De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Notícias

Declaração dos Povos Indígenas da Amazônia em resposta aos resultados da COP30

23/11/2025

Fonte: Coiab - https://coiab.org.br



Há mais de dois anos, nós, representantes dos Povos Indígenas dos nove países da Bacia Amazônica, temos construído nossa participação para a COP30 por meio de nossas organizações OPIAC, COIAB, OIS, FOAG, APA, ORPIA, CONFENIAE, AIDESEP, CIDOB - organizações afiliadas à COICA.

Esta COP, a COP amazônica, representava um momento histórico para que os direitos, as prioridades e as propostas de solução dos Povos Indígenas se refletissem em decisões vinculantes e ambiciosas. Mas a COP termina com os governos do mundo, que tanto insistem em defender que este é um processo conduzido pelas Partes da Convenção, demonstrando falta de ambição e até mesmo de interesse diante do chamado urgente à ação.

Deixamos Belém do Pará, a porta da Amazônia, para continuar nossa luta pela sobrevivência de todas e todos que habitam e dependem deste bioma para nossa vida e pervivência. Apresentamos um balanço da COP30, assim como os elementos essenciais que permanecem pendentes.

1. Reconhecimento e proteção de todos os territórios indígenas, especialmente dos territórios com presença de Povos Indígenas em Isolamento e Recente Contato (PIIRC),
como política e ação climática
Celebramos a homologação de quatro Territórios Indígenas no Brasil e a incorporação de uma referência inicial aos direitos territoriais no texto do Mutirão Global. Contudo, esses sinais políticos são insuficientes e estão longe de garantir a segurança jurídica e proteção efetiva de nossos territórios. Lamentamos, também, que a referência à proteção de nossos direitos não tenha sido incluída na parte operacional dos textos. Essa ausência não reconhece nosso papel fundamental na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Valorizamos que, no Programa de Trabalho de Sharm el-Sheikh para implementação e ambição de mitigação, tenha sido incluída a importância de reconhecer nossos direitos sobre nossas terras e territórios. No entanto, reconhecer não significa proteger, e esse reconhecimento continua sendo insuficiente. A proteção efetiva dos territórios - especialmente daqueles com presença de Povos Indígenas em Isolamento e Recente Contato (PIIRC) - deve ser uma obrigação e uma política climática. Também enfatizamos que os direitos dos Povos Indígenas são específicos e que qualquer tentativa de desconsiderar suas características e nossas necessidades diferenciadas deve ser evitada.

Reiteramos que não haverá ação climática efetiva sem segurança jurídica, sem territórios livres de ameaças, sem garantias de proteção e sem respeito ao princípio de não contato para os PIIRC.

2. Acesso direto a financiamento direto, flexível e culturalmente apropriado
Saudamos que o Tropical Forests Forever Facility (TFFF) reconheça a necessidade de operacionalizar o acesso direto ao financiamento para os Povos Indígenas e estabeleça um percentual mínimo de 20% para Povos Indígenas.

No entanto, essa cifra continua desproporcional ao papel que cumprimos na proteção das florestas. Além disso, é necessário estabelecer salvaguardas sociais e ambientais robustas sobre todas as inversões realizadas na implementação territorial do mecanismo, voltadas à proteção dos direitos dos Povos Indígenas e à integração dos sistemas de conhecimento indígena.

Com relação ao Fundo Verde para o Clima (GCF pelas siglas em inglês), ainda que a decisão final não tenha sido exatamente como propusemos, saudamos que essa decisão promova o acesso direto, incluindo para os Povos Indígenas. Embora insuficiente, representa um passo importante.

Esperamos que, brevemente, a diretoria do GCF implemente uma janela específica, flexível e culturalmente apropriada para que os Povos Indígenas, nossas organizações e nossos próprios mecanismos financeiros possam receber recursos diretamente.

Enfatizamos, finalmente, que o financiamento para os Povos Indígenas não deve ser limitado à nossa contribuição para a mitigação. Devemos ser considerados parceiros e atores na adaptação, e como população afetada por perdas e danos. Portanto, esses fundos também devem desenvolver e operacionalizar o acesso direto, flexível e culturalmente apropriado, a fim de fortalecer nossos próprios governos e a implementação de nossas estratégias e ações no exercício pleno de nossos direitos.

3. Territórios indígenas - especialmente territórios PIIRC - livres de extrativismo como petróleo, mineração, monocultivos e outras atividades intensivas e extensivas
Reconhecemos como um avanço histórico a inclusão explícita dos Povos Indígenas em Isolamento e Recente Contato no parágrafo 12.i do Programa de Trabalho de Transição Justa. Este reconhecimento deve ser um ponto de partida, não o teto da ambição. Na Amazônia vivem mais de 180 Povos Indígenas em Isolamento e Recente Contato, e a decisão desta COP30 registra um avanço fundamental em seu reconhecimento e proteção.

No entanto, lamentamos profundamente que a COP30 não tenha estabelecido Zonas de Exclusão livres de petróleo, gás, mineração e monocultivos, especialmente em territórios PIIRC. A expansão dessas indústrias continua sendo a maior ameaça às nossas vidas, culturas e à estabilidade climática global. A Amazônia precisa ser declarada uma zona livre de todo tipo de extrativismo destrutivo, como condição mínima para evitar o ponto de não retorno e sua degradação ambiental.

Celebramos as iniciativas anunciadas, incluindo a Declaração de Belém sobre a Transição para Fora dos Combustíveis Fósseis, proposta pela Colômbia, e a convocatória para a conferência prevista em Santa Marta em 2026; assim como a disposição do Brasil de liderar um mapa de caminho para uma transição energética justa e para a saída dos combustíveis fósseis. Fazemos um chamado claro a ambos países para que garantam a participação e representação plena e efetiva dos Povos Indígenas nesses processos e que incorporem ações específicas para garantir o respeito aos direitos dos Povos Indígenas, incluindo nossa autodeterminação e o direito ao consentimento livre, prévio e informado, além de salvaguardas para garantir a vida e a pervivência dos PIIRC.

Ao mesmo tempo, expressamos profunda preocupação com a eliminação total das referências aos impactos e riscos sociais, ambientais e de direitos humanos associados à mineração e aos minerais de transição no Programa de Trabalho de Transição Justa. Essa omissão constitui um grave retrocesso em um contexto no qual tais atividades estão sendo promovidas em nome da transição energética, e que já gera impactos severos em territórios indígenas. Também ignora as considerações feitas pelo Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas e pelo Painel do Secretário-Geral sobre minerais essenciais para a transição energética.

Finalmente, saudamos a Declaração da Colômbia sobre declarar a Amazônia como zona livre de grande mineração e hidrocarbonetos. Os territórios dos Povos Indígenas são os mais protegidos, conservados e biodiversos; devemos protegê-los de todo tipo de extrativismo e exigimos que toda a Amazônia seja declarada uma zona de exclusão de todo tipo de extrativismo.

4. Representação e participação plena e efetiva
Reconhecemos o esforço logístico de nossas organizações que possibilitou uma presença indígena sem precedentes nesta COP30, com milhares de representantes vindos de toda a Amazônia. Saudamos o apoio oferecido pelo Ministério dos Povos Indígenas do Brasil para nos receber, e pelos diversos governos que convidaram representantes dos Povos Indígenas para integrar suas delegações, como Colômbia, Brasil, Panamá e outros. No entanto, reafirmamos que presença não é participação plena e efetiva. Como titulares de direitos e atores fundamentais da ação climática, precisamos de acesso oportuno à informação, participação direta nos espaços de negociação, reconhecimento de nossas estruturas próprias de governança e a incorporação generalizada de negociadores indígenas nas delegações oficiais.

Lamentamos que a Presidência da COP30 não tenha garantido o diálogo substantivo e contínuo com nossas organizações e que não tenha sido uma defensora ativa de nossas prioridades e propostas, as quais foram apresentadas em todas as reuniões preparatórias rumo à COP30.

5. Inclusão dos sistemas de conhecimento indígena
Valorizamos as referências aos sistemas de conhecimento indígena em vários textos, incluindo o Mutirão Global, o Programa de Trabalho de Transição Justa, entre outros. No entanto, sublinhamos que ainda persiste uma falta de compreensão entre sistemas de conhecimento indígena e conhecimentos tradicionais, conceitos distintos e com implicações inclusive jurídicas.

Os sistemas de conhecimento indígena incluem nossa relação com o território, as terras e as águas, nossa governança e espiritualidade; tudo isso resulta na conservação de nossos territórios e em nossa resiliência, e deve ser reconhecido em sua totalidade, não fragmentado nem reduzido a um componente técnico de adaptação.

6. Proteção das defensoras e defensores indígenas
Saudamos a proposta do Brasil de um Plano Nacional de Proteção para Defensores de Direitos Humanos, apresentada no âmbito da COP30, e voltada à proteção de defensoras e defensores de direitos humanos. Defender territórios e defender a vida é um direito, não um crime. As defensoras e defensores indígenas exigem proteção diferenciada. Esse passo inicial requer mecanismos operacionais claros que garantam a prevenção da violência e da criminalização de defensoras e defensores indígenas, sua proteção imediata, a investigação e punição dos agressores e apoio direto às organizações indígenas que lideram essa defesa em contextos de alto risco.

Os Povos Indígenas da Bacia Amazônica estiveram presentes. Dentro e fora da zona azul, apresentamos e compartilhamos nossas propostas acionáveis para alcançar os compromissos que as Partes e outros atores tanto citam, mas para os quais não há compromissos reais para sua implementação. Nós sabemos que somos a resposta e exigimos coerência: que a ação climática reconheça nosso papel como atores no combate às mudanças climáticas. E que reconheça também que a Amazônia viva é condição para a estabilidade climática do planeta.

Deixamos Belém do Pará com a articulação fortalecida entre os Povos Indígenas da Bacia Amazônica e seguiremos este trabalho e caminho coletivo para além da COP30. Nossas propostas e demandas são claras e acionáveis, e as levaremos a todos os espaços de decisão.

https://coiab.org.br/declaracao-dos-povos-indigenas-da-amazonia-em-resposta-aos-resultados-da-cop30/
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.