De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

O copo meio cheio e meio vazio dos vetos de Lula ao PL da Devastação

20/08/2025

Autor: Malu Delgado , Córrego da Água Preta, São Paulo

Fonte: Sumauma - https://sumauma.com



Seis integrantes do governo lado a lado numa mesa, sendo quatro deles ministros titulares e substitutos. Transmissão ao vivo pelo YouTube, entrevista coletiva, slides, resumos explicativos. Quem comanda a cena é o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Sidônio Palmeira, sinal de que cuidar da imagem é a maior preocupação. O Palácio do Planalto cercou-se de cautela para anunciar, na sexta-feira, 8, os 63 vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao chamado PL da Devastação, que implodiu o licenciamento ambiental no país. Lula não estava presente, nem os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais). Com a forte reação da sociedade civil contra o projeto e a ausência de um pulso firme do governo contra o texto, durante a tramitação, as ausências também resultam de cálculos políticos.

Ficou exposta ali a delicada ambivalência do governo do petista numa conjuntura de colapso climático, profundo rearranjo geopolítico global, pressão social pela proteção da Natureza e emparedamento do Congresso Nacional. Tudo isso empacotado pela COP30, a Conferência das Partes sobre mudanças do clima, que Lula insistiu em trazer para a Amazônia em novembro - e que sofre abalos não só pelo derretimento do multilateralismo global, mas sobretudo pela inépcia do governo em organizar a logística do evento que acontecerá em Belém.

Ao vetar quase 16% dos 398 dispositivos (considerando artigos, incisos e parágrafos) do texto que o Congresso aprovou com a mão pesada da bancada ruralista, o presidente deu uma resposta parcialmente satisfatória aos movimentos indígenas e quilombolas e aos setores da sociedade que se engajaram na campanha do "Veta, Lula". Sem veto, Lula enterraria as pontes entre o PT e organizações sociais, ambientalistas, indígenas e quilombolas. O presidente tirou do texto o impedimento para que Indígenas e Quilombolas sejam consultados sobre o processo de licenciamento caso estejam em terras não demarcadas ou áreas ainda não tituladas pelo governo federal. Acenou às entidades ambientais e científicas ao barrar o absurdo autolicenciamento de empreendimentos de médio potencial poluidor sem necessidade de nenhum estudo de impacto ambiental, a LAC (Licenciamento por Adesão e Compromisso). Botou um freio na farra de obras rodoviárias sem licença. E apropriou-se, mais uma vez, da imagem da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, como lastro de seu governo na pauta climática para mitigar desgastes.

Parte significativa do PL da Devastação foi sancionada por Lula e virou a Lei no 15.190. A avaliação geral de críticos ao projeto é que os trechos mais nefastos foram retirados pelo petista, mas os riscos de destruição ambiental, em um curto espaço de tempo, persistem.

Lula deixou um caminho aberto para negociar com quem comanda o Congresso hoje, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do União Brasil, a fim de evitar que todos os vetos sejam derrubados. Mas é nessa trilha traçada pela Presidência da República que os especialistas em clima e meio ambiente enxergam uma ameaça iminente.

A decisão política sobre os vetos está longe de encerrar o debate sobre os efeitos da devastação da Natureza e da vida. Isso porque muita coisa vai acontecer nos próximos dias. Alguns vetos serão derrubados - isso é fato, mas ainda é cedo para cravar quais. O Congresso, em sessão conjunta do Senado e da Câmara, num prazo de 30 dias, pode derrubar vetos presidenciais por maioria absoluta - 257 votos de deputados e 41 de senadores. E haverá, sim, judicialização, o questionamento da lei em vigor no Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois lados, ambientalistas e ruralistas, irão ao Judiciário contra o conteúdo final da lei. Isso é outro fato consumado.

LAE, a grande ameaça

A negociação com o Congresso está ancorada na Licença Ambiental Especial (LAE), uma novidade criada na legislação a partir de uma emenda de Alcolumbre. A LAE é uma licença-relâmpago que conta com aval político. Se um governo considerar que a obra é "estratégica", a licença terá que ser célere. No PL da Devastação, a LAE impulsionava a passagem da boiada: aparecia como uma licença monofásica, ou seja, numa tacada só se liberariam a licença prévia, a de instalação e a de operação para um empreendimento de alto impacto ambiental. A BR-319, por exemplo, pode se encaixar numa obra prioritária para a LAE. A perfuração na Foz do Amazonas, a exploração de 34 blocos arrematados no leilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em julho, e a Usina Térmica Brasília (UTE) seriam outros empreendimentos passíveis desse tipo de licença rápida, ainda que de alto impacto e complexidade.

Lula tirou do texto a LAE monofásica - uma exigência de Marina Silva. Mas, por outro lado, disse ao Congresso que a ideia é boa, e reconheceu que de fato há problemas na burocracia do Estado. Para facilitar a conversa com parlamentares hostis, além de conter uma rebelião dentro de seu próprio time, o petista editou uma medida provisória (MP 1308) implementando a LAE automaticamente, com mudanças, sendo as principais a licença em três etapas, necessidade de EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) e o prazo máximo de um ano de deliberação sobre a licença.

Essa MP é também uma vacina contra as divergências dentro do próprio governo Lula: as áreas de energia, mineração e infraestrutura discordam do Ministério do Meio Ambiente e querem que grandes obras sejam aceleradas.

Com a medida provisória, o Conselho de Governo, composto por ministros, vai definir, a cada dois anos, que projetos são estratégicos para a atual gestão. "O processo de licenciamento ambiental especial deve respeitar o prazo máximo de 12 meses para análise e conclusão do processo", define o artigo 5o da medida provisória.

"O conceito de empreendimento estratégico é um processo dinâmico. O estratégico não tem a ver só com analisar pra dizer sim. Tem a ver com analisar também para dizer não", tentou minimizar a ministra Marina Silva no dia do anúncio. As mudanças climáticas devem guiar o conceito do que é estratégico, salientou a ministra.

"A LAE não deveria existir. É um conceito equivocado. Deveria ter sido vetada na íntegra, sem texto alternativo", disse a SUMAÚMA Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidenta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Para ela, faz parte do jogo o governo querer definir quais projetos e obras considera prioritários. "O que incomoda mais é essa prioridade implicar redução do rigor do processo de licenciamento. Isso é inaceitável. Esses empreendimentos são potencialmente impactantes, tanto é assim que na medida provisória se exigem estudos de impacto ambiental para tudo", explica ela. Em projetos de alto impacto, como uma hidrelétrica ou exploração de petróleo, exemplifica, é "absolutamente inviável" fazer as análises de todas as etapas - prévia, de instalação e de operação - em apenas um ano, diz ela. Segundo a nota técnica do Observatório do Clima, divulgada após os vetos, "na prática institui-se um licenciamento por pressão política".

Gabriela Nepomuceno, especialista de políticas públicas do Greenpeace Brasil, pontua que o Supremo Tribunal Federal já considerou inconstitucional a licença simplificada para empreendimentos de grande impacto. "O perigo está em que decisões políticas poderão atender a interesses de grandes grupos econômicos e interesses privados, antes que o interesse público", resumiu a especialista, em nota técnica sobre os vetos. O texto da medida provisória sobre a LAE, para o Greenpeace, permanece subjetivo e não há garantia de licenciamento trifásico na prática, "embora o governo tenha tentado retirar do texto o caráter monofásico da LAE".

No ano da COP30, o Brasil pode assistir, com a LAE, a uma explosão de projetos de alto impacto ambiental, cedendo ao lobby de grandes petroleiras e mineradoras, alertou o Instituto Internacional Arayara. Além da exploração de petróleo na Foz da Bacia do Amazonas, o instituto ressalta que "a LAE viabiliza projetos de exploração de urânio, grandes empreendimentos minerários e termelétricas, todos alinhados a interesses políticos e econômicos, inclusive do próprio governo". Segundo estudos do Instituto Arayara, mais de 2,6 mil empreendimentos fósseis podem ser enquadrados como estratégicos pelo governo.

Na segunda-feira, 11, advogados de 28 entidades que atuam na área ambiental se reuniram para avaliar medidas jurídicas cabíveis contra o texto sancionado pela Presidência da República e a medida provisória editada por Lula. A decisão, por ora, é aguardar um pouco mais a evolução do cenário sobre a derrubada dos vetos no Congresso para só então acionar o Supremo.

A nova batalha no Congresso

Com a força da bancada ruralista, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o governo sabe que o espaço de negociação no Congresso é estreito. No entanto, a implantação imediata da LAE e outros gestos podem ajudar na composição de um acordo, fiado por Davi Alcolumbre. Em entrevista à Rádio Câmara, o deputado federal José Vitor, do PL de Minas Gerais, relator do PL da Devastação, admitiu que as conversas com o governo já estão em curso.

"Alguns vetos já eram imaginados. Por uma questão regimental e técnica, os textos da Câmara e do Senado não casavam, o que poderia gerar ambiguidades. Alguns pontos nós mesmos havíamos sugerido ao governo que viessem em forma de projeto de lei", explicou o parlamentar. Numa outra costura política, o governo Lula enviou ao Congresso um projeto de lei com urgência constitucional (PL 3834/2025), que propõe ajustes aos trechos que foram vetados pelo presidente. O que é urgente tem prioridade na pauta de votação.

Do mesmo partido de Jair Bolsonaro, Zé Vitor é considerado pelos governistas um político da direita com quem é possível conversar. Os vetos, disse ele, são resultado de um processo natural na política, assim como a derrubada deles.

O deputado adiantou pelo menos quatro pontos que o presidente vetou e a bancada ruralista quer derrubar. O principal é uma briga de foice: dar autonomia a municípios e estados nos processos de licenciamento. O governo federal considera esse um ponto fundamental, pois o ordenamento legal deve ter como base as regras da União. As decisões locais estão sujeitas a pressões políticas ainda maiores, sem fiscalização adequada do Ibama.

Um outro possível veto já discutido entre a bancada ruralista também é extremamente sensível: retomar o texto original do PL da Devastação para tirar a participação dos povos indígenas e quilombolas nos processos de licenciamento, caso as obras a serem licenciadas estejam em áreas não demarcadas ou não tituladas, ainda que elas tenham sido reconhecidas por laudos antropológicos como territórios tradicionais e estejam em processo de demarcação. "Toda comunidade indígena e quilombola devidamente reconhecida será consultada. Se a área não é indígena, por que a Funai precisa se manifestar?", indagou o relator do PL da Devastação na Câmara, sem considerar a lentidão dos processos de demarcação no país.

A proteção do que resta da Mata Atlântica, que Lula assegurou com um dos vetos, é outro ponto que pode ser derrubado pelos congressistas. Além disso, José Vitor citou o veto que aborda o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Os apoiadores do PL da Devastação querem que as propriedades que ainda não tenham o CAR homologado possam conseguir licença. Mas o CAR é um instrumento autodeclaratório, ou seja, uma pessoa que se autointitula dona da terra pode cadastrar no sistema um local como sendo sua propriedade, mesmo que ela esteja sobreposta a áreas indígenas ou unidades de conservação, por exemplo. É a homologação do CAR que garante que aquele registro não tem irregularidades.

"O veto à dispensa do CAR mitiga os riscos da ausência de análise sobre o registro em casos de atividades que se sobreponham a áreas sensíveis, como no caso das florestas públicas não destinadas, que representam cerca de 56 milhões de hectares da Amazônia", apontou nota técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Os técnicos do instituto enfatizaram que "o modus operandi da grilagem nesses territórios envolve registros fraudulentos no CAR como forma de simular a posse da terra" e, com o veto de Lula à proposta do Congresso, apenas proprietários com CAR analisado pelo governo poderão ser dispensados de licenciamento. Os ruralistas, entretanto, querem retomar a dispensa do CAR.

Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) disse a SUMAÚMA que a partir de agora o governo precisa monitorar muito de perto as conversas com os congressistas para evitar a derrubada dos vetos. "É preciso construir um diálogo com a Frente Parlamentar da Agropecuária. Se não tiver diálogo com eles, ir para o pau não dá", admitiu o petista. O deputado considerou os vetos de Lula positivos, mas afirmou ter preocupações com a medida provisória da LAE, caso seja desfigurada pelo Congresso. Até segunda-feira, 18 de agosto, já tinham sido apresentadas 833 emendas ao texto da medida provisória. Sinal de que a batalha será duríssima. Nilto Tatto elogiou o empenho do Ministério do Meio Ambiente para que alternativas à lei geral do licenciamento sejam novamente apreciadas pelo Congresso.

Novo extrativismo ambiental

O PL da Devastação, segundo o professor Jean Carlos Hochsprung Miguel, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp), foi aprovado no pior contexto político que se pode imaginar, tanto interno quanto externo. Especialista em mudanças climáticas e transição energética, Jean Carlos afirma que a mudança das regras de licenciamento ambiental jogam uma "fumaça tóxica" na frágil governabilidade de Lula num momento em que o Executivo está "de cabelo em pé com o tarifaço imposto por [Donald] Trump, o Supremo recebe chumbo de todos os lados" e o Congresso teve as atividades interrompidas e a legitimidade testada por bolsonaristas amotinados.

O texto que ataca o licenciamento ambiental e que virou lei - mesmo amenizado por Lula - tem o objetivo direto de beneficiar o setor do agronegócio brasileiro, observa o professor, mas também se trata de algo "muito maior e para o que se dá pouca atenção: a transição energética e a mineração". "Tudo o que está colocado aí tem a ver com os projetos de lavras minerais e minerais críticos do Brasil. Grande parte desses minerais está em terras que precisam de EIA/Rima [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental] e de licenciamento", explica Jean Carlos.

Está em curso um processo global de transição energética, diz o professor da Unicamp, em que se espera uma transformação estrutural do sistema energético global, hoje baseado no uso de combustíveis fósseis. Para emitir menos carbono, em especial no setor de transportes, o mundo traça uma "transição intensiva por mineração", afirma. "E por quê? A bateria de um carro elétrico, por exemplo, é feita de lítio. Você descarboniza o automóvel tirando o combustível fóssil dele ou com biomassa ou com bateria elétrica. Lítio é um mineral crítico, que vários países têm demandado a extração", observa.

É por isso, segundo o especialista em transição energética, que a pressão no Congresso em favor do PL da Devastação transcende os interesses do agronegócio e envolve setores ligados direta ou indiretamente à mineração. "Como é que novos projetos de mineração podem ser abertos no país a toque de caixa?", pergunta ele. Somente com o desmonte do licenciamento ambiental, responde. "O Ministério de Minas e Energia e as instituições geológicas, todos querem a desburocratização desses projetos." O PL da Devastação, explica o especialista, tem uma conexão muito clara com uma nova fase do extrativismo ambiental renovado.

A grande contradição é que a transição energética tem como objetivo a descarbonização e a mitigação das mudanças climáticas. "E vamos abrir campos de mineração porque precisamos impulsionar a transição energética do transporte? Para isso, vamos desmatar mais, criar mais impactos ambientais, ferir os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e aumentar os conflitos com comunidades tradicionais", prevê Jean Carlos.

"Todos os empreendimentos minerários podem se encaixar na LAE", alerta Suely Araújo, do Observatório do Clima, se o governo brasileiro os considerar estratégicos.

Para Lula, o petróleo ainda é nosso

Além do risco com o avanço acelerado de projetos de extração de minerais críticos que causam alto impacto ambiental, o cientista político Eduardo Viola, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), explica que é preciso entender uma mudança de rumo no mundo que ocorre a partir de 2022, com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

"Tinha havido uma pausa em investimentos em petróleo, das grandes corporações privadas do Ocidente, que durou de 2018 a 2021. Nesse período, se avançou muito a mentalidade da descarbonização. Havia uma opinião pública crescente contrária à exploração do petróleo no mundo. Quem estava à frente disso era a União Europeia. A partir da guerra na Ucrânia muda tudo", diz Viola. O pesquisador, que atua na área de governança climática e política internacional e é também professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, explica que as guerras, o militarismo e o nacionalismo são ideias que se sobrepõem, na mente das elites políticas, à necessidade de uma transição energética. Impera a lógica da segurança nacional e energética.

"As forças do petróleo e do gás estão hoje em situação ofensiva. Essa é a realidade, que é fundamental. As forças a favor da exploração na margem equatorial são muito mais fortes do que as forças a favor da descarbonização. Não teria dúvida de que vai ser aprovada a exploração na Foz do Amazonas, pela correlação de forças no Brasil e pelo contexto internacional", afirma Viola. A abertura de novos campos de petróleo está acontecendo em todo o mundo - e parte significativa do governo Lula usa isso como argumento, observa o professor.

O presidente Lula, diz o pesquisador da USP, tem um comprometimento ambiental ambivalente. "Lula é totalmente comprometido com a exploração de petróleo. Ele tem a mentalidade do petróleo é nosso, de a Petrobras ser o símbolo da grande unidade nacional e da soberania. Essa sempre foi a mentalidade dele. Mas tem um compromisso forte, hoje, com a proteção da Amazônia e com o controle do desmatamento. Acho que isso é verdadeiro e que ele entende melhor isso."

Com o quadro trágico global que se aprofunda no ano da COP30, Eduardo Viola vê possibilidade de o governo brasileiro também investir num plano nacional para a exploração de minerais críticos, como já sinalizou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. "Há concentração de minerais críticos na China, a Rússia tem reservas gigantescas, existe interesse do governo norte-americano no tema, e o Brasil é também uma importante reserva desses minerais no mundo", diz Viola.

'Tema ambiental está fora do sistema político'

Considerando que o PL da Devastação era "claramente regressivo", os vetos parciais de Lula foram "razoavelmente bons" na visão da cientista política Maria Hermínia Tavares, pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Porém, a decisão da Presidência da República, segundo a também professora emérita do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), não reflete uma decisão clara do atual governo de caminhar em direção ao desenvolvimento sustentável. Essa clareza em relação à pauta ambiental, sustenta Maria Hermínia, não existe "no PT nem no Lula".

"O tema ambiental não está construído dentro do sistema político e dos partidos. Já foi [uma pauta] mais exógena, mas ainda não tem força. Poucas pessoas falam dela no Parlamento, e a maioria do Congresso é muito hostil ao tema ambiental", afirma a pesquisadora do Cebrap. A ministra Marina Silva, diz Maria Hermínia, construiu sua liderança internacional na área ambiental fora do sistema político, mas seu limite de influência no governo é baixo.

"Lula é uma liderança política porque ele tem a capacidade de compor quando a divergência é grande, e com grupos que divergem entre si. Toda vez que ele precisa mostrar que está fazendo alguma coisa na área ambiental ele chama a Marina. Mas a ministra não tem força construída dentro do sistema político."

A ofensiva de Trump e o ataque dos Estados Unidos ao Brasil com a imposição de elevadas tarifas de exportação aumentam a confusão geopolítica, criando um quadro gravíssimo para Lula driblar. E isso vai afetar a COP30, na opinião da cientista política, já que, com a guerra comercial e fortes abalos a setores econômicos do Brasil, o governo vai focar na agenda geopolítica. "Essa ofensiva do Trump deixou de lado questões importantes, inclusive a COP. O mundo está girando em torno desse ataque internacional, que é gravíssimo. Isso diminuiu um pouco o espaço da COP e vai tirar a oportunidade para o Brasil brilhar com uma agenda positiva."

O governo Lula foi obrigado a encarar as consequências do PL da Devastação após a pressão da sociedade pela proteção ambiental, mas segue com "um forte componente desenvolvimentista, a velha ideia de que o progresso econômico justifica qualquer coisa", pontua a pesquisadora. A pressão para "desfibrar o licenciamento ambiental" é fortíssima, diz Maria Hermínia, e um marco legal para proteger a Natureza não resolve tudo.

Para além da lei, o Estado precisa dar respostas efetivas, evitar invasões, fiscalizar, punir, driblar burocracias, demarcar Terras Indígenas, titular territórios quilombolas e, principalmente, oferecer políticas públicas e alternativas econômicas para as pessoas que vivem na região amazônica. "A gente acredita que quase tudo se resolve por lei. Mas na questão ambiental tem um problema que vai além: a capacidade do Estado de implementar a lei e de garantir que a lei tenha realidade efetiva. Isso fica no ar."

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