemas, mas agro planeja derrubar ao menos 50 vetos
Gabriel Tussini · 18 de agosto de 2025
Os 63 vetos do presidente Lula, anunciados na última sexta-feira (8), amenizaram o PL do Licenciamento Ambiental, avaliam organizações ambientalistas. Mas a agora lei federal 15.190/25 ainda tem pontos de preocupação. Para o Observatório do Clima, que detalhou problemas remanescentes em nota técnica (detalhes abaixo), além do risco de derrubada dos vetos, o envio de um projeto de lei (PL 3.834/25) pelo Executivo com versões alternativas a parte dos vetos abre margem para alterações negativas no parlamento.
Os dispositivos vetados serão apreciados em sessão conjunta do Congresso Nacional. Ainda não há data para a reunião, que precisa ser marcada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UNIÃO-AP), mas a matéria entrará automaticamente na pauta a partir do dia 7 de setembro, 30 dias após a sanção presidencial. Para derrubar cada veto, é necessária maioria absoluta dos votos de cada casa - ou seja, de pelo menos 257 deputados e 41 senadores.
Assim que os vetos foram divulgados, o relator do projeto na Câmara, o deputado Zé Vitor (PL-MG) - membro da bancada ruralista -, reagiu especialmente contra a exclusão de itens que transferiam a responsabilidade de estabelecer critérios e procedimentos a estados e municípios, que poderiam criar suas regras próprias para dispensa de licenciamento - um dos pontos mais criticados do projeto original; e contra a exigência de Cadastro Ambiental Rural (CAR) já analisado para dispensas de licenciamento.
Esses dois vetos são tratados como "inegociáveis" para derrubada pelos ruralistas - o total de itens no alvo da bancada do agro chega a 50, como reportou o Ecoa UOL, ou 79,3% dos vetos. O veto à concessão de Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de médio impacto, por sua vez, foi tratado por Zé Vitor como negociável. "Aqueles empreendimentos de médio porte que de alguma maneira possam colocar em risco a biodiversidade, ok. Precisam sim de estudos mais complexos", comentou.
Além desses, o deputado criticou ainda o veto à dispensa de licenciamento para obras em estradas já existentes. "Não dá pra exigir burocracia para manutenção e recuperação de rodovias. Nem mesmo ampliação em leitos conhecidos", reclamou o relator. Este item foi incluído por uma emenda do senador Eduardo Braga (MDB-AM), defensor do asfaltamento da BR-319, entre Manaus e Porto Velho, cuja concretização é apontada como um grande indutor de desmatamento no sul do Amazonas. Integrante da base do governo Lula, Braga classificou o veto como um "golpe contra um sonho de gerações".
Desmatamento às margens da rodovia BR-319, em Humaitá, sul do Amazonas. Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/Folhapress
A nova lei, por enquanto com todos os vetos, entrará em vigor em 180 dias. A exceção será a Licença Ambiental Especial (LAE), incluída no texto logo antes da votação no Senado por emenda do próprio Alcolumbre - o dispositivo, classificado como "extremamente grave" pelo Observatório do Clima, cria uma lista de empreendimentos classificados como "estratégicos" pelo governo, que terão tempo máximo de 12 meses para o processo de licenciamento. A LAE foi inicialmente vetada por Lula, mas o governo propôs uma Medida Provisória (MP 1.308/25) colocando-a em prática imediatamente, com alguns ajustes de redação.
Já o PL 3.834/25, com versões alternativas a trechos vetados, foi enviado à Câmara dos Deputados com urgência constitucional - uma prerrogativa do presidente da República que obriga projetos a serem apreciados em até 45 dias, ou até o dia 22 de setembro no caso específico, sob pena de trancamento da pauta após esse prazo.
Em entrevista ao programa "Bom Dia, Ministra", do Canal Gov, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, afirmou que o governo trabalhará no Congresso para manter os vetos. "Vamos buscar um convencimento de que o caminho que o Governo Federal trilhou é o melhor para todos. É melhor para aqueles que querem ganhar celeridade, mas essa celeridade não deve ser em prejuízo da proteção do meio ambiente, é melhor para aqueles que querem que os seus empreendimentos tenham segurança jurídica, mas essa segurança jurídica não acontece se as leis que protegem o meio ambiente não forem respeitadas, porque aí abre margem para processos de judicialização", alertou.
A judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF) é tratada como certeza após a queda de braço no Congresso, seja devido a eventuais vetos derrubados ou até a trechos que foram sancionados, que são tratados por organizações ambientalistas como retrocessos ambientais (o que é vedado pela Constituição).
Apontado por críticos como "lento" e "burocrático" - inclusive com a apresentação de dados falsos - o licenciamento tem pontos passíveis de aprimoramento até mesmo para ambientalistas, mas o projeto original acabou trazendo retrocessos, mesmo após os vetos.
"Pesquisas apontam que as principais causas dos atrasos são as deficiências nos projetos, a má qualidade dos estudos e a insuficiência da capacidade instalada nos órgãos ambientais. Nenhum desses pontos críticos é endereçado pelo projeto de lei aprovado. A resposta parece ser a mesma da piada do sujeito traído no sofá de casa: jogar fora o sofá. Se o licenciamento é um problema, façamos a lei do não-licenciamento", criticou Cristiano Vilardo, analista ambiental do Ibama e diretor da Associação Brasileira de Avaliação de Impacto, em análise para ((o))eco.
Arte: Renata Costa.
Nota técnica do Observatório do Clima
A coalizão de organizações Observatório do Clima analisou, em nota técnica, o que classificou como os principais temas de atenção que permaneceram na nova lei, mesmo após os vetos. O maior destaque foi dado à Licença Ambiental Especial (LAE) - que, por ter sido vetada na lei e reapresentada por meio de Medida Provisória (MP 1.308/25), já entrou imediatamente em vigor, ao contrário dos demais dispositivos, que só valerão a partir de fevereiro de 2026. A licença foi classificada pelo OC como "extremamente grave para a gestão ambiental dos empreendimentos a serem implementados e desenvolvidos no país".
Incluída no projeto original por emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a LAE institui um prazo máximo de 12 meses para análise do licenciamento de empreendimentos classificados como "estratégicos", incluídos em lista bianual proposta pelo Conselho de Governo - que inclui ministros e vice-presidente, que contariam com a análise de servidores especialmente destacados. Entre esses projetos "estratégicos" poderá estar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, tratada como prioridade por Alcolumbre. O OC classificou a legislação como um "licenciamento por pressão política".
O texto da MP traz alguns ajustes à redação original desse novo tipo de licença, principalmente a retirada do trecho que instituía o procedimento como monofásico, ou seja, em uma única licença, ao contrário do procedimento trifásico atual - dividido em Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).
Para o Observatório do Clima, porém, mesmo que com a redação modificada, o procedimento continuará sendo, na prática, monofásico. Essa simplificação acontecerá, segundo a nota técnica, por conta do curto prazo para análise total do licenciamento, que exigirá Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e não terá previsão de tempo separado para LP, LI e LO, mas de apenas 12 meses para todo o procedimento.
"É de conhecimento geral e técnico que o EIA é o estudo ambiental mais custoso tanto em relação ao tempo de elaboração quanto de análise, além de ser exigido para as atividades que podem, efetiva ou potencialmente, causar significativo impacto ambiental", explica a nota. "Simplificar a liberação de empreendimentos/atividades de tal complexidade e potencial de danos ao meio ambiente foge às boas práticas e à sistemática consolidada de controle, fiscalização e gestão ambiental".
Quanto ao tempo de análise, a nota trata o limite de 12 meses como impraticável. "É conhecido que cada fase do processo de licenciamento ambiental sujeito ao EIA demanda um razoável tempo de análise, verificação da adequação do estudo e medidas propostas, realização de audiências públicas e consultas às comunidades/povos afetados, entre outras medidas necessárias à avaliação de impactos ambientais. Instituir-se como regra um prazo tão exíguo de 12 meses para TODAS as etapas é, no mínimo, irreal", frisa. O texto critica ainda a menção ao EIA, mas não a outros estudos exigidos em fases posteriores do licenciamento, como o Plano Básico Ambiental (PBA).
O documento aponta que a LAE tende a gerar um "acúmulo de demandas e de responsabilização (inclusive judicial) dos servidores públicos". "Não há, pois, qualquer lógica em se admitir que os empreendimentos sujeitos à LAE são TODOS de significativo impacto ambiental e, ao mesmo tempo, instituir-se processo monofásico e com prazo apertado para manifestação e decisão do órgão licenciador". No ano passado, a carreira ambiental federal tinha um déficit de quase 4 mil servidores.
Para o Observatório do Clima, a LAE "não deve ser introduzida na legislação brasileira", precisando ser rejeitada ou alterada "para garantir a aplicação de licenciamento trifásico e com prazo razoável para análise das especificidades de cada fase" - caso contrário, o assunto deverá ser judicializado no STF.
Povos e comunidades tradicionais
O presidente Lula vetou os dispositivos que limitavam a manifestação da Funai e do Incra apenas às terras indígenas homologadas e aos territórios quilombolas titulados - o que excluía 32,6% das terras indígenas e 80,1% dos territórios quilombolas, que estão em estágios anteriores de demarcação, segundo o Instituto Socioambiental.
No PL 3.834/25, encaminhado após os vetos, o governo propôs que a obrigatoriedade de manifestação ocorresse em terras indígenas com Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) e áreas quilombolas com certidão de autodefinição emitida pela Fundação Cultural Palmares, ambas publicadas no Diário Oficial da União.
Para o Observatório do Clima, essas alterações representam um avanço em relação ao projeto original, mas ainda excluem comunidades que dependeriam de "documentos que, em muitos casos, ainda não foram emitidos, excluindo do licenciamento ambiental, na prática, grande número de indígenas que ainda não possuem o perímetro de suas terras definido e quilombolas que vivem em territórios ainda em processo de regularização".
"Vale lembrar que o direito ao território tradicional precede o reconhecimento formal do Estado, pois a demarcação ou a titulação desses territórios têm caráter declaratório, e não constitutivo, conforme decisões do Supremo Tribunal Federal", argumenta a nota técnica.
O Executivo vetou ainda a previsão de que as manifestações das autoridades envolvidas fossem não-vinculantes, ou seja, que não precisassem ser levadas em conta no processo de licenciamento. O problema, segundo o documento, é que não foram vetados dispositivos que estabelecem "prazos inexequíveis" para essas manifestações (de 30 dias, prorrogáveis por mais 10), e nem a determinação de que a falta delas não impede a continuidade do processo de licenciamento, tornando-as, na prática, opcionais - o que aumenta o risco de judicialização por potencialmente violar proteções constitucionais aos povos.
Além disso, o OC aponta que os outros 26 segmentos de povos e comunidades tradicionais oficialmente reconhecidos, como geraizeiros, populações de fundo e fecho de pastos, quebradeiras de coco de babaçu, brejeiros e pescadores tradicionais, não são mencionados na lei 15.190/2025 e nem no PL 3.834/25. Isso "deixa de fora da salvaguarda legal diversas comunidades que também podem ser diretamente impactadas por diferentes tipos de empreendimentos", critica o documento, apontando para a necessidade de maior inclusão dos povos e comunidades tradicionais no texto da lei.
Movimento das Mulheres em Marcha, em manifestação contra o PL 2159/21. Foto: Gabriela Biló/Folhapress
Amostragens e autodeclarações
Também chamada de "autolicenciamento" por depender apenas de adesão autodeclaratória dos empreendimentos a parâmetros pré-definidos, a LAC foi parcialmente vetada por Lula no trecho em que previa essa modalidade para atividades de médio potencial poluidor. No novo projeto de lei enviado para o Congresso, foram acrescentados mais limites às autodeclarações.
O governo, porém, manteve a possibilidade de análise por amostragem do Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE), um documento apenas descritivo (o que por si só já havia sido alvo de críticas na época da aprovação do projeto original, em maio) exigido para concessão da LAC - a única exigência. "Ou seja, além de não haver apresentação de estudo ambiental pelo empreendedor, sequer há garantia de leitura dos RCE pela autoridade licenciadora, evidenciando a perspectiva de descontrole ambiental", criticou a nota técnica.
Outro ponto de preocupação apontado pelo Observatório do Clima foi a previsão de vistoria anual também por amostragem por parte da autoridade licenciadora, "o que contraria as boas práticas de fiscalização, inclusive para fins de verificação e adoção de medidas em razão de possíveis impactos ambientais ocorridos".
"É possível que haja uma série de danos ambientais e potenciais desastres por falta do devido acompanhamento e atenção das autoridades públicas", e a "existência de empreendimentos que não serão analisados nem vistoriados em nenhum momento de toda a sua existência", destacou o documento, que apontou ainda o risco de corrupção para que empreendimentos não sejam alvo de análise ou vistoria criteriosa. Para o OC, é necessária a rejeição dos dispositivos que preveem análises de RCE e vistorias por amostragem.
A nota apontou ainda a continuidade, tanto na nova lei quanto no projeto encaminhado pelo governo, da previsão de renovação automática de licença para empreendimentos e atividades de baixo potencial poluidor e pequeno ou médio porte, por meio de declaração eletrônica de atendimento das condições impostas pelos órgãos ambientais.
"O ponto é problemático, pois o 'coração' do licenciamento é justamente a avaliação pelo órgão ambiental licenciador da adequação das medidas adotadas pelo empreendedor, da necessidade de modificação/adequação (ou não) de condicionantes ambientais, ou ainda, da necessidade de suspensão (ou não) da licença", afirmou a nota técnica, apontando para o risco de "declarações falsas ou omissas" e criticando a "crença simplista na boa-fé do empreendedor".
Desconexão entre licenciamento e autorizações municipais
A nota do Observatório do Clima aponta também para a falta de veto ao artigo 17 da lei, que desobriga a apresentação de certidões de conformidade com a legislação relativa ao uso do solo, além de autorizações e outorgas de órgãos que não integrem o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Na prática, isso exclui a exigência de apresentação de outorga de uso de água, por exemplo.
Essa mudança na prática, que hoje obriga a apresentação desses tipos de autorizações, pode dificultar a análise da autoridade licenciadora, "que não conhece, por exemplo, a legislação urbanística de cada município", afirma o documento. "Poderão ser gerados casos de emissão de licença ambiental para empreendimentos inviáveis considerando a legislação urbanística ou o gerenciamento dos recursos hídricos", gerando judicialização pela restrição à instalação e operação por "aspectos que não foram verificados anteriormente" nos processos.
A Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA), organização que reúne secretários municipais de Meio Ambiente de todo o Brasil, divulgou nota repudiando essa alteração. Para a associação, o dispositivo ignora o Estatuto das Cidades, os planos diretores das cidades e a competência municipal para regulamentar o uso do solo. A nota afirma que a nova lei promove um "desmonte do licenciamento ambiental municipal, que inviabiliza a gestão territorial sustentável", e lamentou a falta de veto presidencial ao artigo 17.
Em coluna publicada em ((o))eco, os prefeitos gaúchos Zelmute Marten (PT), de São Lourenço do Sul; Abner Dillmann (PSDB), de Camaquã; e Ronaldo Machado (PP), de Pinheiro Machado; e o diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann, classificaram as alterações propostas pelo, na época, projeto de lei, como "um grave retrocesso federativo e um prejuízo inaceitável aos municípios". Para eles, "a pretensa desburocratização que justifica o texto, esvazia as políticas de desenvolvimento territoriais dos municípios e sobrecarrega sua saúde pública ainda mais".
Amplas dispensas de licenciamento para o agro
O projeto original previa a dispensa de licenciamento para praticamente todas as atividades agrossilvipastoris, com exceção apenas para a pecuária intensiva de médio e grande porte - essas dispensas já foram declaradas inconstitucionais pelo STF até quando as atividades são de baixo impacto.
O presidente Lula vetou apenas o item que previa a dispensa de licenciamento até em imóveis com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente de homologação - veto que a bancada ruralista se empenhará em derrubar. Como essa ampla dispensa já havia sido julgada inconstitucional anteriormente, o Observatório do Clima aponta para a tendência de judicialização desse trecho no STF.
Persistência da redução de responsabilidade das instituições financeiras
O presidente Lula vetou os trechos da lei que diminuíam drasticamente a responsabilidade de controle ambiental pelas instituições financeiras que financiassem atividades que promovessem dano ambiental. Pelo texto aprovado no Congresso, as instituições não seriam penalizadas se exigissem, antes do crédito, a apresentação da licença ambiental. Caso não tivessem exigido, teriam responsabilidade subsidiária sobre os danos (ou seja, só poderiam ser cobrados caso o autor do dano não pudesse arcar com as multas ou não fosse encontrado).
No texto alternativo proposto pelo governo, porém, é retomada a falta de responsabilização caso a instituição cobre a apresentação da licença ambiental. No caso de falta dessa cobrança, a alteração feita é que a responsabilidade passa a ser solidária (ou seja, a cobrança será feita à instituição ao mesmo tempo que ao empreendedor, "na medida e na proporção de sua contribuição para o financiamento").
"Mesmo com esse ajuste de conteúdo, o artigo contraria as boas práticas do setor, que já exige análise e consideração ampla dos riscos ambientais e climáticos dos empreendimentos sob financiamento, bem como contraria jurisprudência de tribunais superiores", critica o Observatório do Clima, que aponta ainda que a exigência de que os contratantes de bens e serviços verificassem o licenciamento ambiental, que constava no projeto original, não foi mantida no projeto encaminhado pelo governo.
A exigência de uma investigação mais ampla do risco ambiental por parte dos bancos ou outras instituições, como é feito atualmente, "não implica substituição dos órgãos ambientais em seu dever de fiscalização, mas sim complementaridade, cabendo às instituições financeiras o seu dever de devida diligência, que inclui, entre outras iniciativas, verificar junto às bases de dados de órgãos públicos competentes o cumprimento das normas ambientais aplicáveis e consequente proteção ambiental, bem como se existem indícios de ilícitos praticados pelas empresas que solicitam acesso a crédito", explica a nota.
Para o OC, o texto sequer deveria tratar de normas gerais sobre responsabilidade civil por dano ambiental, já que isso foge de seu escopo. Esse trecho, portanto, deveria ser rejeitado na tramitação do novo projeto no Congresso, argumenta a nota.
Limitações para estabelecimento de condicionantes ambientais
O projeto original previa que os impactos indiretos dos empreendimentos ou atividades não poderiam ser considerados para a elaboração de condicionantes ambientais, enfraquecendo um instrumento consolidado de compensação de impactos. Além disso, as condicionantes sobre os impactos diretos teriam seu cumprimento atestado apenas por autodeclaração assinada por um "profissional habilitado".
Essas restrições foram vetadas, porém a nova redação do projeto de lei enviado pelo Executivo após os vetos ainda apresenta problemas, segundo a nota técnica. O texto prevê o estabelecimento de condicionantes ambientais proporcionais ao impacto causado, mas com comprovação do "nexo causal" do empreendimento com os impactos. De acordo com o OC, essa exigência "dificulta o estabelecimento de medidas compensatórias pela autoridade licenciadora", trazendo a necessidade de debates "para que não se reduzam as responsabilidades do empreendedor".
Atafona, distrito de São João da Barra, no Rio de Janeiro. Foto: Thiago Freitas
Fragilização do licenciamento na zona costeira
O Observatório do Clima chamou atenção também para a falta de veto ao inciso I do art. 66 da nova lei, que revoga o § 2o do art. 6o do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que prevê (ao menos até a entrada em vigor da nova lei do licenciamento, em fevereiro), a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental e de Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) para atividades que alterem as características naturais da zona costeira.
Sem esse parágrafo, o PNGC "deixa de fazer referência expressa a estudos ambientais requeridos no licenciamento", fragilizando a proteção ao sistema costeiro-marinho, "a região mais degradada e ameaçada do país", com "função essencial para o equilíbrio climático, manutenção dos modos de vida de comunidades e segurança ambiental e alimentar".
Diminuição das áreas de impacto presumido
As áreas de impacto presumido dos empreendimentos estão no anexo da lei e não foram alvos de veto. As regras atualmente são estabelecidas pela Portaria Interministerial 60/2015, mas as distâncias foram diminuídas na nova lei. No novo projeto encaminhado pelo governo constam, em maioria, as mesmas distâncias recentemente aprovadas, mas algumas foram aumentadas (como a área de impacto para implantação de rodovias na Amazônia, que hoje é de 40 km, a lei do licenciamento alterou para 15 km, e o governo propôs voltar aos 40 km, ainda que não tenha vetado esse trecho da lei).
O Observatório do Clima, porém, cita a falta de fundamentação técnica para essas distâncias propostas, inclusive na Portaria Interministerial 60/2015. A organização aponta a necessidade de revogar/suprimir o anexo tanto da lei 15.190/25 quanto do PL 3.834/25, e que prossiga o debate para o estabelecimento de "critérios técnicos que avaliem o impacto real dos empreendimentos/atividades sobre as áreas protegidas", atualizando o conteúdo das regras em vigor.
A batalha pela manutenção ou não dos vetos, assim como para alterações no projeto de lei encaminhado pelo governo com redações alternativas a vários deles, seguirá sendo travada no Congresso. Mas não deve parar por aí, já que, ao que tudo indica, o assunto será levado à discussão no Supremo Tribunal Federal. Segundo a ministra Marina Silva, da forma como foi promulgada, a lei não coloca em risco as metas atuais de desmatamento e redução de gases de efeito estufa, o que era um temor.
"As nossas metas em relação a desmatamento zero e a reduzir entre 59% e 67% de emissão de CO2 estão perfeitamente mantidas", garantiu a ministra na coletiva de apresentação dos vetos, na última sexta. Mas muita coisa ainda poderá mudar nos próximos meses.
https://oeco.org.br/reportagens/vetos-a-lei-do-licenciamento-ainda-deixam-lacunas-mas-estao-na-mira-da-bancada-ruralista/
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