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COP30: Documento da Cúpula dos Povos denuncia perseguição a indígenas no mesmo dia em que tomba liderança Kaiowá e Guarani

16/11/2025

Fonte: Cimi - https://cimi.org.br



A Declaração final da Cúpula dos Povos articulou uma crítica à condução da agenda climática e afirmou que nenhuma resposta à crise será possível sem a centralidade dos povos indígenas na defesa dos territórios. O documento - publicado nesta sexta-feira (16) - sustenta que a demarcação é condição estratégica para conter a escalada de violência, estancar a devastação e garantir a continuidade da vida - não como promessa futura, mas como obrigação imediata dos Estados.

A entrega da Declaração da Cúpula dos Povos ocorre no mesmo dia em que a violência contra líderes indígenas se manifesta de forma trágica. Em mais um episódio contra o povo Kaiowá e Guarani - há décadas em busca de seus territórios, de onde foram expulsos - cerca de 20 homens fortemente armados atacaram na madrugada deste domingo (16) a retomada de Pyelito Kue, na Terra Indígena (TI) Iguatemipeguá I, em Iguatemi (MS). No ataque, os pistoleiros assassinaram com um tiro na cabeça Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá e Guarani, de 36 anos. Outros quatro Kaiowá e Guarani, entre eles dois adolescentes e uma mulher, também foram atingidos.

"O documento também alerta para a escalada de ataques contra territórios e defensores socioambientais"

Demarcação: a única alternativa possível

A Declaração destaca o papel histórico de povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e populações periféricas na defesa da floresta e na proteção da Casa Comum. O texto ressalta que a construção de políticas climáticas precisa reconhecer saberes ancestrais, garantir soberania territorial e impedir projetos que violam direitos coletivos.

Nesse contexto, a demarcação surge associada à preservação da Amazônia, à restauração ecológica e ao enfrentamento da violência em curso. O documento reivindica que os governos adotem também medidas pontuais para o "desmatamento zero, o fim das queimadas criminosas e políticas de Estado para recuperação de áreas degradadas".

"O ar, as florestas, as águas, as terras, os minérios e as fontes de energia não podem permanecer como propriedade privada nem serem apropriados,"

Ao denunciar a captura corporativa da agenda climática, a Cúpula rejeita ainda iniciativas que transformam territórios em mercadoria e reafirma a necessidade de limites à atuação de empresas e fundos financeiros: "O ar, as florestas, as águas, as terras, os minérios e as fontes de energia não podem permanecer como propriedade privada nem serem apropriados, porque são bens comuns dos povos." A crítica inclui os mecanismos como o "Fundo Florestas Tropicais Para Sempre" (TFFF, sigla em inglês), apresentados como falsas soluções que ampliam desigualdades e não reduzem emissões.

O documento também alerta para a escalada de ataques contra territórios e defensores socioambientais, responsabilizando Estados e corporações pela violência crescente. A declaração afirma: "Denunciamos a contínua criminalização dos movimentos, a perseguição, o assassinato e desaparecimento de nossas lideranças que lutam em defesa de seus territórios."

Ao analisar a raiz estrutural da crise climática, a Cúpula aponta diretamente o modelo econômico vigente: "O modo de produção capitalista é a causa principal da crise climática crescente." A denúncia se amplia na cobrança por reparações e responsabilização de agentes violadores: "Exigimos a justa e plena reparação das perdas e danos impostos aos povos pelos projetos de investimento destrutivos, pelas barragens, mineração, extração de combustíveis fósseis e desastres climáticos. Também exigimos que sejam julgados e punidos os culpados pelos crimes econômicos e socioambientais que afetam milhões de comunidades e famílias em todo o mundo."

"Que a proteção dos territórios indígenas permaneça no centro das soluções reais"

A Declaração da Cúpula dos Povos reafirma, assim, que enfrentar a crise climática exige enfrentar sua raiz colonial, corporativa e desigual - e que a proteção dos territórios indígenas permaneça no centro das soluções reais.

A Declaração final da Cúpula dos Povos é resultado de um processo que levou dois anos, e que foi concluído em Belém (PA), na Cúpula dos Povos, realizado em paralelo à Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudança Climáticas (COP30). O processo reuniu mais de 70 mil pessoas que compõem movimentos locais, nacionais e internacionais de povos originários e tradicionais e por setores que compõem comunidades historicamente marginalizadas dos territórios, das águas e das periferias sociais - sujeitos diretamente afetados pelos impactos das mudanças climáticas e pela desigualdade estrutural.

A síntese final foi entregue ao embaixador da COP, André Correia Lago, a diretora executiva da COP, Ana Toni, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos. A promessa é que o embaixador apresente a Declaração dos Povos nos espaços formais da conferência.



Decisões políticas adiadas: mais um corpo indígena tombado

O assassinato de Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá e Guarani escancara - no exato dia da entrega da Declaração da Cúpula dos Povos - aquilo que o documento denuncia como fato estrutural: a política brasileira continua incapaz de converter direitos em ação, e essa distância tem custado vidas de forma sistemática. A constatação não é apenas simbólica - é trágica e mensurável. Na prática, decisões políticas adiadas significa mais um corpo indígena tombado e mais uma comunidade aterrorizada pela violência.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em resolução emitida no dia 10 de novembro, já havia alertado para o "estado de sistemática violação dos direitos humanos dos povos indígenas", exigindo do governo ações imediatas, coordenação entre órgãos federais e responsabilização de agentes públicos que se omitem. A violência que matou Vicente confirma, ponto a ponto, o que o CNDH e o Cimi vêm denunciando: os territórios estão sitiados pela impunidade, pela demora do Estado e pela atuação criminosa de milícias rurais e interesses econômicos que avançam sobre terras não demarcadas.

"O clima colapsa pela mesma engrenagem que produz chacinas"

Ao mesmo tempo, a Cúpula dos Povos reforça que a crise climática não será contida enquanto a violência territorial continuar sendo tratada como efeito colateral. O entendimento é que o clima colapsa pela mesma engrenagem que produz chacinas, expulsões, destruição e captura política: um modelo econômico fundado na mercantilização da vida e na negação dos direitos originários.

Por isso, o assassinato de Vicente - ocorrido enquanto autoridades discursavam sobre compromissos - não é apenas uma tragédia isolada é a materialização de que as urgências expressas pela sociedade civil não encontram eco nas práticas do Estado brasileiro. O movimento afirma que enquanto medidas não forem tomadas, enquanto a demarcação continuar paralisada e enquanto a violência seguir sendo naturalizada, nenhuma conferência internacional, resolução ou assinatura será capaz de impedir a continuidade do genocídio em curso.



Entre declarações e a urgência de ações concretas

Os pontos reafirmados na Declaração da Cúpula dos Povos - demarcação de territórios, enfrentamento à violência, combate às falsas soluções e responsabilização de Estados e corporações - fazem parte de uma pauta historicamente reiterada pelos povos indígenas, comunidades tradicionais e organizações de base.

Nesse sentido, a leitura do Cimi, expressa no documento "A terra não está à venda", é clara ao apontar que a omissão estatal tem custado vidas, territórios e futuros. O Cimi alerta que, enquanto Estados e governos mantiverem a lógica colonial e o modelo econômico predatório, documentos como o apresentado na Cúpula dos Povos correm o risco de se somar a uma longa fila de reivindicações não atendidas.

"Não há solução climática sem demarcação de terras, sem rupturas sistêmicas"

Tanto a Declaração quanto o documento político do Cimi enfatizam que não há solução climática sem demarcação de terras, sem rupturas sistêmicas e sem a superação das políticas que alimentam a violência contra territórios e lideranças. No entanto, como destaca o Cimi, esses mesmos pontos são sistematicamente negligenciados pelos Estados, que seguem aprovando legislações anti-indígenas, fragilizando políticas socioambientais e fortalecendo frentes de destruição como o agronegócio, a mineração e os mecanismos financeiros de mercado.

Diante disso, a Declaração da Cúpula dos Povos só terá impacto real se romper com o ciclo de declarações simbólicas e for acompanhada de medidas imediatas: demarcações efetivas, revogação de dispositivos que inviabilizam direitos, e contenção do avanço corporativo sobre a natureza.

A expectativa dos povos e do Cimi se volta para decisões reais que enfrentem a estrutura que gera violência e colapso ambiental e a "força popular capaz de fazer acontecer uma agenda real de ruptura e transformação", conforme destaca o documento do Cimi.

Até que isso ocorra é a vida dos povos que continuará sendo ceifada.

Leia aqui o documento na íntegra.

https://cimi.org.br/2025/11/cop30-cupula-dos-povos-denuncia-perseguicao-a-indigenas-no-mesmo-dia-em-que-tomba-lideranca/
 

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