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Análise do discurso de Lula na ONU: multilateralismo, clima e a COP 30

23/09/2025

Autor: Ismael Machado

Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br



(Belém-PA) O discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia Geral da ONU foi um exercício de diplomacia clássica e afirmação de posições geopolíticas. A fala pode ser dividida em dois eixos principais. O primeiro é uma crítica contundente à crise do multilateralismo e uma defesa da soberania e da democracia. O segundo é a apresentação de uma agenda positiva, na qual a questão climática e a COP30 ocupam um lugar central como projeto de liderança global para o Brasil.

Lula inicia o discurso estabelecendo um tom de urgência e crítica. Ele afirma que os ideais da ONU estão "ameaçados, como nunca estiveram", apontando para a "consolidação de uma desordem internacional" marcada por intervenções unilaterais e sanções arbitrárias. Essa crítica é dirigida indiretamente às potências ocidentais, mas com foco nos EUA, e serve para posicionar o Brasil como um defensor do direito internacional e da autodeterminação dos povos.

Lula constrói um argumento de que os posicionamentos que enfraquecem a paz (unilateralismo, autoritarismo, interesses nacionais estreitos) são os mesmos que impedem uma ação global efetiva contra a mudança do clima. A crise climática é, na visão apresentada pelo presidente, um sintoma da falência da cooperação internacional.

Após estabelecer esses contrapontos, Lula apresenta a COP30, que será realizada em Belém em 2025, como um momento decisivo e uma oportunidade de correção de rumos. Lula não poupa críticas ao estado atual das negociações climáticas. Ao declarar que a COP30 será a "COP da verdade", ele lança um desafio aos líderes mundiais. A frase implica que houve muita retórica e pouca ação concreta até agora e insiste que os países "provem a seriedade de seu compromisso com o planeta", indicando que o Brasil assumirá um papel de 'fiscal' da ambição global.

Este é um dos pilares do discurso. Lula explicita a divisão Norte-Sul ao afirmar que "nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros desafios". Enquanto isso, países ricos usufruem de padrão de vida obtido às custas de duzentos anos de emissões. Exigir maior amplitude e maior acesso a recursos e tecnologias não é uma questão de caridade, mas de justiça, salienta.

Lula sinaliza que o sucesso da COP30 depende de os países desenvolvidos cumprirem suas promessas de financiamento (como o fundo de US$ 100 bilhões anuais), transferência de tecnologia e apoio à adaptação. É um posicionamento claro em defesa do Sul Global.

É interessante perceber que Lula introduz um tema geopolítico crucial. A transição energética não pode repetir erros do passado. Literalmente o presidente afirma que a corrida por minerais críticos, essenciais para essa transição, não pode reproduzir a lógica predatória que marcou os últimos séculos.

Isso pode ser lido como um alerta contra uma nova forma de colonialismo de recursos, onde potências industriais exploram minerais em países em desenvolvimento sem beneficiar as populações locais, tudo em nome da "economia verde". O Brasil, dono de grandes reservas de minerais estratégicos, se coloca, pelo menos na retórica, como guardião de um modelo mais justo.

Nesse sentido, Lula não se limita a criticar, apresentando o que poderia ser lido como as credenciais do Brasil, com uma meta, no mínimo, ambiciosa, que é o compromisso de reduzir as emissões em 59% a 67% até 2030. Segundo o presidente, o país tem resultados concretos a apresentar, com a redução pela metade do desmatamento na Amazônia nos dois últimos anos. Mas enfatiza também que erradicar o desmatamento requer garantir condições dignas de vida para seus milhões de habitantes. É a equação não resolvida de que a conservação precisa estar ligada ao desenvolvimento socioeconômico.

O presidente propõe, para isso, mecanismos globais, como "Fundo Florestas Tropicais para Sempre", uma iniciativa para remunerar países que preservam suas florestas, dando continuidade à ideia de pagamento por serviços ambientais. Segundo Lula, seria uma forma de valorizar economicamente a conservação. Mas essa é uma ideia não consensual entre os diversos atores que compõem esse cenário amazônico e precisa ser debatida de forma mais profunda com os que efetivamente vivem na região.

A proposta mais ousada, se podemos dizer assim, é a criação de um conselho vinculado à Assembleia Geral da ONU para monitorar compromissos climáticos. Isso tira o tema do âmbito apenas das COPs (sob a Convenção do Clima) e o eleva ao centro da governança global, dando-lhe mais força política e visibilidade. É uma proposta de reforma da própria ONU com o clima no centro. Seria o Conselho do Clima na ONU.

O discurso de Lula não deixa de ser uma peça estratégica de reposicionamento do Brasil no cenário internacional. A ênfase na COP30 e na agenda climática não é acidental, pois é o campo onde o Brasil pode exercer uma liderança incontestável, dado seu patrimônio natural (a Amazônia, mas não só) e seus resultados recentes.

Ao vincular a crise climática à crise do multilateralismo e à injustiça global, Lula constrói uma narrativa poderosa: a luta pelo clima é a mesma luta pela democracia, pela soberania e por um mundo multipolar mais justo. A COP30, em Belém, é apresentada não apenas como uma conferência técnica, mas como um momento de virada política, onde o Brasil se coloca como a voz do Sul Global e o árbitro da "verdade" sobre o compromisso das nações ricas com o futuro do planeta.

Fato é que Lula transformou a Amazônia em símbolo da urgência ambiental. Ao enfatizar a COP30 em Belém, elevou a floresta amazônica a um espaço de teste para a credibilidade dos compromissos internacionais. A ideia, pelo menos na teoria, é que não haverá mais margem para discursos vazios, pois a Amazônia concentra tanto as maiores riquezas naturais quanto as maiores pressões econômicas e sociais. O destaque para a redução pela metade do desmatamento nos dois últimos anos funciona como credencial política. É uma forma de Lula demonstrar que o Brasil voltou a ter protagonismo climático, contrastando com os retrocessos recentes.

Ao mesmo tempo, ele alerta que erradicar o desmatamento depende de condições de vida dignas para os milhões de habitantes da região. Ou seja, não basta preservar árvores e sim enfrentar desigualdades históricas, infraestrutura precária e ausência de políticas públicas. Esse vínculo entre preservação e justiça social é um dos pontos mais fortes do discurso, mas é algo que precisa sair do papel de forma mais incisiva.

Ao fazer um alerta contra a repetição da lógica predatória no novo ciclo de minerais críticos (como lítio, cobre e níquel), essenciais para baterias e tecnologias de energia limpa, Lula pretende inserir a Amazônia nesse debate global.
O recado é mais político, nesse sentido.

A proposta de um fundo para remunerar países que mantêm suas florestas em pé é a tentativa de institucionalizar a ideia de que preservar gera valor econômico real. É também uma estratégia para disputar a narrativa sobre quem deve pagar pela crise climática. Os países que enriqueceram emitindo gases de efeito estufa precisam compensar financeiramente os países que mantêm seus ecossistemas vivos. Esse é outro debate que parece infinito, mas necessário, embora não se possa fazer dele 'muleta' para mais emissões.

Ao defender a criação de um conselho climático vinculado à Assembleia Geral da ONU, Lula sugere que a Amazônia não é apenas um tema ambiental, mas uma questão de governança internacional. Ele tenta colocar a pauta amazônica como um dos eixos da reforma do multilateralismo, em paralelo à demanda por mudanças no Conselho de Segurança.

Embora Lula fale em "erradicar o desmatamento garantindo dignidade", há uma linha de tensão no discurso, já que ele defende a soberania brasileira sobre a Amazônia, mas, ao mesmo tempo, convida a comunidade internacional a financiar sua preservação e a conhecê-la de perto na COP30. Essa ambivalência, sob um olhar estritamente político, é estratégica, pois reafirma que a Amazônia não está disponível para ingerências externas, mas reconhece que o Brasil sozinho não arcará com o custo de protegê-la. Há muitos nuances nessa frase e ela precisa ser lida com poderosas lentes de aumento.

No pano de fundo, a floresta aparece também como metáfora de uma disputa civilizatória. De um lado, o extrativismo predatório, o lucro imediato, a destruição ambiental. Do outro, um modelo de desenvolvimento sustentável que aliaria vida digna, inclusão social e preservação ambiental.

Se formos sintetizar esse discurso, podemos pensar que Lula apresentou a Amazônia como laboratório do futuro da humanidade. Ao mesmo tempo em que exibe conquistas recentes (queda do desmatamento), ele alerta para a vulnerabilidade da região frente à mineração, às desigualdades sociais e ao descaso internacional. A floresta aparece como espaço de disputa econômica, de soberania nacional e de reforma da governança global. Isso mostra também uma certa mudança de paradigma no discurso presidencial na ONU.

Nos discursos dos anos 2000, a Amazônia era abordada sobretudo como parte de um desenvolvimento sustentável conciliado à inclusão social e à cooperação internacional. O tom era conciliatório, buscando construir alianças e convencer a comunidade global da seriedade das políticas brasileiras. Em 2025, a Amazônia é apresentada como uma peça-chave da política internacional. A floresta deixa de ser apenas patrimônio natural e se torna instrumento de diplomacia climática.

Esse movimento combina oportunidade e ambivalência. A Amazônia se apresenta como ativo diplomático, capaz de atrair recursos, tecnologia e visibilidade internacional, mas sua proteção exige políticas concretas, como governança territorial, inclusão das populações locais, monitoramento efetivo e transparência. Sem isso, o discurso pode se tornar mais simbólico do que transformador.

O recado de Lula é de a Amazônia não ser apenas floresta. Ela pode vir a ser um laboratório de justiça ambiental, geopolítica e desenvolvimento sustentável. Sua preservação, porém, dependerá da capacidade do Brasil de equilibrar soberania, ação interna e cooperação global. A COP30 em Belém será o primeiro teste dessa ambição, que mistura credibilidade, política interna e visão de futuro.

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