De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Notícias

O Equilíbrio de Nash e a Ferrogrão

12/09/2025

Autor: George Santoro

Fonte: Neofeed - https://neofeed.com.br/economia/artigo-o-equilibrio-de-nash-e-a-ferrograo/



O Equilíbrio de Nash e a Ferrogrão

George Santoro
12/09/2025

Um dos projetos mais emblemáticos da infraestrutura nacional, a Ferrogrão é, ao mesmo tempo, um dos mais controversos. Idealizada em 2012, dentro do Programa de Investimentos em Logística (PIL), a ferrovia nasceu de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para criar um corredor ferroviário paralelo à BR-163, ligando Lucas do Rio Verde (MT) a Miritituba (PA). O objetivo sempre foi claro: reduzir custos de transporte, aumentar a eficiência do escoamento de grãos e consolidar o Arco Norte como alternativa estratégica aos portos do Sudeste.

Entre 2014 e 2019, a iniciativa avançou com a elaboração de sucessivas versões do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA). Nesse período, o projeto incorporou ajustes no traçado, análises socioambientais preliminares e oitivas públicas em cidades como Cuiabá, Belém e Novo Progresso. Essas etapas mostraram a complexidade de conciliar interesses logísticos, ambientais e sociais em uma obra de mais de mil quilômetros de extensão.

O processo, no entanto, sofreu um revés em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o avanço da ferrovia ao julgar a ADI 6553, que questionava a lei que permitiu a adaptação dos limites do Parque Nacional do Jamanxim. A decisão paralisou os trâmites e reforçou a percepção de que o projeto só poderia prosperar com maior robustez jurídica, ambiental e técnica.

A retomada ocorreu em 2023, quando o novo governo solicitou ao STF a atualização dos estudos e um conjunto de audiências públicas. O ministro relator liminarmente autorizou a continuidade dos estudos, mas vetou o início das obras sem aval judicial.

A partir daí, o governo federal, através do Ministério dos Transportes e da Infra S.A., solicitou a atualização ampla do EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental), incluindo análises de impacto cumulativo, avaliação de custo-benefício segundo critérios do Ministério da Fazenda e alinhamento às metas do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia - PPCDAm. Organizações como a Rede Xingu+ e o Instituto Socioambiental (ISA) participaram ativamente das discussões.

O resultado foi a quinta versão do estudo, concluída em agosto de 2024. Os números são expressivos: capacidade de até 70 milhões de toneladas por ano, redução de 20% no frete médio do Mato Grosso, emissões evitadas de 3,4 milhões de toneladas de CO₂ equivalentes e R$ 800 milhões reservados para medidas socioambientais. Além disso, o Valor Social Presente Líquido foi calculado em mais de R$ 60 bilhões, reforçando o impacto econômico positivo da ferrovia.

Mas se do ponto de vista técnico e ambiental o projeto amadureceu, o desafio agora é financeiro e de modelo de negócio. Estima-se que a execução da Ferrogrão leve cerca de oito anos, o que exigirá o maior volume anual de capital já demandado por um projeto de infraestrutura de transportes no Brasil. Como a modelagem prevê a ausência de aportes diretos de recursos públicos, caberá à iniciativa privada captar e sustentar investimentos bilionários em ritmo acelerado.

A execução da Ferrogrão deve levar oito anos, o que exigirá o maior volume anual de capital já demandado por um projeto de infraestrutura de transporte no Brasil

Nesse contexto, o papel do agronegócio será decisivo: grandes traders de grãos e cooperativas do setor precisarão assumir compromissos de longo prazo, estabelecendo contratos de garantia de carga mínima ou mesmo contratos de take-or-pay, em que o embarcador se compromete a pagar, mesmo que não envie a carga prevista. É aqui que a cooperação econômica entre diferentes atores precisa se apresentar, pois nenhum dos atores envolvidos neste projeto pode melhorar seu resultado sozinho, assim como propõe o Equilíbrio de Nash.

Esses instrumentos são fundamentais para dar previsibilidade de receita à concessão, reduzir riscos para os financiadores e atrair o interesse de bancos e fundos de investimento. Sem essa "âncora" do agronegócio ou das trades que comercializam as commodities agrícolas, dificilmente a ferrovia se tornará financeiramente viável. Essa foi a percepção após um longo processo de market sounding ao longo de 2025, junto a operadores e ao mercado financeiro, tanto nacional quanto internacional.

Atualmente, o projeto está em análise pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e deve seguir para apreciação do Tribunal de Contas da União em 2025. A previsão é que o edital de concessão seja publicado em 2026.

Ao contrário do que críticos vêm ventilando, o atual governo não parou um só dia de trabalhar na viabilização deste projeto, que foi entregue pelo governo passado com dados absolutamente desatualizados, sem qualquer discussão com o BNDES ou com o mercado financeiro a respeito da melhor estratégia de financiamento e alavancagem financeira, com um traçado que não observava limitações das regras de licenciamento, sem qualquer tipo de mecanismo de compensação de seus impactos, sem ter ouvido as comunidades originárias e as entidades de controle e proteção ambiental.

Muito se avançou nos últimos dois anos e nove meses. Se concretizada, a Ferrogrão será mais que uma solução logística: será um símbolo de como a infraestrutura brasileira pode evoluir a partir de negociações complexas, envolvendo governo, empresas, órgãos de controle, sociedade civil e comunidades locais.

É um projeto que representa um teste de maturidade para o país: mais do que transportar grãos, ele carrega a responsabilidade de provar que desenvolvimento econômico e sustentabilidade podem caminhar juntos.

*George Santoro é secretário-executivo do Ministério dos Transportes


https://neofeed.com.br/economia/artigo-o-equilibrio-de-nash-e-a-ferrograo/
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.