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Censo 2022: Menos de um terço dos indígenas usa línguas de povos originários para se comunicar

24/10/2025

Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com/



Censo 2022: Menos de um terço dos indígenas usa línguas de povos originários para se comunicar
Dados do IBGE apontam fenômenos concomitantes de revitalização de línguas e avanço do português entre os grupos étnicos; alfabetização evolui, mas tem desafios

24/10/2025

Júlia Cople

Novo detalhamento do Censo Demográfico 2022, divulgado pelo IBGE nesta sexta-feira, aponta que menos de um terço (28,51%) dos indígenas a partir dos cinco anos de idade utiliza línguas indígenas para se comunicar em seu domicílio. Os dados apontam um recuo de quase dez pontos percentuais em relação ao registrado no levantamento anterior, de 2010, quando 37,35% dessa população citava o uso de alguma linguagem indígena. Esse cenário coexiste com fenômenos de revitalização de línguas indígenas e avanço do português entre os povos.

Em dados absolutos, o número de falantes de línguas indígenas passou de quase 294 mil para quase 434 mil - só fora de terras indígenas, o quantitativo mais que dobrou, a 96,6 mil. No entanto, o uso dessas linguagens perdeu espaço em termos proporcionais, em meio ao incremento de quase 90% da população indígena no país de um Censo para o outro.

Na contramão do quadro geral, considerando apenas residentes em terras indígenas, o peso de falantes de língua indígena passou de 57,35%, em 2010, para 63,22%, em 2022.

O Censo 2022 considerou o entrevistado como falante de língua indígena apenas quando ela, incluindo línguas próprias de sinais, era utilizada para comunicação no domicílio. Desta vez, o recenseador permitiu que a pessoa citasse até três línguas indígenas, dadas as possibilidades de casamentos interétnicos, de variações de comunicações entre filhos e pais, entre outras.

Os dados do Censo "revelam" 21 novas línguas no país, incluindo a Patuá (Crioula), a Kipéa, a Kawahíba dos Amondáwa, a Creole do Amapá e a Faruk'woto, entre outras, como a Língua de Sinais Kiriri e a Língua de Sinais Terena.

Em 2022, o Brasil tinha um total de 295 línguas indígenas faladas ou utilizadas no domicílio por pessoas indígenas com dois anos ou mais de idade; em 2010, eram 274 as línguas entre os indígenas de cinco anos ou mais. Só nas terras indígenas, foram identificadas desta vez 248 línguas, contra 214 da sondagem passada.

- A declaração linguística foi melhor captada devido a diferentes implementações do IBGE, melhorias no treinamento das equipes. Você tem a migração, o detalhamento, mas também um processo expressivo de maior afirmação e recuperação do patrimônio linguístico por parte dos povos indígenas. Algumas das variações identificadas podem ser línguas que estavam adormecidas. Cada caso tem uma explicação - destaca Fernando Damasco, gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE.

Na comparação com 2010, houve uma ampliação do total de línguas faladas em quase todas as unidades da federação, à exceção de Espírito Santo e Sergipe.

O estado com maior diversidade linguística indígena é Amazonas, com 165, ante 77 no levantamento anterior. Na sequência, vêm São Paulo (foi de 110 para 130 línguas indígenas) e Pará (113 para 126). Na divisão por municípios, destacam-se grandes centros como Manaus (AM), com 99 línguas declaradas; São Paulo (SP), com 78; e Brasília (DF), com 61.

Fora das capitais, a diversidade se apresenta com mais força em São Gabriel da Cachoeira (AM), que registrou 68 línguas indígenas; Altamira (PA), com 33; e Iranduba (AM), 31. Para Damasco, os dados podem indicar onde há desafios mais agudos de oficialização ou manutenção desse patrimônio.

- A gente destaca uma certa disseminação nos municípios da Amazônia Legal, com presença de grande quantitativo de línguas faladas. Isso é importante porque alguns municípios têm desenvolvido políticas de reconhecimento oficial de línguas, o que contribui para o acesso à cidadania, para o exercício de direitos, uma vez que facilita a tradução de documentos, viabiliza a presença de intérpretes em órgãos públicos - ressalta Damasco.

O Amazonas concentra quase um terço dos falantes de línguas indígenas: 137 mil pessoas, ou 31,77% do total. Depois desse estado do Norte, o maior número de falantes aparece em Mato Grosso do Sul (quase 59 mil) e Mato Grosso (42,5 mil), aponta o Censo 2022.

Uso do português e alfabetização avançam
O levantamento também captou a idade mediana dos falantes, num indicativo da vitalidade linguística e capacidade de reprodução dessas linguagens. Em 2022, a idade mediana das pessoas indígenas que falam ou utilizam línguas indígenas no domicílio era de 21 anos, sendo que a idade mediana dos integrantes desses povos, em geral, era de 25 anos.


Sete estados possuem mais da metade da população indígena entre 2 e 19 anos falante de língua indígena: Acre (55%), Maranhão (53%), Mato Grosso (53%), Pará (52%), Paraíba (51%) e Minas Gerais (50%). Os menores percentuais nesse quesito foram identificados em Sergipe, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco - para Damasco, isso pode indicar uma maior dificuldade de oficialização e reprodução de línguas para as gerações mais jovens nesses lugares, embora o tema careça de aprofundamento a partir dos dados do Censo.

As três línguas com maior número de falantes em 2022 eram Tikúna (quase 52 mil, sendo 87% delas dentro de terras indígenas); Guarani Kaiowá (38,6 mil, com 81% em TI); e Guajajara (29 mil, com 90% em territórios reconhecidos).

Os dados do Censo 2022 detectaram a ocorrência de fenômenos linguísticos diversos no país, com variações positivas e negativas do uso de línguas, ao mesmo tempo, em regiões do país. Damasco salienta que o levantamento traz um retrato do que ocorreu na década e fornece subsídios para o detalhamento de dinâmicas, como os efeitos de políticas educacionais.

Em 2022, mais de 1,4 milhão de pessoas indígenas utilizavam o português no domicílio, o que representava 86,32% da população indígena do país. Nas terras indígenas, essa proporção cai para 67,14%, com 394 mil falantes. A língua portuguesa é mais disseminada entre os povos que vivem fora dos territórios demarcados e em situação urbana.

Considerando os indígenas de cinco anos ou mais, o percentual de não falantes de português diminuiu de 17,49% (2010) para 11,93% (2022). Mas, dentro de terra indígena, os não falantes de português aumentaram de 28,85% a 30,96% no mesmo período.

Damasco destaca que 98 terras indígenas tiveram variações positivas de falantes de português acima de 25 pontos percentuais, enquanto outras 42 registraram variações negativas dessa monta. São processos que incluem efeitos da urbanização, da política educacional, entre outros, e que acendem alertas para desafios de manutenção do patrimônio linguístico.


- O avanço do português é uma realidade esperada pela entrada da escolarização, o acesso recorrente às cidades, mas você vai ter, em alguns contextos, o português retraindo pela importância das políticas linguísticas e pelas variações demográficas de cada povo. As situações de incremento do português podem indicar o fortalecimento do acesso à escolarização em língua portuguesa. A retração do uso da língua indígena com avanço expressivo do português é a situação mais preocupante. A gente pode estar diante de uma fragilidade na reprodução do uso da língua - afirma ele.

O peso relativo das pessoas falantes de línguas indígenas e português se amplia em relação aos que só falam línguas indígenas a partir dos 15 anos, para os homens, e de 20 a 24 anos, para as mulheres, aponta o Censo.

O levantamento sobre o patrimônio linguístico se articula também com os dados estimados da alfabetização dessa população. Segundo o Censo, a taxa de alfabetização dos indígenas, como um todo, era de 84,95% em 2022, mais de dez pontos acima do cenário de 2010 (73,91%).

No entanto, entre as pessoas indígenas com 15 anos ou mais de idade que falavam apenas línguas indígenas no domicílio, o analfabetismo chega a 31,86% no novo levantamento. Enquanto isso, os indígenas que falam apenas português têm a taxa de alfabetização mais elevada, de 87,21%.

Para os especialistas, os dados apontam para a necessidade da elaboração de políticas educacionais diferenciadas e de acesso à escolarização para falantes de línguas indígenas.

O Censo 2022 também apurou que, entre as crianças indígenas de até cinco anos, 5,42% não têm registro de nascimento - mais de quatro pontos acima do estimado para a população dessa idade no Brasil, em geral (0,51%).

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