De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Notícias

Por que Lula não assina a homologação de 70 terras indígenas?

30/10/2025

Autor: Giovanny Vera

Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br



Cuiabá (MT) - A cada dia de espera, o garimpo, o desmatamento e os invasores avançam sobre a Terra Indígena (TI) Sawré Muybu, do povo Munduruku, no Pará. Este é o drama de uma das 70 TIs que estão em estágio final de demarcação e aguardam apenas a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ausência da assinatura presidencial, última etapa do processo de homologação, mantém o território e seus guardiões vulneráveis, permitindo, segundo o cacique Juarez Munduruku, a "pressão incessante" de grileiros, madeireiros e exploradores ilegais de minério.

A luta dos Munduruku pela Sawré Muybu, território que chegou a ser pressionado por usinas hidrelétricas no governo de Dilma Rousseff (PT) na presidência e que se tornou um marco pela autodemarcação e inspiração para outros povos, é o símbolo da omissão que organizações indígenas e especialistas denunciam no Brasil. No início de outubro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) realizou um ato para cobrar o Executivo, alertando que sem homologação não é possível preservar a floresta e combater a crise climática.

As 70 TIs que aguardam a assinatura presidencial estão no estágio de "declaradas". Apesar das promessas do governo federal de dar uma resposta, em 2025, o presidente homologou apenas três terras indígenas, todas no Ceará.

Durante o ato intitulado "A Resposta Somos Nós", a Apib e a organização global Avaaz informaram que existem ainda 37 terras consideradas "delimitadas" - precisam da assinatura do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para então serem declaradas. As lideranças indígenas esperam que a reivindicação alcance visibilidade e seja um dos focos de interesse durante a COP30, que começa em Belém em duas semanas.

Entre as 70 terras indígenas (o número anteriormente mencionado de 67 foi atualizado) que aguardam a assinatura de Lula, 9 estão no Amazonas, 8 no Mato Grosso, 8 no Pará, 2 em Tocantins, 1 no Maranhão e 1 em Rondônia. Todas elas sofrem pressão por atividades como garimpo, expansão da fronteira agropecuária ou interesses na energia hidroelétrica.

O cacique Juarez Munduruku comenta que os indígenas sempre estão fiscalizando seu território, mas sem apoio dos órgãos competentes, e que para ele a homologação é o único caminho para a proteção efetiva, o que poderia barrar a entrada de invasores. A TI Sawré Muybu foi declarada em 2024 pelo ministro Lewandowski.

Ausência de decisão governamental

Mauricio Guetta, diretor de Direito e Políticas Públicas da Avaaz, organização mundial que faz mobilização online por diversas causas sociais, ambientais e políticas em todo o mundo, afirma que o impedimento para o avanço da demarcação de TIs não são barreiras legais, mas a ausência de uma decisão governamental.

"Não há nenhum entrave jurídico ou judicial que possa prejudicar a assinatura de atos para a demarcação de 107 terras indígenas, 70 pendentes de assinatura do presidente da República e outras 37 aguardando reconhecimento formal pelo ministro da Justiça", explica. Mas essa inação do Poder Executivo se transforma em omissão, acrescentou.

A liderança Ângela Amanakwa Kaxuyana, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), afirma que o cenário atual do que ela considera "omissão" é vergonhoso, dada a dimensão do problema, onde "existem mais de 500 territórios indígenas sem nenhuma providência pelo Estado brasileiro".

Ângela ressalta que esse número demonstra a necessidade de um avanço imediato. Para ela, a COP na Amazônia representa uma oportunidade única que não pode ser desperdiçada, sendo um momento "oportuno e emblemático para que o governo brasileiro reconheça os territórios indígenas como uma resposta de ação climática". O próprio território de seu povo é um dos que estão na lista esperando a homologação, a TI Kaxuyana-Tunayana.

A lista divulgada pela Apib durante a campanha inclui também outras 161 terras indígenas consideradas "em estudo". Esta fase do processo de demarcação acontece quando a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) realiza estudos de identificação e delimitação do território para reunir evidências históricas da existência de indígenas.

Algumas delas são terras de povos em isolamento voluntário e que precisam de renovação periódica de portaria de renovação de uso. É o caso da TI Jacareúba/Katauixi, no Amazonas, e Ituna Itatá, no Pará, que sofrem há anos com pressão de invasores, violência e desmatamento. Outros territórios que também estão na lista são a TI Tanaru, no Mato Grosso, onde vivia o "índio do Buraco", morto em 2022, e a TI Piripkura, onde vivem os dois últimos membros deste povo, Baitá e Tamanduá.

Territórios ameaçados

Um dos territórios mais ameaçados e que está na lista de 161 em estudo é a TI Lago do Soares-Urucurituba, no Amazonas, ocupada por indígenas do povo Mura. É neste território que a empresa Potássio do Brasil quer explorar a silvinita. As lideranças de Soares, onde a mina está localizada, dizem que sofrem pressão e intimidação para aceitar o empreendimento. Atualmente, o caso está judicializado, mas a mineração tem apoio de políticos locais, do governador Wilson Lima (União), de autoridades do governo brasileiro e até de indígenas Mura que aceitaram a proposta da empresa, mesmo não sendo moradores de Soares.

O líder e professor indígena Herton Mura, da Organização das Lideranças Indígenas Mura do Careiro da Várzea, no Amazonas, critica a demora do processo de demarcação do território Soares-Urucurituba. "A demarcação ainda não aconteceu por uma série de fatores, pela própria ausência do Estado brasileiro, que assim viola nossos direitos constitucionais", diz Herton.

Segundo o professor Mura, a demora é o resultado da pressão política e econômica da empresa Potássio do Brasil, interessada em realizar mineração na região, o que não permitiria o avanço do processo de demarcação.

Ele lembra que a Constituição de 1988 estabeleceu um prazo de cinco anos para terminar as demarcações, mas a realidade é de uma espera que se arrasta por décadas. "Tem terras indígenas aí que já estão com mais de 40 anos, e ainda não passaram da primeira fase do processo de demarcação", explica.

Outro território que aguarda pela homologação é Ponciano, também do povo Mura, em Autazes (AM). O vice-tuxaua Marco Antônio Ponciano afirma que a importância de ter suas terras homologadas é conseguir ter paz e garantia legal contra os invasores, e assim poder cuidar do território.

"Até mesmo por causa que a terra demarcada na mão do índio tem como segurar a floresta em pé. E se a terra não tiver demarcada, não tem, por causa que o branco vem lá e põe um monte de campo e vai se acabando", afirma a liderança, referindo-se a uma situação anterior com pecuaristas invasores do território.

A demarcação de uma terra indígena é um processo administrativo, regulamentado pelo Decreto no 1775/96, para identificar e sinalizar os limites do território tradicionalmente ocupado pelos indígenas. Este processo é uma competência exclusiva do Poder Executivo, e envolve várias fases.

Na primeira etapa é formado um grupo técnico para realizar estudos de identificação e delimitação, com pesquisa antropológica, histórica, agrária e cartográfica, a cargo da Funai. Segue com a declaração dos limites, assinada pelo ministro da Justiça, para depois a Funai realizar a demarcação física do território. A última etapa é a homologação, que depende da assinatura do presidente. E aí é onde frequentemente está o gargalo.

As terras indígenas protegem o clima

O advogado indígena Mauricio Terena, especialista na defesa de direitos coletivos, enfatiza a relevância global desses territórios. Ele destaca que vários estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) "revelam que as terras indígenas produzem um serviço ambiental e climático para toda a sociedade brasileira e para o mundo, porque são elas que sequestram uma boa parte do carbono da nossa atmosfera".

Ele alerta, no entanto, que o Brasil está em um ponto crítico, e a falha em proteger esses territórios e suas florestas pode ter consequências catastróficas, pois, sem preservação e demarcação, a Amazônia em vez de sequestrar carbono, vai emitir. Essa emissão agravaria o aquecimento global, contribuindo a chegar a um ponto de não retorno prejudicial para todos.

Essa visão é compartilhada pelo cacique Robertinho Morimã, da aldeia Matrinxã, da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados, no norte do Mato Grosso, outro território que está na lista dos que esperam sua homologação.

O cacique faz a conexão entre o desmatamento dos territórios indígenas e os fenômenos climáticos extremos como temporais, ventanias e secas que são vistos em sua região. "A demarcação é a única forma de preservar o que resta, para que a gente possa garantir pelo menos esse pedaço de território que ainda está intacto, e também assim o clima do planeta", afirma Robertinho.

O território como garantia de viver e existir

A demarcação não é apenas a distribuição de terras, mas a garantia do direito de viver e de existir, defende Herton Mura. A demanda da assinatura de homologações de terras indígenas pelo presidente Lula é uma segurança jurídica que permite aos povos indígenas a proteção e a gestão de seu modo de vida, garantindo o cumprimento dos compromissos ambientais do Brasil com o mundo.

Apesar das dificuldades, dos riscos e das pressões constantes, a determinação dos povos indígenas em cuidar de seus territórios é inabalável. "A nossa preocupação é com a nova geração que está vindo aí. Se não cuidar agora, você não vai ver mais uma caça, não vai ver mais um peixe, não vai ter uma floresta grande, só um pedacinho", resume Marco Antônio, da Terra Indígena Ponciano.

Ângela Kaxuyana reitera a mensagem para a COP30: "Se a gente está debatendo uma estratégia de enfrentamento da crise climática, do ponto de não retorno, não tem uma outra forma se não for reconhecendo os territórios indígenas". A mensagem é clara: o sucesso da conferência climática no Brasil e a credibilidade ambiental do País dependem de uma ação imediata e decisiva na demarcação das terras indígenas.

https://amazoniareal.com.br/por-que-lula-nao-assina-a-homologacao-de-70-terras-indigenas/
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.