De Povos Indígenas no Brasil
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Proteção ambiental passa por retrocesso histórico em toda a América Latina
23/09/2025
Autor: Armando Alvares Garcia Júnior
Fonte: The Conversation - https://theconversation.com/protecao-ambiental-passa-por-retrocesso-historico-em-
Proteção ambiental passa por retrocesso histórico em toda a América Latina
Publicado: 23 setembro 2025 10:58 -03
Autor Armando Alvares Garcia Júnior
Professor de Direito Internacional, Relações Internacionais e Geopolítica/Geoeconomia, UNIR - Universidad Internacional de La Rioja
Declaração de transparência
Armando Alvares Garcia Júnior não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.
A América Latina atravessa um retrocesso ambiental em plena transição ecológica. O quadro combina aquecimento global acelerado e escolhas políticas que enfraquecem instituições, licenças e salvaguardas socioambientais. A ciência já mostra aquecimento próximo de 1,5 oC e riscos crescentes, mas a região caminha na direção oposta - e o Brasil está no centro desse dilema.
Na frente climática, a literatura indica que limitar o aquecimento a 1,5 oC reduz danos irreversíveis. Relatórios do The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e séries do Copernicus e da World Meteorological Organization (WMO) registram temperatura média global recentemente entre ~1,3 oC e ~1,5 oC acima do nível pré-industrial, com recordes de calor oceânico e intensificação de extremos climáticos. As emissões seguem elevadas, como mostram os dados da OurWorldInData. Essa trajetória pressiona ecossistemas e populações: avaliações da United for Life and Livelihoods (IUCN) documentam milhares de espécies sob maior risco pela combinação de aquecimento, perda de habitat e poluição.
Equador
Nesse contexto, o Equador passou por mudanças institucionais profundas. O governo anunciou a fusão do Ministério do Ambiente com o de Energia e Minas, transferindo atribuições de fiscalização para a mesma estrutura que impulsiona a extração. Em paralelo, a Assembleia aprovou uma Lei de Áreas Protegidas que amplia a cogestão com entes privados. Análises independentes ainda alertam para diversos e intensos riscos de enfraquecimento de salvaguardas socioambientais e de direitos indígenas.
Argentina
Na Argentina, o desmonte institucional atingiu níveis alarmantes este ano. Segundo a Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN), o orçamento destinado à área ambiental sofrerá uma redução real de quase 70% em relação a 2023, comprometendo funções essenciais como a gestão de parques nacionais, o manejo do fogo e a proteção de florestas nativas.
Esse corte coincide com uma execução orçamentária muito baixa: entre janeiro e abril de 2025, apenas cerca de 30% dos recursos previstos foram utilizados. A FARN alerta que esses retrocessos colocam em risco a capacidade do país de fiscalizar o desmatamento e conservar áreas úmidas, em um momento crítico para a adaptação às mudanças climáticas.
Chile
No Chile, o governo está promovendo mudanças no Sistema de Evaluación de Impacto Ambiental (SEIA) com o objetivo declarado de tornar os processos mais eficientes e reduzir prazos. Este ano, o Conselho de Ministros aprovou ajustes no regulamento do SEIA para concentrar esforços em projetos com impactos ambientais mais significativos.
Sem notícia apressada nem opinião infundada: assine a nossa newsletter semanal
No entanto, especialistas e organizações ambientais alertam que essas reformas reduzem a participação pública e limitam a transparência na aprovação de projetos de grande porte, em um país que já enfrenta desafios graves relacionados à escassez hídrica e à degradação de ecossistemas. Embora a legislação ainda esteja em processo de implementação, existe preocupação de que a busca por eficiência administrativa venha a enfraquecer salvaguardas socioambientais em médio prazo.
Brasil
No Brasil, o Congresso aprovou - e o Executivo sancionou com vetos - a chamada "PL da Devastação", que flexibiliza licenças e permite acelerar projetos estratégicos. A Human Rigts Watch (HRW) havia pedido veto integral por ameaças a direitos humanos e ambientais. No Legislativo, a Câmara divulgou a criação da Licença Ambiental Especial para empreendimentos estratégicos, e o Senado mantém o histórico do PL 2.159/2021.
Diversos estudos e organizações mostram possíveis impactos: a InfoAmazonia indicou que a proposta tende a excluir a obrigatoriedade de avaliação de impacto em milhares de áreas protegidas e territórios tradicionais. Análises do Instituto Socioambiental (ISA) e do Observatório do Clima apontam inconstitucionalidades e riscos de autolicenciamento com baixa capacidade técnica de controle. A Fiocruz acrescenta que flexibilizações no licenciamento elevam riscos à saúde pública ao reduzir barreiras preventivas contra contaminação de água, ar e solo.
Por que isso importa ao Brasil? Retrocessos regionais tendem a aumentar pressão por flexibilizações internas, fragilizar compromissos internacionais e criar assimetrias competitivas justamente quando cadeias globais cobram rastreabilidade e baixo desmatamento, segundo a World Wide Fund for Nature (WWF). O país abriga biomas-chave e sediará a COP 30; qualquer enfraquecimento de licenças, participação social e proteção de direitos tende a elevar conflitos, riscos de desastres e custos financeiros, além de corroer metas climáticas e reputação externa.
Alternativas existem
Há alternativas factíveis. Primeiro, alinhar o licenciamento a padrões internacionais, com avaliação de impacto proporcional ao risco e transparência integral). Segundo, assegurar direitos territoriais e consulta prévia como instrumentos de redução de risco: onde há segurança jurídica e governança local, há menos desmatamento e conflito. Terceiro, direcionar crédito e compras públicas para cadeias de baixo desmatamento, com metas mensuráveis e verificação independente. Por fim, integrar planejamento energético, uso do solo e adaptação climática para reduzir vulnerabilidades, diversificar a economia e criar empregos em restauração, eficiência e energias renováveis.
Ignorar esses sinais de retrocesso representa um erro estratégico com custos incalculáveis. A transição ecológica deixou de ser uma questão de vontade política e se tornou uma imposição da realidade material: eventos climáticos extremos, crises hídricas e pressões diversas, sobre a população, o comércio e a economia já estão em curso e tendem a se intensificar nos próximos anos. O Brasil e seus vizinhos ainda têm a oportunidade de reverter essa trajetória, fortalecendo instituições e demonstrando que desenvolvimento econômico pode caminhar junto com integridade ambiental. Se a região atrasar essa transformação, a transição ocorrerá de forma caótica, com mais desigualdade, instabilidade política e perda de competitividade global. Liderar esse processo é a única forma de garantir um futuro sustentável e próspero para a América Latina.
The Conversation Brasil
Daniel Stycer
Editor-chefe
https://theconversation.com/protecao-ambiental-passa-por-retrocesso-historico-em-toda-a-america-latina-265910
Publicado: 23 setembro 2025 10:58 -03
Autor Armando Alvares Garcia Júnior
Professor de Direito Internacional, Relações Internacionais e Geopolítica/Geoeconomia, UNIR - Universidad Internacional de La Rioja
Declaração de transparência
Armando Alvares Garcia Júnior não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.
A América Latina atravessa um retrocesso ambiental em plena transição ecológica. O quadro combina aquecimento global acelerado e escolhas políticas que enfraquecem instituições, licenças e salvaguardas socioambientais. A ciência já mostra aquecimento próximo de 1,5 oC e riscos crescentes, mas a região caminha na direção oposta - e o Brasil está no centro desse dilema.
Na frente climática, a literatura indica que limitar o aquecimento a 1,5 oC reduz danos irreversíveis. Relatórios do The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e séries do Copernicus e da World Meteorological Organization (WMO) registram temperatura média global recentemente entre ~1,3 oC e ~1,5 oC acima do nível pré-industrial, com recordes de calor oceânico e intensificação de extremos climáticos. As emissões seguem elevadas, como mostram os dados da OurWorldInData. Essa trajetória pressiona ecossistemas e populações: avaliações da United for Life and Livelihoods (IUCN) documentam milhares de espécies sob maior risco pela combinação de aquecimento, perda de habitat e poluição.
Equador
Nesse contexto, o Equador passou por mudanças institucionais profundas. O governo anunciou a fusão do Ministério do Ambiente com o de Energia e Minas, transferindo atribuições de fiscalização para a mesma estrutura que impulsiona a extração. Em paralelo, a Assembleia aprovou uma Lei de Áreas Protegidas que amplia a cogestão com entes privados. Análises independentes ainda alertam para diversos e intensos riscos de enfraquecimento de salvaguardas socioambientais e de direitos indígenas.
Argentina
Na Argentina, o desmonte institucional atingiu níveis alarmantes este ano. Segundo a Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN), o orçamento destinado à área ambiental sofrerá uma redução real de quase 70% em relação a 2023, comprometendo funções essenciais como a gestão de parques nacionais, o manejo do fogo e a proteção de florestas nativas.
Esse corte coincide com uma execução orçamentária muito baixa: entre janeiro e abril de 2025, apenas cerca de 30% dos recursos previstos foram utilizados. A FARN alerta que esses retrocessos colocam em risco a capacidade do país de fiscalizar o desmatamento e conservar áreas úmidas, em um momento crítico para a adaptação às mudanças climáticas.
Chile
No Chile, o governo está promovendo mudanças no Sistema de Evaluación de Impacto Ambiental (SEIA) com o objetivo declarado de tornar os processos mais eficientes e reduzir prazos. Este ano, o Conselho de Ministros aprovou ajustes no regulamento do SEIA para concentrar esforços em projetos com impactos ambientais mais significativos.
Sem notícia apressada nem opinião infundada: assine a nossa newsletter semanal
No entanto, especialistas e organizações ambientais alertam que essas reformas reduzem a participação pública e limitam a transparência na aprovação de projetos de grande porte, em um país que já enfrenta desafios graves relacionados à escassez hídrica e à degradação de ecossistemas. Embora a legislação ainda esteja em processo de implementação, existe preocupação de que a busca por eficiência administrativa venha a enfraquecer salvaguardas socioambientais em médio prazo.
Brasil
No Brasil, o Congresso aprovou - e o Executivo sancionou com vetos - a chamada "PL da Devastação", que flexibiliza licenças e permite acelerar projetos estratégicos. A Human Rigts Watch (HRW) havia pedido veto integral por ameaças a direitos humanos e ambientais. No Legislativo, a Câmara divulgou a criação da Licença Ambiental Especial para empreendimentos estratégicos, e o Senado mantém o histórico do PL 2.159/2021.
Diversos estudos e organizações mostram possíveis impactos: a InfoAmazonia indicou que a proposta tende a excluir a obrigatoriedade de avaliação de impacto em milhares de áreas protegidas e territórios tradicionais. Análises do Instituto Socioambiental (ISA) e do Observatório do Clima apontam inconstitucionalidades e riscos de autolicenciamento com baixa capacidade técnica de controle. A Fiocruz acrescenta que flexibilizações no licenciamento elevam riscos à saúde pública ao reduzir barreiras preventivas contra contaminação de água, ar e solo.
Por que isso importa ao Brasil? Retrocessos regionais tendem a aumentar pressão por flexibilizações internas, fragilizar compromissos internacionais e criar assimetrias competitivas justamente quando cadeias globais cobram rastreabilidade e baixo desmatamento, segundo a World Wide Fund for Nature (WWF). O país abriga biomas-chave e sediará a COP 30; qualquer enfraquecimento de licenças, participação social e proteção de direitos tende a elevar conflitos, riscos de desastres e custos financeiros, além de corroer metas climáticas e reputação externa.
Alternativas existem
Há alternativas factíveis. Primeiro, alinhar o licenciamento a padrões internacionais, com avaliação de impacto proporcional ao risco e transparência integral). Segundo, assegurar direitos territoriais e consulta prévia como instrumentos de redução de risco: onde há segurança jurídica e governança local, há menos desmatamento e conflito. Terceiro, direcionar crédito e compras públicas para cadeias de baixo desmatamento, com metas mensuráveis e verificação independente. Por fim, integrar planejamento energético, uso do solo e adaptação climática para reduzir vulnerabilidades, diversificar a economia e criar empregos em restauração, eficiência e energias renováveis.
Ignorar esses sinais de retrocesso representa um erro estratégico com custos incalculáveis. A transição ecológica deixou de ser uma questão de vontade política e se tornou uma imposição da realidade material: eventos climáticos extremos, crises hídricas e pressões diversas, sobre a população, o comércio e a economia já estão em curso e tendem a se intensificar nos próximos anos. O Brasil e seus vizinhos ainda têm a oportunidade de reverter essa trajetória, fortalecendo instituições e demonstrando que desenvolvimento econômico pode caminhar junto com integridade ambiental. Se a região atrasar essa transformação, a transição ocorrerá de forma caótica, com mais desigualdade, instabilidade política e perda de competitividade global. Liderar esse processo é a única forma de garantir um futuro sustentável e próspero para a América Latina.
The Conversation Brasil
Daniel Stycer
Editor-chefe
https://theconversation.com/protecao-ambiental-passa-por-retrocesso-historico-em-toda-a-america-latina-265910
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