De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
CNA inaugura Agrizone na COP30 e intensifica narrativa de 'sustentabilidade'
11/11/2025
Autor: Por Helen Freitas
Fonte: InfoAmazonia - https://infoamazonia.org
Financiado por gigantes do agro, Agrizone se torna vitrine para reforçar a imagem do setor em meio ao debate global sobre emissões e desmatamento.
Ao som do Hino Nacional, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) inaugurou nesta segunda-feira (10) seu pavilhão na Agrizone, área dedicada ao agronegócio na COP30, em Belém (PA). O espaço, uma das maiores estruturas do local, rapidamente se tornou ponto de encontro de lideranças do setor.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é a anfitriã do evento. Vinculada ao governo federal, entrou em cena quando parte do agronegócio resistia em participar da conferência do clima da ONU. O espaço é financiado por patrocínios milionários de grandes empresas e entidades de classe, entre elas CNA, Nestlé e Bayer.
Durante a cerimônia de abertura do pavilhão, Daniel Carrara, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) - entidade vinculada e administrada pela CNA - disse que a parceria com a Embrapa só foi aceita sob uma condição feita à presidente da instituição, Silvia Massruha: "A Embrapa tem que falar mais". Segundo ele, a estatal precisa levar a mensagem do agronegócio brasileiro ao mundo. "Não adianta ser o produtor rural, o Senar, tem que ser a Embrapa com a sua credibilidade e com o seu conhecimento", afirmou.
Carrara, que integrou o Conselho de Administração da Embrapa entre 2020 e 2023, destacou o apoio financeiro e logístico do setor para que o evento ocorresse. "Ajudamos a praticamente reconstituir a Embrapa aqui em Belém, que estava com grandes dificuldades".
Além do pavilhão principal, que atravessa um quarteirão inteiro, a CNA montou outras três estruturas na Agrizone e na Blue Zone, esta última uma área restrita onde ocorrem as negociações oficiais entre os países.
Apesar da grandiosidade da Agrizone, o pavilhão da CNA na Blue Zone ainda estava longe de ficar pronto na manhã de segunda-feira. Mas sua localização é estratégica: fica de frente para o espaço da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), tornando-se ponto de passagem obrigatório na rota do lobby sobre agricultura e segurança alimentar.
Segundo Carrara, a programação da CNA teve um grande apoio do Instituto Pensar Agro (IPA), braço ideológico, técnico e financeiro da bancada ruralista. O Instituto é financiado por grandes entidades como Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e Croplife, representante de multinacionais fabricantes de agrotóxicos, como Bayer e Syngenta.
As narrativas da COP
Durante os 11 dias de COP, a Agrizone funciona simultaneamente como sede provisória do Ministério da Agricultura e Pecuária e como feira de exposições. O espaço também promove debates sobre agricultura regenerativa, pecuária de baixo carbono e bioeconomia amazônica, conceitos amplamente usados pelo setor para influenciar as negociações climáticas, embora não impliquem mudanças estruturais no modelo produtivo.
Dados divulgados pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima, dias antes da COP mostram que a agropecuária respondeu por 70% das emissões nacionais em 2024. Mesmo com a queda no desmatamento, as mudanças de uso da terra continuam fazendo do Brasil o quinto maior emissor do planeta. O país emite mais carbono bruto só por desmatamento do que a Arábia Saudita e o Canadá juntos - dois grandes produtores de petróleo.
Durante o evento da CNA, Carlos Xavier, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, demonstrou incômodo com as críticas internacionais a de que os amazônidas estariam "acabando com tudo".
Xavier cita como exemplo a retirada de madeira na Amazônia para justificar que certas atividades fariam parte do próprio funcionamento da floresta. "Na hora que você tira aquela árvore que deixa um espaço, a outra vem e cresce. Então a manutenção da floresta Amazônica tá em cima dos projetos de manejo", afirmou. "Nós não precisamos dizer uma vírgula de mentira [em reuniões], só contar o que é real", completou.
Estudo da Embrapa é usado como bandeira, mas não avalia estado real da vegetação
Após o evento de lançamento do pavilhão, a Embrapa Territorial apresentou o estudo "Atribuição, ocupação e uso das terras no Brasil". Os dados foram celebrados ao mostrar que 65,6% do território brasileiro está sob algum tipo de preservação ou conservação da vegetação nativa, sendo 29% atribuídos a áreas preservadas dentro de propriedades rurais.
Dados como esse são frequentemente usados pelo setor para afirmar que o agricultor "mais preserva do que desmata". Mas, como explica a chefe adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Territorial Lucíola Magalhães, o estudo não avalia o estado real da vegetação, apenas contabiliza áreas que deveriam estar preservadas, segundo compromissos legais e classificações territoriais. Ou seja: não verifica se a vegetação está de pé.
Ainda assim, ela afirma que a salvação do Cerrado está nas lavouras. "O grande compromisso de preservação dos cerrados está dentro dos imóveis rurais privados do CAR [Cadastro Ambiental Rural]".
Dados do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o Cerrado segue sendo o bioma mais desmatado do país, à frente da Amazônia. Maranhão (28%) e Tocantins (21%) lideram o ranking, ambos marcados pela forte expansão agropecuária.
Nestlé aposta em brindes e discursos "verdes"
Um dos mais populares estandes da Agrizone - espaço montado e financiado por empresas e entidades do agronegócio na COP30, em Belém (PA) - é o da multinacional de origem suíça Nestlé. Visitantes se aglomeram em filas para ganhar garrafas reutilizáveis, chocolates e cafés de cápsula.
A empresa veio à COP30 defender o conceito de "agricultura regenerativa". De acordo com a Nestlé, a prática reduz o uso de agrotóxicos e recupera a biodiversidade do solo.
No entanto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão científico vinculado à ONU, considera a agricultura regenerativa uma abordagem ainda sem definição universal, cuja capacidade de mitigação de emissões de gases de efeito estufa "precisa ser mais claramente estabelecida".
A Nestlé anunciou nesta segunda dois convênios com a Embrapa, umas das principais organizadoras da Agrizone.
Um vai testar como diferentes dietas afetam as emissões de gases por vacas leiteiras, já o outro busca desenvolver sistemas agroflorestais mais eficientes para a produção de cacau.
A pecuária é a maior fonte de emissões do Brasil, respondendo por 51% do total, somando desmatamento indireto, uso de energia e fermentação entérica (metano), de acordo com dados do Seeg, do Observatório do Clima. Se fosse um país, o rebanho bovino brasileiro seria o sétimo maior emissor do mundo, ligeiramente à frente do Japão.
Em outubro, a Nestlé deixou a aliança global para redução de emissões de metano. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o CEO da empresa no Brasil, Marcelo Melchior, explicou que a matriz decidiu pela saída, mas isso "não muda o que fazem para reduzir emissões". Segundo ele, a Nestlé investe em melhorias na alimentação das vacas leiteiras.
O CEO ainda afirma que a decisão permitiu focar em outras iniciativas, como a circularidade das embalagens. "Precisamos encontrar um jeito melhor para que [as embalagens] retornem à economia", defendeu o Melchior, ao falar sobre "economia circular".
A medida é apoiada pela indústria do plástico e de alimentos e bebidas ultraprocessados prioriza a reciclagem, mas criticada por ambientalistas por não limitar a produção de plásticos de uso único, um dos principais vetores de poluição da atualidade.
Especialistas alertam que a reciclagem, por si só, não é capaz de resolver o problema da poluição do plástico. Em 2023, a coalizão Break Free From Plastic mostrou que sete das dez empresas que mais poluíram o planeta com plástico eram fabricantes de bebidas e ultraprocessados. Coca-Cola, PepsiCo e Nestlé lideravam o ranking.
Seja por meio de associações como a Abia, seja diretamente, a Nestlé tem atuado para influenciar a posição do governo brasileiro no Tratado Global sobre Poluição Plástica da ONU e em decisões nacionais que poderiam restringir o uso do resíduo no país. O próprio CEO reconheceu a atuação. "Nós tivemos que explicar para o governo, por exemplo, que não fazia mais sentido proibir o uso de plástico reciclado na embalagem de alimentos", afirmou à Folha.
https://infoamazonia.org/2025/11/11/cna-inaugura-agrizone-na-cop30-e-intensifica-narrativa-de-sustentabilidade/
Ao som do Hino Nacional, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) inaugurou nesta segunda-feira (10) seu pavilhão na Agrizone, área dedicada ao agronegócio na COP30, em Belém (PA). O espaço, uma das maiores estruturas do local, rapidamente se tornou ponto de encontro de lideranças do setor.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é a anfitriã do evento. Vinculada ao governo federal, entrou em cena quando parte do agronegócio resistia em participar da conferência do clima da ONU. O espaço é financiado por patrocínios milionários de grandes empresas e entidades de classe, entre elas CNA, Nestlé e Bayer.
Durante a cerimônia de abertura do pavilhão, Daniel Carrara, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) - entidade vinculada e administrada pela CNA - disse que a parceria com a Embrapa só foi aceita sob uma condição feita à presidente da instituição, Silvia Massruha: "A Embrapa tem que falar mais". Segundo ele, a estatal precisa levar a mensagem do agronegócio brasileiro ao mundo. "Não adianta ser o produtor rural, o Senar, tem que ser a Embrapa com a sua credibilidade e com o seu conhecimento", afirmou.
Carrara, que integrou o Conselho de Administração da Embrapa entre 2020 e 2023, destacou o apoio financeiro e logístico do setor para que o evento ocorresse. "Ajudamos a praticamente reconstituir a Embrapa aqui em Belém, que estava com grandes dificuldades".
Além do pavilhão principal, que atravessa um quarteirão inteiro, a CNA montou outras três estruturas na Agrizone e na Blue Zone, esta última uma área restrita onde ocorrem as negociações oficiais entre os países.
Apesar da grandiosidade da Agrizone, o pavilhão da CNA na Blue Zone ainda estava longe de ficar pronto na manhã de segunda-feira. Mas sua localização é estratégica: fica de frente para o espaço da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), tornando-se ponto de passagem obrigatório na rota do lobby sobre agricultura e segurança alimentar.
Segundo Carrara, a programação da CNA teve um grande apoio do Instituto Pensar Agro (IPA), braço ideológico, técnico e financeiro da bancada ruralista. O Instituto é financiado por grandes entidades como Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e Croplife, representante de multinacionais fabricantes de agrotóxicos, como Bayer e Syngenta.
As narrativas da COP
Durante os 11 dias de COP, a Agrizone funciona simultaneamente como sede provisória do Ministério da Agricultura e Pecuária e como feira de exposições. O espaço também promove debates sobre agricultura regenerativa, pecuária de baixo carbono e bioeconomia amazônica, conceitos amplamente usados pelo setor para influenciar as negociações climáticas, embora não impliquem mudanças estruturais no modelo produtivo.
Dados divulgados pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima, dias antes da COP mostram que a agropecuária respondeu por 70% das emissões nacionais em 2024. Mesmo com a queda no desmatamento, as mudanças de uso da terra continuam fazendo do Brasil o quinto maior emissor do planeta. O país emite mais carbono bruto só por desmatamento do que a Arábia Saudita e o Canadá juntos - dois grandes produtores de petróleo.
Durante o evento da CNA, Carlos Xavier, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, demonstrou incômodo com as críticas internacionais a de que os amazônidas estariam "acabando com tudo".
Xavier cita como exemplo a retirada de madeira na Amazônia para justificar que certas atividades fariam parte do próprio funcionamento da floresta. "Na hora que você tira aquela árvore que deixa um espaço, a outra vem e cresce. Então a manutenção da floresta Amazônica tá em cima dos projetos de manejo", afirmou. "Nós não precisamos dizer uma vírgula de mentira [em reuniões], só contar o que é real", completou.
Estudo da Embrapa é usado como bandeira, mas não avalia estado real da vegetação
Após o evento de lançamento do pavilhão, a Embrapa Territorial apresentou o estudo "Atribuição, ocupação e uso das terras no Brasil". Os dados foram celebrados ao mostrar que 65,6% do território brasileiro está sob algum tipo de preservação ou conservação da vegetação nativa, sendo 29% atribuídos a áreas preservadas dentro de propriedades rurais.
Dados como esse são frequentemente usados pelo setor para afirmar que o agricultor "mais preserva do que desmata". Mas, como explica a chefe adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Territorial Lucíola Magalhães, o estudo não avalia o estado real da vegetação, apenas contabiliza áreas que deveriam estar preservadas, segundo compromissos legais e classificações territoriais. Ou seja: não verifica se a vegetação está de pé.
Ainda assim, ela afirma que a salvação do Cerrado está nas lavouras. "O grande compromisso de preservação dos cerrados está dentro dos imóveis rurais privados do CAR [Cadastro Ambiental Rural]".
Dados do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o Cerrado segue sendo o bioma mais desmatado do país, à frente da Amazônia. Maranhão (28%) e Tocantins (21%) lideram o ranking, ambos marcados pela forte expansão agropecuária.
Nestlé aposta em brindes e discursos "verdes"
Um dos mais populares estandes da Agrizone - espaço montado e financiado por empresas e entidades do agronegócio na COP30, em Belém (PA) - é o da multinacional de origem suíça Nestlé. Visitantes se aglomeram em filas para ganhar garrafas reutilizáveis, chocolates e cafés de cápsula.
A empresa veio à COP30 defender o conceito de "agricultura regenerativa". De acordo com a Nestlé, a prática reduz o uso de agrotóxicos e recupera a biodiversidade do solo.
No entanto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão científico vinculado à ONU, considera a agricultura regenerativa uma abordagem ainda sem definição universal, cuja capacidade de mitigação de emissões de gases de efeito estufa "precisa ser mais claramente estabelecida".
A Nestlé anunciou nesta segunda dois convênios com a Embrapa, umas das principais organizadoras da Agrizone.
Um vai testar como diferentes dietas afetam as emissões de gases por vacas leiteiras, já o outro busca desenvolver sistemas agroflorestais mais eficientes para a produção de cacau.
A pecuária é a maior fonte de emissões do Brasil, respondendo por 51% do total, somando desmatamento indireto, uso de energia e fermentação entérica (metano), de acordo com dados do Seeg, do Observatório do Clima. Se fosse um país, o rebanho bovino brasileiro seria o sétimo maior emissor do mundo, ligeiramente à frente do Japão.
Em outubro, a Nestlé deixou a aliança global para redução de emissões de metano. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o CEO da empresa no Brasil, Marcelo Melchior, explicou que a matriz decidiu pela saída, mas isso "não muda o que fazem para reduzir emissões". Segundo ele, a Nestlé investe em melhorias na alimentação das vacas leiteiras.
O CEO ainda afirma que a decisão permitiu focar em outras iniciativas, como a circularidade das embalagens. "Precisamos encontrar um jeito melhor para que [as embalagens] retornem à economia", defendeu o Melchior, ao falar sobre "economia circular".
A medida é apoiada pela indústria do plástico e de alimentos e bebidas ultraprocessados prioriza a reciclagem, mas criticada por ambientalistas por não limitar a produção de plásticos de uso único, um dos principais vetores de poluição da atualidade.
Especialistas alertam que a reciclagem, por si só, não é capaz de resolver o problema da poluição do plástico. Em 2023, a coalizão Break Free From Plastic mostrou que sete das dez empresas que mais poluíram o planeta com plástico eram fabricantes de bebidas e ultraprocessados. Coca-Cola, PepsiCo e Nestlé lideravam o ranking.
Seja por meio de associações como a Abia, seja diretamente, a Nestlé tem atuado para influenciar a posição do governo brasileiro no Tratado Global sobre Poluição Plástica da ONU e em decisões nacionais que poderiam restringir o uso do resíduo no país. O próprio CEO reconheceu a atuação. "Nós tivemos que explicar para o governo, por exemplo, que não fazia mais sentido proibir o uso de plástico reciclado na embalagem de alimentos", afirmou à Folha.
https://infoamazonia.org/2025/11/11/cna-inaugura-agrizone-na-cop30-e-intensifica-narrativa-de-sustentabilidade/
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