De Povos Indígenas no Brasil
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Garimpo movimenta tráfico e corrupção
21/09/2025
Autor: Waldick Junior
Fonte: A Critica - https://www.acritica.com
O garimpo ilegal na Amazônia vai muito além da atividade de ribeirinhos, embora eles sejam frequentemente usados para relativizar o crime, como se viu nesta semana após uma nova operação da Polícia Federal no sul do Amazonas. Pesquisas e investigações recentes revelam que as principais facções criminosas do país atuam diretamente nesse mercado, em um fenômeno já conhecido como "narcogarimpo", sustentado também por esquemas de corrupção institucional na região.
O estudo Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que o termo "narcogarimpo" teve origem nas comunicações da Polícia Federal em 2021, durante a operação Narcos Gold. No entanto, a conexão entre o narcotráfico e o garimpo já registra histórico desde, pelo menos, os anos 90.
"A chegada de facções criminosas com origem no Rio de Janeiro e São Paulo - Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) - à Amazônia Legal na última década, somado ao envolvimento com as facções locais, trouxe novos contornos à aproximação entre as atividades de tráfico de drogas e exploração de ouro", aponta a pesquisa, divulgada em 2024.
Além da venda de drogas para garimpeiros, o narcotráfico passou a compartilhar estruturas logísticas com a extração e o comércio ilegal de ouro. O sistema inclui pistas de pouso clandestinas, portos ilegais e outros pontos para escoar a produção do minério e das drogas.
"No Amazonas, no Acre e em outros estados da região, a gente tem muitas evidências de que o PCC e outras organizações criminosas estão se envolvendo na atividade com uma forma de expandir, entre aspas, o seu negócio" afirma a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Martha Fellows.
Estranheza
Professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pesquisador na área de conflitos socioambientais e luta pela terra, Luiz Antonio Nascimento diz estranhar a reação política local à operação da Polícia Federal.
"É duvidoso que o poder público, os prefeitos e as câmaras legislativas critiquem a ação do Estado, através do seu mecanismo de polícia, por reprimir ações criminosas. É uma inversão completa dos papéis", afirma.
Ele cita uma série de problemas associados ao garimpo na região, como desmatamento, poluição dos rios com mercúrio, exploração sexual - em alguns casos, de menores - e trabalho análogo à escravidão.
"Você tem até recursos oriundos do tráfico. E aí o poder público municipal, as câmaras municipais, deputados estaduais estão reclamando que a polícia está combatendo esse crime. É isso mesmo que estamos ouvindo?", questiona.
Corrupção
Dentro do sistema complexo que envolve o garimpo ilegal, não é mais surpresa dizer que existem indícios de corrupção institucional na atividade. Em março deste ano, a Polícia Federal deflagrou a Operação Ourives, que investigou um grupo formado por milicianos responsável pela comercialização ilegal de ouro.
De acordo com a PF, havia ajuda de agentes públicos estaduais para o transporte do minério. À época, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) informou que colaborou com as investigações e reafirmou compromisso com a transparência e o cumprimento da lei.
Luiz Antônio afirma que o ouro ilegal é visto pelo crime como uma boa oportunidade para lavar dinheiro, especialmente pelo seu valor e maior facilidade de transporte. Para ele, o poder público "tem deixado a desejar" quando o assunto é tratar do problema, ainda mais quando já se sabe de possíveis casos de corrupção.
"A gente não pode perder de vista que não faz muito tempo a Polícia Federal e a Polícia Civil prenderam agentes públicos envolvidos com roubo de minério extraído ilegalmente na Amazônia. Há uma sobreposição de interesses e de negócios que precisam ser melhor tratados", comenta Luiz Antônio.
É preciso combater quem financia
A pesquisadora do Ipam, Martha Fellows, destaca que o garimpo teve um forte crescimento a partir da década de 1980 e voltou a ganhar impulso entre 2018 e 2020, com maior intensidade nos territórios indígenas. Segundo ela, parte dessa nova explosão da atividade está diretamente ligada ao avanço de propostas legislativas que buscavam flexibilizar a exploração mineral nessas áreas.
Em meio a esse aumento ao longo dos anos, ela ressalta a importância de se pensar em alternativas econômicas sustentáveis para as regiões afetadas, já que mesmo após operações de combate, o garimpo tende a retornar em alguma medida aos territórios.
"A economia do garimpo não deixa de existir quando você tem ações mais efetivas. O que aconteceu na TI Yanomami é que houve uma migração para outros territórios como o dos Munduruku. É preciso repensar a economia desses locais, repensar formas de punir, porque muitas vezes você pune quem está lá no território, mas não pune quem está financiando", afirma.
A defesa da pesquisadora para que a economia das áreas com garimpo seja repensada está ligada também ao fato de que parte da população recorre à atividade por não haver outras alternativas. Humaitá, que foi alvo da operação da PF nesta semana, está em último lugar entre 14 municípios do Amazonas com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio, com 0,605. Já Manicoré, que está na posição 23o, tem um IDH de 0,582, considerado baixo.
Sugestão para legalizar
A operação da PF em Humaitá e Manicoré, que destruiu ao menos 171 balsas, gerou críticas de parlamentares do Amazonas e de outros estados da região. A Comissão de Infraestrutura do Senado aprovou, nesta semana, um pedido para que o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, apresente informações aos senadores sobre o caso. Já a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da mesma Casa Legislativa aprovou o envio de uma diligência externa aos municípios alvos da operação.
A engenheira geóloga Rosemi Ferreira da Silva diz que são inegáveis os desafios ambientais associados ao garimpo, mas ela defende também que não se pode deixar de considerar que os garimpeiros são profissionais que nasceram e cresceram na atividade, e enxergam o garimpo como único sustento.
"O caminho não é a criminalização pura e simples. O desafio é organizar e legalizar a atividade, dando condições para que os donos de balsas e garimpeiros atuem dentro da lei, pagando impostos, cumprindo condicionantes ambientais e sendo tratados como parte da solução, e não como inimigos", afirma ela.
Rosemi ressalta que a atividade mineral é prevista em lei e o Código de Mineração, regulamentado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), garante a possibilidade da lavra garimpeira.
"O problema está na falta de acesso à legalidade: processos burocráticos, demorados e caros afastam os pequenos garimpeiros da formalização. Na prática, o próprio Estado, ao invés de facilitar a regularização, acaba empurrando trabalhadores para a informalidade, transformando em 'ilegais' aqueles que só querem exercer sua profissão com dignidade", argumenta a geóloga.
https://www.acritica.com/politica/garimpo-movimenta-trafico-e-corrupc-o-1.384247
O estudo Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que o termo "narcogarimpo" teve origem nas comunicações da Polícia Federal em 2021, durante a operação Narcos Gold. No entanto, a conexão entre o narcotráfico e o garimpo já registra histórico desde, pelo menos, os anos 90.
"A chegada de facções criminosas com origem no Rio de Janeiro e São Paulo - Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) - à Amazônia Legal na última década, somado ao envolvimento com as facções locais, trouxe novos contornos à aproximação entre as atividades de tráfico de drogas e exploração de ouro", aponta a pesquisa, divulgada em 2024.
Além da venda de drogas para garimpeiros, o narcotráfico passou a compartilhar estruturas logísticas com a extração e o comércio ilegal de ouro. O sistema inclui pistas de pouso clandestinas, portos ilegais e outros pontos para escoar a produção do minério e das drogas.
"No Amazonas, no Acre e em outros estados da região, a gente tem muitas evidências de que o PCC e outras organizações criminosas estão se envolvendo na atividade com uma forma de expandir, entre aspas, o seu negócio" afirma a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Martha Fellows.
Estranheza
Professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pesquisador na área de conflitos socioambientais e luta pela terra, Luiz Antonio Nascimento diz estranhar a reação política local à operação da Polícia Federal.
"É duvidoso que o poder público, os prefeitos e as câmaras legislativas critiquem a ação do Estado, através do seu mecanismo de polícia, por reprimir ações criminosas. É uma inversão completa dos papéis", afirma.
Ele cita uma série de problemas associados ao garimpo na região, como desmatamento, poluição dos rios com mercúrio, exploração sexual - em alguns casos, de menores - e trabalho análogo à escravidão.
"Você tem até recursos oriundos do tráfico. E aí o poder público municipal, as câmaras municipais, deputados estaduais estão reclamando que a polícia está combatendo esse crime. É isso mesmo que estamos ouvindo?", questiona.
Corrupção
Dentro do sistema complexo que envolve o garimpo ilegal, não é mais surpresa dizer que existem indícios de corrupção institucional na atividade. Em março deste ano, a Polícia Federal deflagrou a Operação Ourives, que investigou um grupo formado por milicianos responsável pela comercialização ilegal de ouro.
De acordo com a PF, havia ajuda de agentes públicos estaduais para o transporte do minério. À época, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) informou que colaborou com as investigações e reafirmou compromisso com a transparência e o cumprimento da lei.
Luiz Antônio afirma que o ouro ilegal é visto pelo crime como uma boa oportunidade para lavar dinheiro, especialmente pelo seu valor e maior facilidade de transporte. Para ele, o poder público "tem deixado a desejar" quando o assunto é tratar do problema, ainda mais quando já se sabe de possíveis casos de corrupção.
"A gente não pode perder de vista que não faz muito tempo a Polícia Federal e a Polícia Civil prenderam agentes públicos envolvidos com roubo de minério extraído ilegalmente na Amazônia. Há uma sobreposição de interesses e de negócios que precisam ser melhor tratados", comenta Luiz Antônio.
É preciso combater quem financia
A pesquisadora do Ipam, Martha Fellows, destaca que o garimpo teve um forte crescimento a partir da década de 1980 e voltou a ganhar impulso entre 2018 e 2020, com maior intensidade nos territórios indígenas. Segundo ela, parte dessa nova explosão da atividade está diretamente ligada ao avanço de propostas legislativas que buscavam flexibilizar a exploração mineral nessas áreas.
Em meio a esse aumento ao longo dos anos, ela ressalta a importância de se pensar em alternativas econômicas sustentáveis para as regiões afetadas, já que mesmo após operações de combate, o garimpo tende a retornar em alguma medida aos territórios.
"A economia do garimpo não deixa de existir quando você tem ações mais efetivas. O que aconteceu na TI Yanomami é que houve uma migração para outros territórios como o dos Munduruku. É preciso repensar a economia desses locais, repensar formas de punir, porque muitas vezes você pune quem está lá no território, mas não pune quem está financiando", afirma.
A defesa da pesquisadora para que a economia das áreas com garimpo seja repensada está ligada também ao fato de que parte da população recorre à atividade por não haver outras alternativas. Humaitá, que foi alvo da operação da PF nesta semana, está em último lugar entre 14 municípios do Amazonas com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio, com 0,605. Já Manicoré, que está na posição 23o, tem um IDH de 0,582, considerado baixo.
Sugestão para legalizar
A operação da PF em Humaitá e Manicoré, que destruiu ao menos 171 balsas, gerou críticas de parlamentares do Amazonas e de outros estados da região. A Comissão de Infraestrutura do Senado aprovou, nesta semana, um pedido para que o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, apresente informações aos senadores sobre o caso. Já a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da mesma Casa Legislativa aprovou o envio de uma diligência externa aos municípios alvos da operação.
A engenheira geóloga Rosemi Ferreira da Silva diz que são inegáveis os desafios ambientais associados ao garimpo, mas ela defende também que não se pode deixar de considerar que os garimpeiros são profissionais que nasceram e cresceram na atividade, e enxergam o garimpo como único sustento.
"O caminho não é a criminalização pura e simples. O desafio é organizar e legalizar a atividade, dando condições para que os donos de balsas e garimpeiros atuem dentro da lei, pagando impostos, cumprindo condicionantes ambientais e sendo tratados como parte da solução, e não como inimigos", afirma ela.
Rosemi ressalta que a atividade mineral é prevista em lei e o Código de Mineração, regulamentado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), garante a possibilidade da lavra garimpeira.
"O problema está na falta de acesso à legalidade: processos burocráticos, demorados e caros afastam os pequenos garimpeiros da formalização. Na prática, o próprio Estado, ao invés de facilitar a regularização, acaba empurrando trabalhadores para a informalidade, transformando em 'ilegais' aqueles que só querem exercer sua profissão com dignidade", argumenta a geóloga.
https://www.acritica.com/politica/garimpo-movimenta-trafico-e-corrupc-o-1.384247
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