De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Redes de sementes impulsionam restauração florestal no Brasil

12/09/2025

Autor: Kevin Damasio

Fonte: Dialogue Earth - https://dialogue.earth/pt-br/florestas/redes-de-sementes-impulsionam-restauracao-fl



Redes de sementes impulsionam restauração florestal no Brasil
Plano nacional aposta em coletores de sementes nativas para ajudar o país a restaurar 12 milhões de hectares até 2030

Kevin Damasio na floresta amazônica
Setembro 12, 2025

Ao entrar na floresta amazônica de seu território, Rariane Suruí hoje a enxerga com novos olhos. Mais do que fonte de alimento, matéria-prima para o artesanato e pilar da vida espiritual, árvores como o pinho-cuiabano, jatobá, tento-vermelho e cumaru tornaram-se também guardiãs de sementes para a restauração do bioma ameaçado.

Há um ano, Suruí e outros 30 moradores da aldeia Apoena Meirelles, na porção mato-grossense da Terra Indígena Sete de Setembro, passaram a integrar a Rede de Sementes da Bioeconomia Amazônica (Reseba).

Criada em 2021, a Reseba reúne 620 coletores de territórios indígenas, comunidades quilombolas, reservas extrativistas, além de agricultores familiares de Rondônia e Mato Grosso. Desde então, comercializou 84 toneladas de sementes, gerando R$ 1,5 milhão em renda direta, e forneceu insumos a iniciativas como o Paisagens Sustentáveis da Amazônia, programa federal que recuperou 500 hectares em fazendas de Rondônia em 2024.

A cada nova encomenda, os indígenas Suruí partem em expedições que podem durar até duas semanas. Geralmente recolhem sementes caídas no chão ou em árvores mais baixas próximas à aldeia, mas não raro precisam se embrenhar na mata fechada e até abrir trilhas para encontrá-las. "Ganhei um novo conhecimento da floresta", disse Suruí ao Dialogue Earth.

Sacos com sementes de caju, olho-de-cabra, cumaru e outras plantas encontradas na Amazônia

Sacos com sementes de caju, olho-de-cabra, cumaru e outras plantas encontradas na Amazônia. Coletores vendem sementes por meio de redes e geram renda para suas comunidades (Imagem © Jonathan Molino / Ecoporé)

Inicialmente voltada a apoiar projetos de restauração da organização Ecoporé, a Reseba rapidamente se consolidou como uma das principais redes do Redário - articulação que integra 27 grupos e cerca de 2.500 coletores de todo o país.

Segundo Danielle Celentano, analista do Instituto Socioambiental e uma das coordenadoras do Redário, essas redes são essenciais para que o Brasil cumpra a meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 - compromisso assumido pelo país no âmbito do Acordo de Paris.

"O trabalho com a semente traz a conservação do território, o resgate do conhecimento tradicional, a valorização e profissionalização de jovens a idosos", disse Celentano.

Ela ressalta, porém, que esses grupos ainda esbarram em entraves de demanda, governança e burocracia. O Planaveg, plano nacional de recuperação da vegetação nativa que teve nova edição lançada em dezembro de 2024, busca superar parte desses desafios ao colocar a coleta comunitária de sementes no centro das ações, segundo a analista.

O plano foi lançado em 2017, antes de o ex-presidente Jair Bolsonaro assumir o cargo, mas recebeu pouca atenção durante sua administração. O governo de Luís Inácio Lula da Silva recuperou o programa, retomando discussões em 2023 e iniciando sua implementação este ano.

As redes de sementes são guardiãs da sociobiodiversidade e o primeiro elo da cadeia da restauração

Thiago Belote, diretor de florestas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima

Desenvolvido por governo e organizações, o Planaveg prevê formar indígenas, quilombolas e agricultores familiares como técnicos e coletores, articular políticas de assistência técnica e ampliar o acesso desses grupos a crédito e fundos públicos.

Thiago Belote, diretor de florestas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e responsável pela implementação do Planaveg, concorda que fortalecer as redes coletoras é fundamental para recuperar áreas degradadas do país.

"As redes de sementes são guardiãs da sociobiodiversidade e o primeiro elo da cadeia da restauração. Então, fortalecê-las é super estratégico", disse Belote ao Dialogue Earth.
Baixa demanda por sementes

O impulso é necessário. Mesmo o mais longevo grupo de coletores tem dificuldades de encontrar um mercado estável. Criada em 2007, a Rede de Sementes do Xingu reúne mais de 700 membros de terras indígenas, assentamentos rurais e áreas urbanas de Mato Grosso. Já contribuiu para restaurar 11 mil hectares de Amazônia e Cerrado, gerando R$ 8,5 milhões de renda direta aos coletores, segundo sua diretora-executiva Bruna Ferreira.

Porém, suas vendas anuais costumam ficar abaixo de sua capacidade de produção. Em junho, em conversa com o Dialogue Earth, Ferreira explicou que aquele era o período em que as encomendas costumam ser recebidas e repassadas aos coletores. "Está baixíssima, não chegou a 40% do nosso potencial", ela comentou na época. "Temos várias redes em todos os biomas com um potencial de coleta muito grande, mas não tem uma demanda clara por sementes para a restauração".

Marcelo Ferronato, presidente da Ecoporé, explica que o interesse do mercado de replantio florestal ainda está restrito a poucos grupos exportadores sujeitos a exigências ambientais mais rígidas e a startups de restauração ligadas ao mercado de carbono.

De acordo com Belote, do Ministério do Meio Ambiente, a segunda edição do Planaveg busca incentivar projetos, ampliando a demanda por restauração e, consequentemente, por sementes.

A meta brasileira de recuperar 12 milhões de hectares até 2030 pode exigir até 15 mil toneladas de sementes - volume capaz de gerar 60 mil empregos e movimentar US$ 146 milhões, segundo um estudo de 2020.

Mulher indígena da aldeia Juari, no território Karitiana, usa facão para limpar a mata fechada durante a coleta de sementes

Mulher indígena da aldeia Juari, no território Karitiana, usa facão para limpar a mata fechada durante a coleta de sementes (Imagem © Jonathan Molino / Ecoporé)

Vagens de angelim-saia (Parkia pendula) nas mãos de um coletora

Vagens de angelim-saia (Parkia pendula), espécie de árvore encontrada em vários estados da região amazônica, conhecida por suas flores vermelhas e arredondadas (Imagem © Jonathan Molino / Ecoporé)

O Planaveg prevê incentivos para que proprietários rurais recuperem áreas degradadas, mas, para Rodrigo Junqueira, secretário-executivo do Instituto Socioambiental, seria preciso ir além. Ele defende que o acesso ao crédito seja condicionado: restringido a produtores que degradam e descumprem a lei, e ampliado para aqueles que restauram suas áreas e seguem as normas ambientais.

Pelo Código Florestal, proprietários rurais são obrigados a preservar parte da vegetação nativa - cuja extensão varia conforme o bioma e a região. O cumprimento é monitorado por satélite e fiscalizado por órgãos ambientais, embora existam lacunas. Segundo Belote, apenas a recuperação da vegetação nessas propriedades representaria nove dos 12 milhões de hectares que o Brasil precisa restaurar até 2030.

Por enquanto, essa meta está longe de ser alcançada. Desde que assumiu o compromisso em 2015, o Brasil restaurou 700 mil hectares - 500 mil a partir do cumprimento de obrigações legais de proprietários rurais e empresários, e o restante por iniciativas voluntárias de sociedade civil, setor privado e governos regionais.

A adesão voluntária de produtores rurais à restauração ainda é baixa, mesmo em iniciativas que não trazem custos aos produtores. Segundo Belote, muitos não veem retorno econômico imediato na recuperação de áreas degradadas. Para ele, a chave é apostar na restauração produtiva - modelo que combina recomposição florestal com atividades de geração de renda, como sistemas agroflorestais, manejo de espécies nativas e produtos da sociobiodiversidade.

Algumas iniciativas do Ministério do Meio Ambiente têm esse propósito. O programa Florestas Produtivas recupera áreas degradadas em assentamentos e comunidades tradicionais do Pará visando ampliar a produção de alimentos saudáveis e de produtos da sociobiodiversidade, enquanto que o Eco Invest espera arrecadar R$ 31,4 bilhões em leilão para transformar 1,4 milhão de hectares degradados em sistemas produtivos sustentáveis em vários biomas brasileiros.

O governo federal também aposta na regeneração natural para cumprir a meta do Acordo de Paris. A equipe técnica do Planaveg identificou por dados geoespaciais 16 milhões de hectares de vegetação secundária na Amazônia e outros oito milhões no Cerrado - áreas que começaram a se recuperar sozinhas após serem desmatadas ou degradadas.

Esses números, porém, ainda precisam ser revisados para avaliar se essas florestas são de fato estáveis e capazes de manter suas funções ecológicas. Segundo Belote, muitas vezes o proprietário deixa a terra se regenerar, mas volta a usá-la em até cinco anos. "Queremos regeneração natural, mas que traga de volta os serviços ecossistêmicos", explicou.

Sacos de sementes reunidas no centro comunitário da aldeia Kyowã, no território Karitiana, prontas para serem pesadas e etiquetadas

Sacos de sementes reunidas no centro comunitário da aldeia Kyowã, no território Karitiana, onde são pesadas e etiquetadas. Apesar dos esforços dos povos indígenas para entrar nesse mercado, a demanda por sementes nativas ainda é baixa (Imagem © Jonathan Molino / Ecoporé)
Entraves na governança

A governança das redes de sementes, que envolve capacitação técnica e logística, é outro gargalo. Até pouco tempo atrás, o avanço vinha ocorrendo de forma independente. A Rede de Sementes do Xingu, por exemplo, promove encontros com novas redes de diversos biomas para compartilhar experiências. "Cada território tem seus desafios e oportunidades, mas falamos o que é fundamental ter em uma estrutura de rede", disse Bruna Ferreira.

Esse trabalho evoluiu para a criação do Redário, que hoje oferece apoio em formação, controle de qualidade das sementes e acesso a mercados. Os resultados já aparecem: das 106,8 toneladas comercializadas pelos grupos associados, 18,5 foram negociadas pela articulação.

Para Rodrigo Junqueira, que representou a sociedade civil na elaboração do Planaveg, a experiência de cooperação entre redes deve servir de modelo para as políticas de apoio aos coletores.
O desafio do aumento de escala

A Aliança pela Restauração da Amazônia, uma iniciativa de várias instituições com o objetivo de ampliar a recuperação das florestas, mapeou 205 fontes de financiamento e políticas em andamento para impulsionar essa cadeia. Entre eles está o Arco da Restauração, programa do Ministério do Meio Ambiente em parceria com o BNDES, que prevê R$ 1 bilhão para recuperar, até 2030, seis milhões de hectares nas áreas mais desmatadas da Amazônia, a leste e a sul.

Há também aportes internacionais. O Global Environmental Facility, por exemplo, apoia projetos de corredores de biodiversidade em áreas privadas, programas de pagamento por serviços ambientais e o fortalecimento de políticas públicas regionais.

Ferreira, da Rede de Sementes do Xingu, ressalta que muitos editais de restauração não preveem salários para a equipe nem investimentos em estruturas básicas, como casas de armazenamento. Além disso, observa que os projetos costumam priorizar territórios indígenas, unidades de conservação e áreas públicas - justamente os mais preservados, além de complexos em termos de logística e infraestrutura -, enquanto o maior potencial de recuperação está nas propriedades rurais privadas.

Para Rodrigo Junqueira, o desafio central é garantir que os recursos cheguem com rapidez a povos indígenas e comunidades tradicionais, como as redes de sementes, mas sem a burocracia e as exigências que hoje afastam essas populações.

Apesar dos entraves, Rariane Suruí acredita que o sentido de seu trabalho é bastante claro: plantar hoje o que sustentará as próximas gerações. Ela se diz privilegiada por ser coletora de sementes: "Manter a floresta em pé é importante para todos: indígenas e não indígenas. Se eu plantar uma árvore, sei que estou fazendo o bem não só para mim, mas para a geração futura".


https://dialogue.earth/pt-br/florestas/redes-de-sementes-impulsionam-restauracao-florestal-no-brasil/
 

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