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Desintrusão na TI Kayapó deixa promessas e incertezas

28/08/2025

Autor: Giovanny Vera

Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br



Cuiabá (MT) - "Eu quero que você bote no jornal e jogue para o Brasil todo: é para continuar e mandar a Polícia Federal tirar esses garimpeiros que estão no mato escondidos aí, tá?", pede o cacique Ireô Kayapó à Amazônia Real. Três meses depois do início do processo de desintrusão, a população da Terra Indígena (TI) Kayapó, no sul do Pará, começa a ver sinais de melhoria, sentimento que se mistura à desconfiança e à incerteza. "Tem que tirar o garimpeiro todo da área. Se não, volta o mercúrio, volta a água suja, volta a doença", alerta o líder, cuja lembrança das crianças já contaminadas pelo metal pesado não sai da memória. "O mercúrio já corre no sangue do nosso povo."

A operação de desintrusão, coordenada pela Casa Civil e pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), é a maior já realizada na TI Kayapó. A ação ocorreu após uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) e resultou na destruição de 967 barracos e 25 escavadeiras, com um prejuízo estimado em 97,3 milhões de reais para o crime organizado.

Cidades vizinhas da TI, como Bannach, Cumaru do Norte, Ourilândia do Norte, São Félix do Xingu e Tucumã, também foram incluídas na desintrusão, ação que transcorreu entre maio e julho. Reuniões realizadas em algumas dessas cidades, antes e durante a operação de remoção dos invasores, resultaram em compromissos para enviar recursos emergenciais e projetos de desenvolvimento sustentável. Mas, segundo a liderança Xerê Kayapó, presidente da Associação Angrôkrere-Mebengôkre, nada chegou às aldeias. "Prometeram resposta em 15 dias. Até hoje nada. A comunidade está passando necessidade, sem apoio nenhum."

Não é só pelo temor de uma volta dos garimpeiros que as lideranças estão preocupadas. É que, sem alternativa econômica, o ciclo das invasões pode voltar rapidamente. "Tinha comunidade envolvida com atividade ilícita, e foram impactados com o garimpo, e agora eles não têm mais esse ingresso; e o governo, que tinha oferecido apoio para projetos, não dá informações", diz Pàtkôre Kayapó, presidente da Associação Floresta Protegida.

A TI Kayapó historicamente sofre com os invasores, que saqueiam as riquezas do solo e subsolo. Em seus 3,2 milhões de hectares, ela abriga o povo Mebêngôkre-Kayapó e o grupo de indígenas isolados do Rio Fresco, somando uma população aproximada de 6 mil pessoas. No entanto, de acordo com a plataforma MapBiomas em seu Factsheet Mineração e Água, o território carrega a triste marca de campeão por ter a maior área de garimpo ilegal acumulada, com 19.015 hectares detectados em 2024, em um constante aumento desde 2012. A TI também é um dos territórios com maior desmatamento no país, segundo o MapBiomas.

A desconfiança persiste

Akjaboro expressa descrença, se nada for feito depois da desintrusão: "Emanciparam a gente, mas não deram nada em troca. Eu cresci na floresta, virei cacique, virei líder nacional. Mas hoje preciso de comida, saúde, moradia. O governo não entrega. Só fala."

O que está em jogo não é apenas a preservação da floresta, mas também a dignidade de milhares de famílias Kayapó. As necessárias operações do governo federal enfraqueceram o garimpo ilegal, porém abriram um vazio que, se não for preenchido com alternativas sustentáveis, pode levar à retomada das atividades predatórias.

Sandro Kayapó sintetiza o dilema: "Se o governo tem dinheiro para operação, o governo tem dinheiro para o Ibama. E nós? Nós somos os verdadeiros guardiões da floresta. Que valor a gente tem para o governo numa hora dessas?" Segundo ele, embora a maioria da comunidade não estivesse diretamente envolvida com o garimpo, todos sofrem com a dependência da renda que a atividade gerava. "O garimpo era dinheiro rápido para alguns. Agora, sem ele e sem alternativa, todos estão sem nada."

Quando o garimpo vai embora, parte de uma relação informal vai junto. Antes os garimpeiros faziam favores aos Kayapó, como levar alimentos, suprir combustível, evacuar uma pessoa doente. Essa ajuda cessou. Os indígenas agora estão desassistidos pelo governo, sem combustível, veículos e profissionais.

Sandro cobra políticas públicas voltadas para as comunidades indígenas se desenvolverem, mediante mecanismos de subsídio para as atividades de subsistência e de geração de renda. "É isso que as lideranças das comunidades estão pedindo, apoio para fazer suas roças, melhorar suas atividades, agricultura familiar, ecoturismo, explorar atividades que lhes permitam melhorias no dia a dia." Entre as promessas do governo estaria a construção de uma base de vigilância.

Enquanto as respostas e os recursos não chegam, a pressão permanece na TI Kayapó. As lideranças admitem que parte da comunidade pode voltar a se envolver com atividades ilegais por pura necessidade. "Eu não posso pedir para eles pararem, eles vão me cobrar. E eu não tenho dinheiro para ajudar eles", diz o cacique-geral Akjaboro. "E sem apoio, eles voltam para o garimpo, não porque querem destruir, mas porque precisam comer."

As comunidades já fizeram um levantamento de alternativas, entre elas estão o crédito de carbono, projetos de turismo de base comunitária, fortalecimento da agricultura familiar e o incentivo à produção de cacau e açaí. Mas nada disso sairá sem uma ajuda oficial.

Sem consulta

Os Kayapó andam desconfiados, porque o próprio processo de desintrusão foi feito sem o consentimento dos indígenas. Akjaboro Kayapó afirma que a comunidade não sabia da operação, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que garante a consulta livre, prévia e informada. "Foi por cima disso que o governo e o STF combinaram para fazer a desintrusão. Assim que eles fizeram a operação, mas não avisaram a gente antes, quando foram feitos os planejamentos."

A ação de desintrusão ocorreu após uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) decorrente da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em 2020.

Sandro Kayapó conta que participou em Brasília, junto com outras lideranças, de uma reunião com o governo federal antes do começo da desintrusão, onde só lhes foram apresentadas informações sobre a ação, mas que não foi realizada uma consulta ao povo, apesar de que a terra indígena conta com um protocolo de consulta lançado em dezembro do ano passado. Em resposta, o MPI declarou que o planejamento das operações de desintrusão é realizado em caráter sigiloso, baseado na ADPF 709.

O que dizem as autoridades

Em nota enviada à Amazônia Real, a Funai afirma que atividades pontuais já estão em execução na TI Kayapó. Neste mês de agosto, em uma iniciativa organizada pela Associação Floresta Protegida, o governo apoiou a abertura da temporada de turismo em aldeias Kayapó, com visitantes participando de expedições de etnoturismo.

Outro exemplo foi a aprovação do projeto "Apoio à Produção Sustentável de Alimentos", com foco no fortalecimento das roças tradicionais Kayapó. A proposta busca recuperar áreas degradadas, garantir segurança alimentar e comercializar excedentes em mercados regionais. No entanto, essas ações ainda estão em estágio inicial. Segundo a autarquia, já foram destinados cerca de 2 milhões de reais em 2025 para ações de etnodesenvolvimento, inclusos os eixos de cadeias produtivas, proteção territorial, cultura, saúde e educação.

O MPI, em nota, ressalta que a desintrusão foi apenas a primeira etapa de um processo maior, e que desde o início da operação entregou 9.500 cestas de alimentos nas aldeias. Além disso, instituiu o Programa de Consolidação da Posse Indígena (PCPI), para fortalecer a vigilância comunitária, melhorar a infraestrutura básica das aldeias, apoiar atividades produtivas sustentáveis e assegurar o usufruto exclusivo do território pelos Kayapó. O ministério também destaca que a TI Kayapó está entre as 15 beneficiadas pelo projeto Ywy Ipuranguete, destinado a financiar iniciativas de conservação da biodiversidade em territórios indígenas.

O cacique-geral Akjaboro Kayapó decidiu esperar. Ele avalia como positivo o resultado da desintrusão até o momento. Para ele, a vida no território melhorou porque já não há mais a pressão dos garimpeiros. Até o meio ambiente dá sinais de recuperação. "Hoje nós temos cultura, todo mundo está indo para a aldeia, para festa. Temos água limpa que tem muito peixe, e que nós estamos comendo." Durante a operação houve redução de 96% nos alertas de garimpo e 95% nos alertas de desmatamento.

Ireô Kayapó também não esconde o entusiasmo com a rápida transformação que têm presenciado. "Á água é limpa, é muito peixe subindo aqui. A aldeia maior que pertence ao Rio Fresco, tá achando muito bom. Então, acho que é muito melhor o governo continuar batalhando", solicita.

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