De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Vozes da aldeia

14/01/2004

Autor: TARANTINO, Mônica

Fonte: Veja, Medicina & Bem-Estar, p. 36-37



Vozes da Aldeia

Mônica Tarantino

Desde o ano passado, o índio xavante Leandro Waiassé, 17 anos, percorreu mais de quatro mil quilômetros até encontrar diagnóstico e voltar com o tratamento médico adequado para a aldeia Wederã, onde vive, no norte de Mato Grosso. A peregrinação começou por causa de fortes dores no peito e falta de ar. A intensidade dos sintomas fez o agente de saúde da aldeia, o xavante Jamiro, recomendar ao jovem uma viagem até o Pólo Base de Saúde de Água Boa, município a 200 quilômetros da aldeia, mantido pela Sociedade em Defesa da Cidadania (SDC), organização não-governamental (ONG) que desde 1999 é responsável pela saúde dos xavantes. Lá, foi medicado com antibióticos para tratar uma possível pneumonia. Não adiantou. Como a saúde piorou, Leandro foi levado pelo cacique Suptó até o hospital regional de Água Boa, onde recebeu mais antibióticos. Mesmo assim, as dores continuavam. Leandro, então, foi de ônibus até Goiânia, a 900 quilômetros da reserva, procurar ajuda na Casa do índio. Também não deu certo. "Esperamos duas semanas, mas não conseguimos uma consulta. Daí resolvemos ir a São Paulo", conta Caimi, 27 anos, irmão de Leandro. Na capital paulista, o jovem ficou dois meses na Casa de Saúde do índio e foi atendido no ambulatório de saúde indígena da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Voltou à aldeia há três meses. O diagnóstico: lesão cardíaca provocada por febre reumática (doença inflamatória capaz de causar danos nas articulações e no coração). "Pode ser que eu tome remédio a vida toda", diz.
A trajetória de Leandro denuncia a fragilidade da assistência médica aos xavantes. "No ano passado, ficamos cerca de seis meses sem a visita de um médico", revela Suptó. Isso ocorreu durante a licença maternidade e férias da única médica contratada pela SDC para cuidar da saúde de 2,5 mil índios. Foi nesse período que o estado de saúde de Leandro piorou. "O problema é que a SDC não mandou um médico substituto", protesta o cacique. A falha não foi por falta de dinheiro. Segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão do Ministério da Saúde responsável pela saúde indígena, a ONG terá recebido até julho deste ano cerca de R$ 6,1 milhões, quando se encerra o convênio fírmado com o governo. Do início da sua atividade até lá, estima-se que o repasse total somará R$ 18,1 milhões. O presidente da SDC, José Guilherme Montenegro, atribuiu a ausência de médicos ao desinteresse dos profissionais. "Há poucos médicos dispostos a ficar na região, ainda que a remuneração seja boa (R$ 6 mil)", afirmou.
Montenegro é ex-funcionário da Fundação Nacional do índio (Funai).
O modelo atual de assistência à saúde indígena está em vigor desde 1999, quando o governo destinou ao terceiro setor (as ONGs) os recursos e a responsabilidade de planejar e realizar as ações de saúde com essa população. Além da verba repassada às organizações (R$ 119,8 milhões em 2002 e R$ 118,4 milhões em 2003), o governo remunera o atendimento hospitalar dado aos índios pelo Sistema único de Saúde, do mesmo jeito que faz com os demais cidadãos. A Funasa também envia mensalmente aos hospitais verbas para incentivar o atendimento aos índios. A aplicação desses recursos dá resultados diferenciados. Há acertos como a redução da mortalidade infantil na área xavante e casos como o de Leandro, que exemplifica a ausência de integração entre as estruturas municipais, estaduais, de ONGs e da Funasa. Essa falta de sintonia se repete em outras áreas e prejudica milhares de índios.
Atrás de soluções para esse e outros problemas, o diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, o sanitarista Ricardo Chagas, promete iniciar a implantação de novo modelo de gestão neste começo de ano. Uma das medidas é a Fundação responder pelo planejamento das ações de saúde. "Assumimos as diretrizes e as ONGs prestarão serviços e participarão da discussão de prioridades e necessidades. A partir de agora, tudo será debatido com os Conselhos Distritais de Saúde Indígena", garante. Chagas acredita que esse formato dará maior transparência e controle social à aplicação dos recursos. Se tudo funcionar, a opinião dos índios terá mais
peso, visto que metade dos assentos desse Conselho pertence a eles. Em alguns locais, já há sinais da mudança. No Alto Xingu, na reserva xinguana, uma associação indígena fará parceria com o distrito de saúde local para planejar as ações. O modelo foi incentivado por especialistas da Unifesp, que desde 1965 atua na região. "A Unifesp fica responsável apenas pelo Baixo e Médio Xingu e dará cursos de capacitação aos índios para decidir as ações de saúde", afirma o sanitarista Douglas Rodrigues, coordenador do Projeto Xingu. Em fevereiro, haverá em Brasília um encontro para coordenar a implementação do novo programa e anunciar a criação de um conselho consultivo de ONGs vinculado a Funasa.

Veja, 14/01/2004, Medicina & Bem-Estar, p.36-37
 

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