De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Povo Guarani manifesta repúdio à PEC 48/2023 aprovada pelo Senado Federal
10/12/2025
Fonte: yvyrupa - https://www.yvyrupa.org.br
PEC aprovada no Senado estabelece 1988 como marco para demarcação de terras indígenas e representa grave retrocesso aos direitos originários dos povos indígenas e um atentado à democracia brasileira.
A Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização autônoma do povo Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, vem a público manifestar seu veemente repúdio à aprovação, pelo Senado Federal, da Proposta de Emenda à Constituição no 48/2023, que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas.
A votação realizada em 9 de dezembro de 2025, que aprovou a PEC por 52 votos a 15 em segundo turno, representou um ataque frontal aos direitos originários dos povos indígenas, garantidos pela Constituição Federal de 1988.
A PEC 48/2023 propõe alterar o § 1o do artigo 231 da Constituição Federal para estabelecer o marco temporal no reconhecimento da ocupação tradicional indígena, tomando como referência a data de promulgação da Constituição, em 05 de outubro de 1988, além de acrescentar ao mesmo artigo o §6o-A e o §8o.
Na prática, isso significa que apenas seriam consideradas terras de posse permanente dos povos indígenas aquelas que estivessem ocupadas naquela data, ignorando completamente o contexto histórico de expulsões e violências sistemáticas que impediram inúmeros povos de estarem fisicamente em seus territórios tradicionais naquele momento.
Já o novo §6o-A aprofunda retrocessos ao determinar que, reconhecido o marco temporal, o posseiro ou proprietário deve receber o valor de mercado da terra mediante desapropriação por interesse social - e somente após comprovada a impossibilidade de realocar a comunidade indígena para outra área. Em essência, trata-se de distorção da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na repercussão geral, agora combinada com o incentivo à apropriação particular sobre as terras indígenas, com compensação às comunidades com "áreas equivalentes" e a exigência de um processo de desapropriação por interesse social, prevendo o pagamento do valor de mercado da terra aos particulares, além das benfeitorias úteis e necessárias.
O Supremo Tribunal Federal já havia declarado, em setembro de 2023, a incompatibilidade da tese do Marco Temporal com a Carta Magna, justamente por reconhecer o histórico de violações aos povos indígenas, impedindo que a data de 5 de outubro de 1988 seja usada como critério para comprovar a ocupação tradicional.
Apesar desta decisão da mais alta corte do país, o Senado Federal contrariou o entendimento constitucional e colocou em votação no mês de outubro de 2023 o Projeto de Lei 490 (que se tornaria, futuramente, a Lei no 14.701/2023), que busca reativar a tese do Marco Temporal e acrescentar novas limitações ao processo de demarcação das Terras Indígenas.
Um número expressivo de senadores (maioria da casa), na prática, busca subjugar a Suprema Corte aos seus interesses e cria embaraços para o cumprimento de decisão jurisdicional (decisão do STF que derrubou a tese do marco temporal).
Vale lembrar que cabe ao Supremo a interpretação da Constituição. Ele é o guardião da CF/88. Não cabe ao Senado interpretar a Carta Magna e normatizar com vistas a dar interpretação de norma que já foi decidida pelo STF, ainda mais em caso de repercussão geral, como foi o julgamento do Tema 1.031 (RE 1017365).
A norma fere a Constituição ao contrariar o artigo 231, que afirma aquilo que a ancestralidade já sabe: os direitos territoriais dos povos indígenas são anteriores ao próprio Estado brasileiro e, portanto, não podem ser restringidos por prazos ou condicionantes temporais.
Os direitos originários não admitem marcos temporais arbitrários
A Constituição Federal reconhece que os direitos territoriais indígenas são originários, imprescritíveis e anteriores à própria formação do Estado brasileiro. Estabelecer como marco temporal a data de 5 de outubro de 1988 ignora séculos de história marcada por deslocamentos forçados e esbulhos violentos, massacres e genocídio sistemático, políticas oficiais de integração forçadas, além das expulsões dos povos indígenas dos seus territórios tradicionais. Recorda-se de que nós, povos indígenas, não tínhamos capacidade civil até 1988. Foi a própria Constituição Federal que estabeleceu a superação do mecanismo de tutela.
Exigir que os povos indígenas comprovem ocupação física na data da promulgação da Constituição é impor sobre as vítimas históricas o ônus da violência que sofreram. É transformar a injustiça histórica em critério jurídico. Tiraram-nos das nossas terras, mataram nossos ancestrais e, ainda hoje, vemos o Senado legitimar que nossos parentes não possam viver plenamente em suas tekoa. Mas nós seguimos aqui, afirmando que a vida Guarani depende dos territórios - e é neles que permaneceremos, porque é ali que está nossa história, nossa espiritualidade e nosso futuro.
A proteção dos territórios indígenas é fundamental para o equilíbrio climático e para garantir um futuro possível. Dados do MapBiomas mostram que as Terras Indígenas são, comprovadamente, as áreas mais bem conservadas do país. Enquanto propriedades privadas perderam quase 20% de sua vegetação nativa nos últimos anos, nas TIs a redução foi de apenas 1,2%. Hoje, estes territórios ocupam cerca de 13,9% do Brasil e concentram 115,3 milhões de hectares de vegetação nativa - o que representa 20,4% de toda a cobertura vegetal do país.
A terra para o povo Guarani não é mercadoria, não é propriedade. A terra é nossa mãe; é o lugar onde nossos ancestrais estão enterrados, onde nascemos, onde vivemos nossa espiritualidade e cultura. Onde vivem as florestas e, com elas, a possibilidade de vida para as próximas gerações. Sem território, não há futuro. O marco temporal é uma sentença de morte para o povo Guarani e todos os povos indígenas do Brasil. É a continuação do projeto colonial de extermínio e expropriação que nunca cessou.
Diante deste cenário, a Comissão Guarani Yvyrupa:
REAFIRMA que os direitos territoriais Guarani são originários, imprescritíveis e independem de qualquer marco temporal arbitrário para sua legitimidade, conforme reconhecido pela Constituição Federal de 1988 e pelo sistema internacional de direitos humanos;
DENUNCIA a PEC 48/2023 como uma iniciativa inconstitucional, violadora da ordem democrática e frontalmente contrária aos princípios fundamentais que regem a proteção dos povos indígenas no Brasil, ao tentar restringir direitos que antecedem a formação do próprio Estado brasileiro;
DESTACA que o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, reafirmando que os direitos territoriais indígenas não podem ser limitados por critérios restritivos ou condicionados por datas fixadas artificialmente, sendo dever do Estado garantir sua demarcação, proteção e integridade;
AFIRMA que a defesa das Terras Indígenas é inseparável da defesa do clima e da vida no planeta, pois os territórios Guarani cumprem papel fundamental na proteção das florestas, dos biomas e das águas. Qualquer ataque às TIs - inclusive por meio da PEC 48/2023 - amplia a vulnerabilidade climática, ameaça a biodiversidade e compromete compromissos ambientais assumidos pelo Brasil no âmbito internacional;
REAFIRMA o compromisso do povo Guarani com a defesa de seus territórios tradicionais, da vida nas Tekoa e da continuidade de seus modos de existência, mantendo firme a luta por justiça, dignidade, preservação ambiental e respeito aos direitos constitucionalmente assegurados.
https://www.yvyrupa.org.br/2025/12/10/povo-guarani-manifesta-repudio-a-pec-48-2023-aprovada-pelo-senado-federal/
A Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização autônoma do povo Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, vem a público manifestar seu veemente repúdio à aprovação, pelo Senado Federal, da Proposta de Emenda à Constituição no 48/2023, que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas.
A votação realizada em 9 de dezembro de 2025, que aprovou a PEC por 52 votos a 15 em segundo turno, representou um ataque frontal aos direitos originários dos povos indígenas, garantidos pela Constituição Federal de 1988.
A PEC 48/2023 propõe alterar o § 1o do artigo 231 da Constituição Federal para estabelecer o marco temporal no reconhecimento da ocupação tradicional indígena, tomando como referência a data de promulgação da Constituição, em 05 de outubro de 1988, além de acrescentar ao mesmo artigo o §6o-A e o §8o.
Na prática, isso significa que apenas seriam consideradas terras de posse permanente dos povos indígenas aquelas que estivessem ocupadas naquela data, ignorando completamente o contexto histórico de expulsões e violências sistemáticas que impediram inúmeros povos de estarem fisicamente em seus territórios tradicionais naquele momento.
Já o novo §6o-A aprofunda retrocessos ao determinar que, reconhecido o marco temporal, o posseiro ou proprietário deve receber o valor de mercado da terra mediante desapropriação por interesse social - e somente após comprovada a impossibilidade de realocar a comunidade indígena para outra área. Em essência, trata-se de distorção da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na repercussão geral, agora combinada com o incentivo à apropriação particular sobre as terras indígenas, com compensação às comunidades com "áreas equivalentes" e a exigência de um processo de desapropriação por interesse social, prevendo o pagamento do valor de mercado da terra aos particulares, além das benfeitorias úteis e necessárias.
O Supremo Tribunal Federal já havia declarado, em setembro de 2023, a incompatibilidade da tese do Marco Temporal com a Carta Magna, justamente por reconhecer o histórico de violações aos povos indígenas, impedindo que a data de 5 de outubro de 1988 seja usada como critério para comprovar a ocupação tradicional.
Apesar desta decisão da mais alta corte do país, o Senado Federal contrariou o entendimento constitucional e colocou em votação no mês de outubro de 2023 o Projeto de Lei 490 (que se tornaria, futuramente, a Lei no 14.701/2023), que busca reativar a tese do Marco Temporal e acrescentar novas limitações ao processo de demarcação das Terras Indígenas.
Um número expressivo de senadores (maioria da casa), na prática, busca subjugar a Suprema Corte aos seus interesses e cria embaraços para o cumprimento de decisão jurisdicional (decisão do STF que derrubou a tese do marco temporal).
Vale lembrar que cabe ao Supremo a interpretação da Constituição. Ele é o guardião da CF/88. Não cabe ao Senado interpretar a Carta Magna e normatizar com vistas a dar interpretação de norma que já foi decidida pelo STF, ainda mais em caso de repercussão geral, como foi o julgamento do Tema 1.031 (RE 1017365).
A norma fere a Constituição ao contrariar o artigo 231, que afirma aquilo que a ancestralidade já sabe: os direitos territoriais dos povos indígenas são anteriores ao próprio Estado brasileiro e, portanto, não podem ser restringidos por prazos ou condicionantes temporais.
Os direitos originários não admitem marcos temporais arbitrários
A Constituição Federal reconhece que os direitos territoriais indígenas são originários, imprescritíveis e anteriores à própria formação do Estado brasileiro. Estabelecer como marco temporal a data de 5 de outubro de 1988 ignora séculos de história marcada por deslocamentos forçados e esbulhos violentos, massacres e genocídio sistemático, políticas oficiais de integração forçadas, além das expulsões dos povos indígenas dos seus territórios tradicionais. Recorda-se de que nós, povos indígenas, não tínhamos capacidade civil até 1988. Foi a própria Constituição Federal que estabeleceu a superação do mecanismo de tutela.
Exigir que os povos indígenas comprovem ocupação física na data da promulgação da Constituição é impor sobre as vítimas históricas o ônus da violência que sofreram. É transformar a injustiça histórica em critério jurídico. Tiraram-nos das nossas terras, mataram nossos ancestrais e, ainda hoje, vemos o Senado legitimar que nossos parentes não possam viver plenamente em suas tekoa. Mas nós seguimos aqui, afirmando que a vida Guarani depende dos territórios - e é neles que permaneceremos, porque é ali que está nossa história, nossa espiritualidade e nosso futuro.
A proteção dos territórios indígenas é fundamental para o equilíbrio climático e para garantir um futuro possível. Dados do MapBiomas mostram que as Terras Indígenas são, comprovadamente, as áreas mais bem conservadas do país. Enquanto propriedades privadas perderam quase 20% de sua vegetação nativa nos últimos anos, nas TIs a redução foi de apenas 1,2%. Hoje, estes territórios ocupam cerca de 13,9% do Brasil e concentram 115,3 milhões de hectares de vegetação nativa - o que representa 20,4% de toda a cobertura vegetal do país.
A terra para o povo Guarani não é mercadoria, não é propriedade. A terra é nossa mãe; é o lugar onde nossos ancestrais estão enterrados, onde nascemos, onde vivemos nossa espiritualidade e cultura. Onde vivem as florestas e, com elas, a possibilidade de vida para as próximas gerações. Sem território, não há futuro. O marco temporal é uma sentença de morte para o povo Guarani e todos os povos indígenas do Brasil. É a continuação do projeto colonial de extermínio e expropriação que nunca cessou.
Diante deste cenário, a Comissão Guarani Yvyrupa:
REAFIRMA que os direitos territoriais Guarani são originários, imprescritíveis e independem de qualquer marco temporal arbitrário para sua legitimidade, conforme reconhecido pela Constituição Federal de 1988 e pelo sistema internacional de direitos humanos;
DENUNCIA a PEC 48/2023 como uma iniciativa inconstitucional, violadora da ordem democrática e frontalmente contrária aos princípios fundamentais que regem a proteção dos povos indígenas no Brasil, ao tentar restringir direitos que antecedem a formação do próprio Estado brasileiro;
DESTACA que o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, reafirmando que os direitos territoriais indígenas não podem ser limitados por critérios restritivos ou condicionados por datas fixadas artificialmente, sendo dever do Estado garantir sua demarcação, proteção e integridade;
AFIRMA que a defesa das Terras Indígenas é inseparável da defesa do clima e da vida no planeta, pois os territórios Guarani cumprem papel fundamental na proteção das florestas, dos biomas e das águas. Qualquer ataque às TIs - inclusive por meio da PEC 48/2023 - amplia a vulnerabilidade climática, ameaça a biodiversidade e compromete compromissos ambientais assumidos pelo Brasil no âmbito internacional;
REAFIRMA o compromisso do povo Guarani com a defesa de seus territórios tradicionais, da vida nas Tekoa e da continuidade de seus modos de existência, mantendo firme a luta por justiça, dignidade, preservação ambiental e respeito aos direitos constitucionalmente assegurados.
https://www.yvyrupa.org.br/2025/12/10/povo-guarani-manifesta-repudio-a-pec-48-2023-aprovada-pelo-senado-federal/
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