De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Sem transparência, Acre troca princípios socioambientais por vantagem financeira em projeto de carbono
18/09/2025
Autor: Fabio Pontes, Alexandre Cruz Noronha
Fonte: Info Amazonia - https://ovaradouro.com.br
Ao perceber que não obteria dividendos ao celebrar acordo com regras rígidas de governança na obtenção de lucros na comercialização de carbono no modelo REDD jurisdicional, o governo Cameli preferiu negociar com instituições financeiras - operando a partir das especulações e oscilações do mercado internacional.
Após ser um dos pioneiros e referência na implementação de projetos de compensação financeira por medidas de redução do desmatamento da Amazônia em tempos passados, agora o Acre deixa de lado princípios básicos para a execução de projetos como o REDD+, colocando muito mais foco na obtenção de vantagens e lucros econômicas nas negociações do carbono estocado nos 83% de floresta (ainda) mantida em pé em seu território.
Pelo menos é isso o que ficou muito claro no acordo firmado entre o governo de Gladson Cameli (PP) com o banco inglês Standard Chartered, após o estado abandonar os acordos com uma das mais conceituadas organizações internacionais de certificação de projetos de carbono, a Coalizão Leaf.
Ao perceber que não obteria tantas vantagens ao celebrar um acordo que estabelecesse regras rígidas de governança na obtenção de lucros com o seu crédito de carbono no modelo REDD jurisdicional - que leva em consideração, nos cálculos, o carbono estocado em todo o território acreano - o Palácio Rio Branco preferiu negociar diretamente com instituições financeiras internacionais - em busca de quem pagasse o melhor preço, operando a partir das especulações e oscilações do mercado.
Conduzida pela Companhia de Desenvolvimento e Serviços Ambientais (CDSA S/A) - estatal criada para tratar a política de carbono do Acre - a negociação com o Standard Chartered resultou num acordo de comercialização de 40 milhões em créditos de carbono. Apesar de o governo apresentar o projeto como um "marco histórico" para a preservação da floresta e o respeito às comunidades e povos tradicionais, não é bem isso o que aconteceu.
Lideranças ouvidas por Varadouro afirmam que o governo praticamente "atropelou" as instâncias de diálogos com a sociedade civil, representada na execução das políticas de pagamento por serviços ambientais (Sisa) por meio da Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento (Ceva). As comunidades só ficaram sabendo do acordo fechado com o banco europeu por meio de reportagem publicada na imprensa oficial.
A denúncia principal é a de que o fechamento do acordo aconteceu sem o devido diálogo e participação dos órgãos de governança, o que a sociedade civil considera uma falta de transparência e um descaso com o sistema. Outro questionamento é sobre um contrato de consultoria de mais de R$ 1 milhão, que, segundo informações, foi assinado sem licitação pública, levantando ainda mais desconforto com decisões do governo.
Governança excluída
A mudança nas negociações, da Coalizão LEAF para o Standard Chartered Bank, tornou-se o principal motivo de atrito entre a CDSA e a sociedade civil. A ata da reunião de 15 de agosto de 2025 e a carta conjunta assinada pelos representantes da CEVA, CTI (Câmara Temática Indígena) e a CTM (Câmara Temática das Mulheres) demonstram que as organizações se sentiram excluídas do processo.
"O governo, através da CDSA, nos últimos meses, começou um outro processo de negociação sem levar em consideração que precisava informar à CEVA, não é questão de pedir autorização, até porque isso não está no regulamento, mas a governança precisa estar informada do processo. E nós só ficamos sabendo dessa negociação por meio da imprensa.", afirma Júlio Barbosa, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) uma das organizações com assento na CEVA.
Um ofício enviado ao banco britânico é um pedido direto de ajuda para quebrar a barreira da falta de comunicação.
"O que estamos solicitando agora não é apenas uma formalidade", diz o documento. A sociedade civil argumenta que o papel de suas comissões é reafirmar o papel da CEVA, CTI e CTM como espaços legítimos de governança, participação social e controle das decisões relativas ao sistema.
Em sua defesa, a CDSA, por meio de seu diretor presidente, José Luiz Gondim, justifica o sigilo das negociações com o Standard Chartered. A companhia diz que o processo tem "caráter estritamente comercial e sigiloso, conforme padrões internacionais de mercado". A CDSA garante que as justificativas e informações necessárias foram fornecidas à CEVA.
A Transição do LEAF para o Standard Chartered Bank
A decisão de trocar o parceiro de negociação, da Coalizão LEAF para o banco britânico Standard Chartered, é um ponto central do imbróglio. No final de 2023, o Acre assinou uma carta de intenções com o LEAF, uma iniciativa público-privada que visa a certificação internacional para a comercialização de créditos de carbono. O acordo representava um passo importante, alinhado com o perfil de um programa que se destaca por sua governança participativa, seguindo regras claras (e até rígidas), seguindo o que está estabelecido em regras nacionais e internacionais, surgidas após as muitas reuniões das conferências das partes da ONU, as COPs.
Publicada em agosto deste ano, a Resolução CONAREDD+ no 19/2025 estabelece parâmetros obrigatórios para programas jurisdicionais REDD+ e projetos de carbono florestal em terras públicas e territórios coletivos, ressaltando o papel crucial da participação social, da transparência nas negociações e do controle social.
A transição para o banco Standard Chartered, no entanto, gerou preocupação. O LEAF é conhecido por seu modelo focado em resultados ambientais e repartição de benefícios com as comunidades impactadas pelos projetos de carbono. E como o banco opera com um modelo de negócio voltado para o retorno positivo de investimentos, a sociedade civil teme que a lógica comercial do novo acordo, que inclui o pagamento de dividendos a investidores, possa comprometer o percentual de 72% dos lucros acordados às comunidades tradicionais e indígenas.
Em seus documentos, a CEVA argumenta que o papel da CDSA, ao centralizar as negociações e ao se mover em direção a uma abordagem puramente comercial, representa uma ameaça à integridade do SISA, que foi construído sobre a premissa de que a floresta em pé é mais valiosa com a participação social.
O Contrato Sem Licitação
A empresa VR Consultoria foi escolhida para auxiliar na obtenção de serviços de classificação internacional e para qualificar o programa do Acre no mercado financeiro. A contratação foi realizada ao custo de R$ 1, 1 milhão, sem licitação.
A decisão é vista com maus olhos pela sociedade civil, que questiona por que uma estatal não realizou um processo licitatório para uma contratação com esse valor, reforçando a percepção de que a CDSA estaria agindo de forma autônoma e sem os devidos mecanismos de controle.
A credibilidade em risco
A crise de confiança mostra que a negociação de créditos de carbono, pode ser uma ótima oportunidade econômica, mas exige mais do que acordos financeiros. Para a sociedade civil, a credibilidade do programa SISA foi construída sobre a base de transparência, participação e respeito às comunidades. A postura da CDSA a priorizar o sigilo comercial, pode colocar em xeque essa credibilidade reconhecida internacionalmente.
"A Sepi, o IMC e a Sema, fizeram um trabalho ouvindo as populações, foi um trabalho muito sério. E quando foi agora, a CDSA quer fazer da forma dela. E isso não pode acontecer. O governo precisa ter posição, porque assim passa a impressão de ter dois governos.", diz a liderança indígena Lucas Manchineri, coordenador da CTI.
O embate entre a lógica de mercado e a premissa de que a floresta em pé é mais valiosa com a participação social define o futuro do programa. Enquanto a CDSA justifica suas ações nos "padrões de mercado", a CEVA, a CTI e a CTM seguem firmes em sua reivindicação por mais diálogo e respeito às suas atribuições. A forma como o governo do Acre irá resolver esse impasse não definirá apenas o sucesso de um contrato milionário, mas também o futuro da própria governança ambiental no estado e a confiança das comunidades que vivem e protegem a floresta.
https://ovaradouro.com.br/vende-se-carbono/
Após ser um dos pioneiros e referência na implementação de projetos de compensação financeira por medidas de redução do desmatamento da Amazônia em tempos passados, agora o Acre deixa de lado princípios básicos para a execução de projetos como o REDD+, colocando muito mais foco na obtenção de vantagens e lucros econômicas nas negociações do carbono estocado nos 83% de floresta (ainda) mantida em pé em seu território.
Pelo menos é isso o que ficou muito claro no acordo firmado entre o governo de Gladson Cameli (PP) com o banco inglês Standard Chartered, após o estado abandonar os acordos com uma das mais conceituadas organizações internacionais de certificação de projetos de carbono, a Coalizão Leaf.
Ao perceber que não obteria tantas vantagens ao celebrar um acordo que estabelecesse regras rígidas de governança na obtenção de lucros com o seu crédito de carbono no modelo REDD jurisdicional - que leva em consideração, nos cálculos, o carbono estocado em todo o território acreano - o Palácio Rio Branco preferiu negociar diretamente com instituições financeiras internacionais - em busca de quem pagasse o melhor preço, operando a partir das especulações e oscilações do mercado.
Conduzida pela Companhia de Desenvolvimento e Serviços Ambientais (CDSA S/A) - estatal criada para tratar a política de carbono do Acre - a negociação com o Standard Chartered resultou num acordo de comercialização de 40 milhões em créditos de carbono. Apesar de o governo apresentar o projeto como um "marco histórico" para a preservação da floresta e o respeito às comunidades e povos tradicionais, não é bem isso o que aconteceu.
Lideranças ouvidas por Varadouro afirmam que o governo praticamente "atropelou" as instâncias de diálogos com a sociedade civil, representada na execução das políticas de pagamento por serviços ambientais (Sisa) por meio da Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento (Ceva). As comunidades só ficaram sabendo do acordo fechado com o banco europeu por meio de reportagem publicada na imprensa oficial.
A denúncia principal é a de que o fechamento do acordo aconteceu sem o devido diálogo e participação dos órgãos de governança, o que a sociedade civil considera uma falta de transparência e um descaso com o sistema. Outro questionamento é sobre um contrato de consultoria de mais de R$ 1 milhão, que, segundo informações, foi assinado sem licitação pública, levantando ainda mais desconforto com decisões do governo.
Governança excluída
A mudança nas negociações, da Coalizão LEAF para o Standard Chartered Bank, tornou-se o principal motivo de atrito entre a CDSA e a sociedade civil. A ata da reunião de 15 de agosto de 2025 e a carta conjunta assinada pelos representantes da CEVA, CTI (Câmara Temática Indígena) e a CTM (Câmara Temática das Mulheres) demonstram que as organizações se sentiram excluídas do processo.
"O governo, através da CDSA, nos últimos meses, começou um outro processo de negociação sem levar em consideração que precisava informar à CEVA, não é questão de pedir autorização, até porque isso não está no regulamento, mas a governança precisa estar informada do processo. E nós só ficamos sabendo dessa negociação por meio da imprensa.", afirma Júlio Barbosa, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) uma das organizações com assento na CEVA.
Um ofício enviado ao banco britânico é um pedido direto de ajuda para quebrar a barreira da falta de comunicação.
"O que estamos solicitando agora não é apenas uma formalidade", diz o documento. A sociedade civil argumenta que o papel de suas comissões é reafirmar o papel da CEVA, CTI e CTM como espaços legítimos de governança, participação social e controle das decisões relativas ao sistema.
Em sua defesa, a CDSA, por meio de seu diretor presidente, José Luiz Gondim, justifica o sigilo das negociações com o Standard Chartered. A companhia diz que o processo tem "caráter estritamente comercial e sigiloso, conforme padrões internacionais de mercado". A CDSA garante que as justificativas e informações necessárias foram fornecidas à CEVA.
A Transição do LEAF para o Standard Chartered Bank
A decisão de trocar o parceiro de negociação, da Coalizão LEAF para o banco britânico Standard Chartered, é um ponto central do imbróglio. No final de 2023, o Acre assinou uma carta de intenções com o LEAF, uma iniciativa público-privada que visa a certificação internacional para a comercialização de créditos de carbono. O acordo representava um passo importante, alinhado com o perfil de um programa que se destaca por sua governança participativa, seguindo regras claras (e até rígidas), seguindo o que está estabelecido em regras nacionais e internacionais, surgidas após as muitas reuniões das conferências das partes da ONU, as COPs.
Publicada em agosto deste ano, a Resolução CONAREDD+ no 19/2025 estabelece parâmetros obrigatórios para programas jurisdicionais REDD+ e projetos de carbono florestal em terras públicas e territórios coletivos, ressaltando o papel crucial da participação social, da transparência nas negociações e do controle social.
A transição para o banco Standard Chartered, no entanto, gerou preocupação. O LEAF é conhecido por seu modelo focado em resultados ambientais e repartição de benefícios com as comunidades impactadas pelos projetos de carbono. E como o banco opera com um modelo de negócio voltado para o retorno positivo de investimentos, a sociedade civil teme que a lógica comercial do novo acordo, que inclui o pagamento de dividendos a investidores, possa comprometer o percentual de 72% dos lucros acordados às comunidades tradicionais e indígenas.
Em seus documentos, a CEVA argumenta que o papel da CDSA, ao centralizar as negociações e ao se mover em direção a uma abordagem puramente comercial, representa uma ameaça à integridade do SISA, que foi construído sobre a premissa de que a floresta em pé é mais valiosa com a participação social.
O Contrato Sem Licitação
A empresa VR Consultoria foi escolhida para auxiliar na obtenção de serviços de classificação internacional e para qualificar o programa do Acre no mercado financeiro. A contratação foi realizada ao custo de R$ 1, 1 milhão, sem licitação.
A decisão é vista com maus olhos pela sociedade civil, que questiona por que uma estatal não realizou um processo licitatório para uma contratação com esse valor, reforçando a percepção de que a CDSA estaria agindo de forma autônoma e sem os devidos mecanismos de controle.
A credibilidade em risco
A crise de confiança mostra que a negociação de créditos de carbono, pode ser uma ótima oportunidade econômica, mas exige mais do que acordos financeiros. Para a sociedade civil, a credibilidade do programa SISA foi construída sobre a base de transparência, participação e respeito às comunidades. A postura da CDSA a priorizar o sigilo comercial, pode colocar em xeque essa credibilidade reconhecida internacionalmente.
"A Sepi, o IMC e a Sema, fizeram um trabalho ouvindo as populações, foi um trabalho muito sério. E quando foi agora, a CDSA quer fazer da forma dela. E isso não pode acontecer. O governo precisa ter posição, porque assim passa a impressão de ter dois governos.", diz a liderança indígena Lucas Manchineri, coordenador da CTI.
O embate entre a lógica de mercado e a premissa de que a floresta em pé é mais valiosa com a participação social define o futuro do programa. Enquanto a CDSA justifica suas ações nos "padrões de mercado", a CEVA, a CTI e a CTM seguem firmes em sua reivindicação por mais diálogo e respeito às suas atribuições. A forma como o governo do Acre irá resolver esse impasse não definirá apenas o sucesso de um contrato milionário, mas também o futuro da própria governança ambiental no estado e a confiança das comunidades que vivem e protegem a floresta.
https://ovaradouro.com.br/vende-se-carbono/
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