De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Saúde e saneamento são demandas ainda pouco atendidas de povos indígenas - mas há mudanças à vista

08/09/2025

Autor: Naiara Bertão

Fonte: Um só Planeta - https://umsoplaneta.globo.com/



Saúde e saneamento são demandas ainda pouco atendidas de povos indígenas - mas há mudanças à vista
Crise no território dos Yanomami exigiu ação conjunta e esforços redobrados. Neste final de semana foi inaugurado o Centro de Referência em Saúde Indígena (CRSI Xapori Yanomami)

Imagens de pessoas do povo Yanomami subnutridas circularam e chocaram o Brasil - e o mundo - em 2022. O avanço do garimpo ilegal na terra indígena Yanomami, em Roraima, que cresceu 3.350% entre 2016 e 2021, levou fome e subnutrição às crianças, disseminou doenças como a malária, provocou contaminação por mercúrio e acirrou casos de violência e exploração sexual na região. Em 2022, o índice de subnutrição severa entre as crianças Yanomami era de 52%, bem acima da média global daquele ano (29%).

Desde então, o cuidado com a saúde indígena passou a ser uma das prioridades do Ministério da Saúde. "A emergência Yanomami mobilizou mais de 1.800 profissionais, ampliamos de 4 para 47 o número de médicos atuando na terra Yanomami", afirma Ricardo Weibe Tapeba, secretário da Saúde Indígena.

Para garantir o monitoramento contínuo da situação, foi criado um Centro de Operações de Emergência dentro da própria terra Yanomami. O centro emite relatórios periódicos e, segundo o secretário, já é possível observar uma queda na mortalidade infantil. "A malária ainda exige atenção, mas as mortes diminuíram. Antes, não havia assistência, e com a busca ativa os números subiram - agora temos maior capacidade de resposta. Trabalhamos também com o Itamaraty, pois há casos importados da Venezuela", destaca Tapeba.

Apesar dos avanços, a saúde indígena no Brasil ainda enfrenta gargalos estruturais. Há ausência de infraestrutura em muitas aldeias, dificuldades logísticas para deslocamento e falta de acesso a serviços especializados. No caso dos Yanomami, por exemplo, o território é grande - de cerca de 10 milhões de hectares - e 98% do acesso às aldeias, onde vivem 33 mil indígenas, é apenas possível por transporte aéreo.

"Estamos falando de 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), que operam dentro de um subsistema do SUS voltado exclusivamente à saúde indígena. No entanto, muitos territórios vivem situações extremas - como contaminação da água por mercúrio, garimpo, pesticidas - e não têm sequer acesso a saneamento básico, energia elétrica ou conectividade", explica Tapeba.

Criada em 2010, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) atende mais de 762 mil indígenas que vivem em aldeias em todo o Brasil. Segundo Tapeba, a secretaria conseguiu reverter um corte significativo de orçamento nos últimos dois anos e espera chegar em breve a R$ 3 bilhões por ano. "Ainda assim, esse valor é insuficiente diante da realidade vivida nos territórios", afirma.

Ele ressalta que os desafios vão desde logística complexa até falta de saneamento básico, energia elétrica e conectividade. Segundo o secretário, foram realizadas nos últimos anos 570 obras, incluindo reformas, ampliações e construções de unidades de saúde (86) e estruturas e ações de saneamento (484).



Uma novidade foi a inauguração, neste último fina de semana, do novo centro de referência de saúde indígena do território Yanomami. Além do atendimento primário, haverá serviço de assistência especializada, o que é uma novidade. Este é o primeiro hospital de referência em saúde indígena do Brasil e a previsão pe atender cerca de 60 comunidades do território, alcançando aproximadamente 10 mil pessoas.

A Saúde Indígena é responsável apenas pelo atendimento primário desta população. Em Roraima, o Hospital das Clínicas também já dedica um bloco inteiro, com R$ 50 milhões de orçamento do SUS, exclusivamente para o atendimento da população indígena.

Além disso, para tratar especificamente a problemática da contaminação por mercúrio, a pasta está finalizando o projeto do Centro de Referência para Exposição ao Mercúrio (CREPAN), cujo lançamento está previsto para ser na conferência do clima da ONU, a COP30, que acontecerá em Belém (PA), em novembro. "O centro atenderá comunidades da bacia do Tapajós, no Pará, onde já há registros de crianças nascendo com sequelas neurológicas por contaminação", explica o secretário.

A Secretaria da Saúde Indígena também está testando o primeiro Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) indígena em Dourados (MS), além de organizar expedições de saúde para locais de difícil acesso, como Benjamin Constant (AM), com oferta de exames, cirurgias e consultas especializadas, com apoio de hospitais universitários da região amazônica. Segundo o secretário, também serão adquiridas carretas para levar saúde móvel a aldeias de todo o país.

"Nosso foco é construir uma política mais resolutiva e integrada nos territórios. Queremos garantir não apenas presença física, mas efetividade do atendimento - inclusive com médicos especialistas, laboratórios portáteis e redução do deslocamento das comunidades para exames ou tratamentos", afirma Tapeba.

Em âmbito nacional, o governo estrutura ainda um Programa Nacional de Medicinas Indígenas, para valorizar e integrar os conhecimentos tradicionais ao SUS. "É um projeto estratégico diante da polarização global entre modelos de saúde da China e Índia - o Brasil precisa ocupar esse espaço com sua própria sabedoria ancestral", afirma Tapeba.

Gargalos e soluções: saneamento e conectividade
A falta de saneamento básico e acesso à água tratada está por trás de uma série de doenças e enfermidades nos territórios. Hoje, cerca de 70% dos territórios indígenas não contam com saneamento básico. "É impossível universalizar o acesso à água potável até 2033 apenas com a estrutura da SESAI. Estamos desenvolvendo o Programa Nacional de Saúde Indígena, articulando com entes federados e ministérios, para garantir acesso à água potável e estrutura básica de atendimento", comenta o secretário de Saúde Indígena.

A cooperação técnica com o Ministério do Desenvolvimento Social também prevê R$ 20 milhões para implantar sistemas de abastecimento de água no semiárido. "Estamos desenvolvendo, com apoio de instituições, uma plataforma de monitoramento da qualidade da água e saneamento nos 34 DSEIs. Isso vai nos permitir mapear contaminações por metais pesados e priorizar ações", diz o secretário.

Conectividade - A melhora do atendimento à saúde indígena também está relacionada também ao acesso à energia elétrica barata e conectividade. Com o apoio de outras pastas, como o Ministério de Minas e Energia e o Ministério do Desenvolvimento Social, a SESAI tem articulado, por exemplo, a instalação de sistemas de energia solar e abastecimento de água, especialmente em áreas remotas e no semiárido. Segundo o Tapeba, está prevista a implementação de sistemas de energia solar fotovoltaica em escolas e unidades de saúde indígenas, o que deve reduzir custos com combustível em áreas de difícil acesso e permitir a operação contínua dos serviços.

Com apoio da Secretaria de Saúde Digital, foram instalados ainda mais de 700 pontos de conectividade em territórios indígenas e, atualmente, 24 DSEIs já operam com telemedicina, em parceria com universidades e hospitais universitários.

O acesso à energia e internet permite, por exemplo, atendimentos remotos e o uso de inteligência artificial para a detecção precoce de doenças. Alguns desses programas estão sendo desenvolvidos através do Proadi-SUS - programa que permite a hospitais de excelência reverterem parte de tributos em projetos estruturantes do SUS.

O Hospital Albert Einstein, por exemplo, apoia o projeto Vigilância Ambiental e Saúde Indígena (VIGIAMBSI) em parceria com o Ministério da Saúde. A ideia é integrar dados de saneamento e saúde dos 34 DSEIs em uma única plataforma, o que deve contribuir para reduzir a mortalidade infantil e ampliar o acesso à água potável nas comunidades.

"Por meio da colaboração entre SESAI, DSEIs, lideranças de comunidades indígenas e equipe técnica do Einstein, o projeto tem o potencial de aprimorar o planejamento de ações e políticas públicas de saúde para melhorar esse cenário", comenta Sidney Klajner, presidente do hospital.

Durante a 366ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), realizada em maio, Marília Freire, presidente do Coletivo Feminista Humaniza, destacou que mulheres indígenas no Amazonas muitas vezes não são reconhecidas como indígenas no sistema de saúde, sendo classificadas como pardas. Essa distorção nos registros dificulta a produção de dados específicos, prejudicando a elaboração de políticas públicas adequadas e o atendimento às necessidades dessas populações.

No mesmo evento, Aline de Oliveira Costa, diretora do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência (DAHU), da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (Saes), acrescentou que a adoção de estratégias diferenciadas é essencial, uma vez que a mortalidade materna é mais elevada entre mulheres pretas e indígenas.

Segundo o presidente do Einstein, iniciativas como essa também reforçam a missão institucional de "levar saúde onde ninguém chega", com ciência e escuta ativa. "O Einstein tem a missão de oferecer vidas mais saudáveis para um número cada vez maior de seres humanos. E isso passa, necessariamente, por estar presente nas áreas mais vulneráveis do país, com respeito e com ciência."

Outro projeto que a instituição está começando é a "Jornada Materno Infantil e Prevenção do Câncer do Colo do Útero", do Hospital Albert Einstein com a SESAI e o Proadi-SUS, visando melhorar o acesso e a qualidade da saúde de mulheres e crianças indígenas. Segundo Klajner, o foco está na prevenção do câncer do colo do útero, no cuidado pré-natal e na redução da mortalidade materno-infantil. A iniciativa busca integrar comunidades indígenas, DSEIs e técnicos do hospital para fortalecer políticas públicas e combater desigualdades nos indicadores de saúde dos povos originários.

"Quando olhamos para os números da mortalidade materna, a gente precisa considerar o fator de deslocamento, de acesso. Uma indígena pode levar dois, três dias de barco até conseguir chegar a um hospital", afirma Sidney Klajner, presidente do Einstein. Para ele, o foco precisa estar em prevenir a complicação, e não apenas tratá-la.

Segundo o secretário de Saúde Indígena, a pasta é responsável apenas pelo atendimento primário desta população, mas as especialidades são igualmente importantes. Por isso, um dos eixos do trabalho do Einstein na Amazônia é a formação de agentes locais para identificar riscos, como febre e pressão alta em mulheres grávidas A partir daí, conseguem acionar o sistema de saúde e evitar complicações e até a morte de mães e fetos.

O Hospital Moinhos de Vento tem investido também na capacitação de profissionais indígenas para atuarem diretamente em seus territórios. A meta é formar 2.900 Agentes Indígenas de Saneamento (Aisan), responsáveis por promover a saúde e prevenir doenças com foco em saneamento básico e ambiental nas comunidades indígenas, além de qualificar 128 técnicos de saneamento que atuarão nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).

Por sua vez, o Hospital Sírio-Libanês está desenvolvendo estratégias voltadas ao cuidado remoto e à atenção a doenças crônicas. Uma das prioridades é estruturar o fluxo de entrada de indígenas nas filas de média e alta complexidade do SUS, ao mesmo tempo em que busca um modelo eficiente de atenção às condições crônicas com o uso de soluções digitais. A tecnologia, portanto, é fundamental para o avanço do atendimento e acesso à saúde indígena.

"Pela primeira vez, a SESAI conseguiu incluir a saúde indígena no escopo do Proadi-SUS", comenta o secretário de Saúde Indígena. "Hoje, temos quatro projetos em execução, com apoio dos hospitais Moinhos de Vento, Sírio-Libanês e Albert Einstein, e o montante de recursos chega a quase R$ 100 milhões", acrescenta.

https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2025/09/08/saude-e-saneamento-sao-demandas-ainda-pouco-atendidas-de-povos-indigenas-mas-ha-mudancas-a-vista.ghtml
 

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