De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Garimpo Ilegal: "As crianças já nascem sem braço, sem mão", afirma líder Kayapó Doto Takaki-Ire

22/11/2025

Autor: Por Rudja Santos

Fonte: Carta Amazonia - https://cartaamazonia.com.br



A devastação provocada pelo garimpo ilegal sobre as terras indígenas da Amazônia foi tema de um painel composto pelo defensor público federal Vladmir Correia, analista de Políticas Públicas do WWF-Brasil Ariene Cerqueira e pelo líder Kayapó Doto Takaki-Ire, presidente do Instituto KABU. Reunindo dados técnicos, análises jurídicas e relatos vividos, o encontro desenhou um retrato detalhado e alarmante de uma engrenagem criminosa que combina mineração clandestina, facções armadas, exploração sexual, lavagem de dinheiro, destruição ambiental profunda e contaminação por mercúrio - uma crise interligada que pressiona populações indígenas e ecossistemas inteiros justamente no momento em que o Brasil sedia a COP30.

O defensor público federal Vladmir Correia abriu o debate e estabeleceu a gravidade do cenário. "Quando a gente fala do garimpo ilegal, já sabe de todos os problemas: poluição, invasão de terras indígenas, lavagem de dinheiro, crime organizado e tráfico de drogas. Temos crimes como trabalho escravo, tráfico de pessoas, exploração sexual, inclusive de menores". Segundo ele, o Observatório Nacional da DPU foi estruturado para receber denúncias, articular instituições e fornecer suporte técnico e jurídico a defensores públicos que atuam diretamente nas regiões mais afetadas. O defensor destacou a necessidade de atuação em rede, especialmente porque o garimpo ilegal não envolve apenas delitos ambientais, mas múltiplas violações de direitos humanos contra povos tradicionais. "A DPU sempre se preocupou em atuar em rede para tentar diminuir - ou acabar, que seria o ideal - com o garimpo ilegal, principalmente nas terras indígenas", afirmou.

Ariene Cerqueira, advogada especialista em Meio Ambiente e Conservação da Biodiversidade, trouxe os dados mais recentes produzidos pela instituição sobre a expansão do garimpo na Amazônia. Ela explicou que a WWF atua há muitos anos no Brasil e passou a monitorar intensamente o avanço da mineração ilegal a partir de 2015, quando as primeiras análises mostraram que crises econômicas nacionais e internacionais têm relação direta com o aumento das áreas garimpadas. "Toda vez que há uma crise econômica, vemos um incremento expressivo de áreas abertas. Em 2020, na pandemia, esse número dispara". Ela explica que a abertura de novas frentes de garimpo acompanhou a alta do preço do ouro no mercado global, enquanto a arrecadação oficial - que deveria refletir essa expansão - não cresceu na mesma proporção. Para Ariene, a explicação é evidente: "Boa parte dessa expansão se dá de forma ilegal ou irregular. Não ocorre dentro dos ditames da lei".

A especialista expôs um caso emblemático: um polígono autorizado pela Agência Nacional de Mineração (ANM) exatamente na borda da Terra Indígena Kayapó (TI Kayapó, no Pará). As imagens mostram que a área autorizada estava intacta, sem qualquer sinal de atividade minerária, enquanto a destruição total estava dentro da terra indígena, onde a exploração é proibida pela Constituição.

O caso citado por Ariene Cerqueira ilustra uma das principais engrenagens da legalização fraudulenta do ouro no Brasil: a existência de polígonos autorizados pela Agência Nacional de Mineração (ANM) que funcionam como fachadas legais para escoar ouro extraído ilegalmente de terras indígenas.

As frentes de garimpo - realmente ativas - estavam todas dentro do território indígena, e não no polígono autorizado. Ainda assim, a cooperativa titular da autorização na borda da terra indígena declarou mais de R$ 9 milhões em produção nos últimos anos, mesmo sem qualquer evidência de atividade no local permitido.

Segundo Cerqueira, esse tipo de arranjo é um padrão recorrente: autorizam-se pequenas áreas próximas a territórios protegidos, que são mantidas "limpas" para - no papel - justificar a entrada de ouro no sistema formal. Enquanto isso, o ouro real, extraído de dentro da terra indígena, é "lavado" usando as notas fiscais dessa autorização. Esse mecanismo permite que ouro ilegal entre no mercado como se fosse legal, alimentando a cadeia econômica, bancos, distribuidoras e joalherias dentro e fora do país.

O estudo mais recente apoiado pelo WWF-Brasil sobre contaminação por mercúrio na Amazônia, desenvolvido em parceria com a Fiocruz, revela um quadro crítico e crescente de risco para povos indígenas e comunidades tradicionais expostas ao garimpo ilegal. A pesquisa analisou amostras biológicas de indígenas e de moradores de áreas protegidas, indicando níveis de mercúrio acima do limite seguro estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, com registros que ultrapassam em algumas aldeias mais de três vezes o valor considerado tolerável.

Segundo os dados consolidados pelo WWF, cerca de 150 toneladas de mercúrio são despejadas nos rios amazônicos todos os anos por atividades garimpeiras, contaminando peixes - principal fonte de proteína dessas populações - e entrando na cadeia alimentar de forma cumulativa. O relatório destaca que o mercúrio permanece no ambiente por mais de um século, causando efeitos que perduram por gerações, incluindo danos neurológicos, problemas motores, dificuldades cognitivas e maior risco para gestantes e crianças.

Ao complementar os dados, Vladmir Correia relatou sua visita ao Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, onde novas tecnologias permitem rastrear a origem química do ouro comercializado. Segundo o defensor, as análises mostram que grande parte do ouro ilegal extraído da Amazônia abastece o mercado internacional: "Grande parte do ouro retirado ilegalmente da Amazônia é comprado no Canadá, na França e em outros países da Europa, por grandes joalherias." Ele enfatizou que o enfrentamento do garimpo ilegal precisa incluir necessariamente o combate à legalização fraudulenta do ouro e sua circulação na cadeia econômica global. "O combate ao garimpo não pode ser apenas territorial; é preciso combater a legalização fraudulenta e a circulação desse ouro no mercado global."

A intervenção mais impactante veio do líder kayapó Doto Takak-Ire, que falou a partir da experiência direta de sua comunidade. "As crianças nascem já com defeito, sem braço, sem mão. Os peixes estão contaminados. O rio está contaminado. A gente chamou a Fiocruz para examinar os Kayapó e examinar os peixes", lamentou. Doto relatou que os laudos coletados estão sendo enviados à Convenção de Minamata, em Genebra, onde esteve para denunciar a contaminação causada pelo garimpo. "Eu estive agora em Genebra. Eles também compram ouro lá - ouro daqui do Brasil. E é esse ouro que está deixando problema para nós."

Takak-Ire denunciou também a entrada de mineradoras estrangeiras no entorno da Terra Indígena Baú - sudoeste do Pará, na região do Médio Xingu, sem qualquer consulta prévia, livre e informada, como exige a Convenção 169 da OIT. "A empresa canadense está entrando lá. Estão autorizando sem nossa consciência, sem nosso conhecimento, sem consulta prévia, livre e informada." Ele explicou que o garimpo ilegal opera na região desde a década de 1980, com impactos que vão muito além da degradação ambiental: "Os garimpeiros tiram quilos e quilos de ouro da terra e deixam migalha para os 'índios'. E deixam um problema enorme: a contaminação."

Doto Takak-Ire fez um alerta global, relacionando a destruição ambiental ao colapso climático. "Se a gente não souber segurar, o mundo vai acabar. O clima está mudando. Quem está no meio disso somos nós, que vivemos na floresta". Ele lembrou também a luta histórica do cacique Raoni, seu tio. "Meu tio Raoni sempre lutou. Ele luta por nós e pelo mundo inteiro. Ele diz que estamos aqui hoje, mas amanhã não estamos mais. Por isso temos que preservar. Sem povo indígena, não tem floresta",afirmou.

O líder Kayapó também reforçou o apelo para que a crise do garimpo ilegal seja tratada como questão global: "o mundo está preocupado com o meio ambiente, mas quem cuida do meio ambiente somos nós. A floresta só existe porque existe povo indígena para defendê-la, e o que Deus deixou para a gente, o ser humano está destruindo", lamentou.

https://cartaamazonia.com.br/cop-30-as-criancas-nascem-ja-sem-braco-sem-mao-afirma-lider-kayapo-doto-takaki-ire/
 

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