De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Haverá política indigenista?

03/05/2004

Autor: SANTILLI, Márcio

Fonte: JB, Outras Opiniões, p. A11



Haverá política indigenista?

Márcio Santilli
Filósofo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não decidiu homologar a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Assim, persiste a principal pendência herdada quanto à demarcação das terras indígenas e se prolonga uma situação de conflito. Esta decisão - confirmar a demarcação ou reduzir a extensão demarcada - sinalizará o rumo da política indigenista no seu governo: se estará fundamentada na promoção dos direitos indígenas ou se priorizará interesses contrariados pelas demarcações.
Lula já homologou 33 terras indígenas nos seus 16 meses de governo. É uma estatística razoável: Collor homologou 112 (33 meses), Itamar 16 (26 meses) e FHC 145 (oito anos). Mas foi um percurso sofrido: processos foram enviados para a análise do Conselho de Defesa Nacional e se permitiu a politização do caso Raposa Serra do Sol, como se fosse o caso de discutir os limites de terras já demarcadas. E o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, até agora, só decidiu demarcar quatro terras, num desempenho inferior ao dos antecessores.
A demarcação das terras indígenas é condição para uma política indigenista. Enquanto as terras não estão demarcadas, prevalece a lógica do conflito. Os esforços ficam centrados na luta pela terra. A presença de invasores favorece a transmissão de doenças e dificulta as atividades de produção. As relações entre vizinhos são mais tensas e não há clima para parcerias.
Com as terras demarcadas os conflitos tendem a diminuir, desfazendo-se o nó que emperra a política indigenista. Para os índios, a agenda principal passa a ser a ocupação econômica das terras demarcadas, a atenção à saúde, o provimento da educação escolar, o incremento das manifestações culturais. Por isso, a determinação do governo em resolver a questão da terra revela sua real condição para implementar políticas positivas frente às demandas dos índios.
Espera-se que o governo Lula passe a dar mais atenção às necessidades econômicas dos povos indígenas. O usufruto pelos índios dos recursos naturais das suas terras, assim como as condições para a sua exploração por terceiros, ainda dependem de regulamentação. Iniciativas importantes de governo, como Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), ainda não chegaram às comunidades indígenas. Falta proteção aos conhecimentos tradicionais e regras para o acesso aos recursos genéticos que lhes garantam a participação nos seus benefícios. E ainda não há suficiente clareza sobre a plena capacidade civil dos índios, o que lhes dificulta o acesso ao crédito e ao simples registro dos seus empreendimentos.
Lacunas deste tipo estão por trás de conflitos como o havido em Rondônia, que resultou na execução de 29 garimpeiros pelos índios Cinta Larga, por conta de divergências quanto à exploração de diamantes. Suas terras estão demarcadas, mas não há regulamentação para que os índios garimpem ou para que uma empresa possa fazer a exploração legalmente, compensando os índios. Na ausência de regras, prevalecem as invasões de garimpeiros e associações ilícitas com chefes indígenas.
Há, também, outras lacunas legais a serem supridas através da revisão da lei 6001/73, o Estatuto do Índio, necessárias para adequar a legislação ordinária aos termos da Constituição de 88. Apesar disso, o governo promulgou recentemente um decreto, fazendo vigorar no país a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre populações indígenas e tribais, o que representa um avanço legislativo importante e há tempo esperado.
Pouco se fez quanto à educação escolar dos índios, e só agora o Ministério da Educação (MEC) parece se reestruturar e buscar alguma resposta. Também há problemas na atenção à saúde: a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) tem reduzido e atrasado os repasses de recursos, e restringido a atuação de entidades conveniadas na prestação de serviços, embora não tenha como remunerar profissionais contratados diretamente nos mesmos níveis dos convênios. Em vez de avanço na qualidade dos serviços, tem havido mais descontinuidade e descontentamento nas comunidades. A Fundação Nacional do Índio (Funai) já está com o seu terceiro presidente neste governo, não há uma proposta para a sua reestruturação, e o seu orçamento continua ridículo.
Por outro lado, estruturou-se no âmbito do Ministério do Meio Ambiente um programa de apoio a projetos-piloto de comunidades indígenas (PDPI) para apoiar atividades de manejo sustentável dos recursos naturais. Esperam-se iniciativas no mesmo sentido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Há um baixo grau de integração na atuação dos órgãos responsáveis por essas políticas. Não foi criado um conselho de política indigenista para reunir representações do Estado, dos índios e de outras entidades, assim como não foi convocada uma conferência nacional para discuti-la, iniciativas que constam do programa do atual governo.

Márcio Santilli, ex-presidente da Funai (1995-96), é integrante do Conselho Diretor do Instituto Socioambiental (ISA)

JB, 03/05/2004, Outras Opiniões, p. A11
 

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