De Povos Indígenas no Brasil
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News
A vitória histórica em Raposa/Serra do Sol
20/04/2008
Autor: BASTOS, Márcio Thomaz; BADIN, Luiz Armando
Fonte: FSP, Tendências/Debates, p. A3
A vitória histórica em Raposa/Serra do Sol
Márcio Thomaz Bastos e Luiz Armando Badin
Em 15 de abril de 2005, o presidente Lula assinou um decreto que o fará lembrado pelas próximas gerações de brasileiros. Ao concluir a demarcação da terra indígena Raposa/Serra do Sol, pôs um ponto final em 20 anos de conflito e assegurou a realização do direito constitucional de 18 mil índios que habitam um dos lugares mais bonitos do país.
Outros interesses públicos nacionais relevantes também foram preservados. A homologação abriu uma nova etapa no desenvolvimento da região e afirmou a soberania do povo brasileiro sobre porção estratégica de nosso território.
Todos aqueles que participaram da luta pelo cumprimento da Constituição sabem como foi duro o caminho percorrido até que chegássemos a essa decisão simbólica, hoje reconhecida como um dos pontos culminantes da política indigenista.
Boa parte dessas dificuldades se deve ao fato de que Raposa/Serra do Sol sintetiza, de maneira exemplar, as contradições da sociedade brasileira.
Falamos de uma área de 1,7 milhão de hectares -Portugal e Bélgica têm, juntos, aproximadamente esse tamanho-, em que vivem, na fronteira com a Guiana e a Venezuela, cinco etnias diferentes. Joaquim Nabuco, em sua célebre defesa na Questão da Guiana, referiu-se expressamente à presença dos macuxis para sustentar a posse brasileira sobre o território disputado com o país vizinho.
A maioria dos índios conserva língua, usos e costumes tradicionais. Ao longo do tempo, foi estimulada a formação de pequenas colônias e de enclaves, cujo crescimento previsivelmente tenderia a exacerbar os conflitos fundiários, colocando em risco a própria sobrevivência física e cultural das comunidades tradicionais, com a destruição de seu habitat natural.
A opção política crucial então era: demarcar a terra em ilhas, como queria a oligarquia local, ou manter a integridade do conjunto, evitando seu estilhaçamento.
O desafio sempre foi tratado como uma verdadeira questão de Estado. A Raposa/Serra do Sol situa-se na faixa de fronteira e tem importância estratégica para a defesa do território brasileiro. Ali também está localizado o Parque Nacional do Monte Roraima.
Há, portanto, uma sobreposição de regimes jurídicos especiais, todos constitucionalmente protegidos -defesa da soberania territorial, direitos dos índios, conservação ambiental, autonomia do ente federativo e respeito a sua legítima aspiração ao desenvolvimento.
Para chegar a uma solução justa e equilibrada, foram feitas várias visitas "in loco" e executados rigorosos estudos técnicos. Todas as partes envolvidas foram consultadas e ouvidas.
O Supremo Tribunal Federal, oportunamente chamado a se manifestar, decidiu favoravelmente à edição do decreto homologatório, removendo os obstáculos jurídicos que até então impediam a resolução definitiva do conflito por quem tinha competência legal, instrumentos e meios para fazê-lo: o Poder Executivo. Foram tomados todos os cuidados para dar consistência jurídica e política à decisão do presidente.
A solução adotada harmonizou os vários interesses públicos nacionais e deu máxima eficácia a um feixe de normas da Constituição Federal. Roraima foi beneficiada por medidas compensatórias, em um plano de desenvolvimento social e econômico.
A maioria dos ocupantes não índios que, de boa-fé, ainda permaneciam na área, foi pacificamente reassentada. Assegurou-se plena liberdade de atuação às Forças Armadas e à Polícia Federal.
A presença soberana e incontrastável do Estado brasileiro foi conciliada com a proteção do meio ambiente e da diversidade étnica e cultural, bens valiosos que a Constituição, generosamente, soube reconhecer.
Falta apenas finalizar a execução do decreto presidencial, concluindo o processo de extrusão da minoria remanescente. Ela já teve mais de três anos para deixar a área invadida. Não é momento de retroceder.
É hora de sedimentar os progressos históricos alcançados ao longo de duas décadas, graças ao esforço daqueles que se envolveram na construção dessa bela obra jurídica e política.
Nossos filhos e netos saberão reconhecer sua fundamental importância para a idéia que temos de nação.
Márcio Thomaz Bastos , 72, advogado, foi ministro da Justiça (2003-2007).
Luiz Armando Badin , 35, doutor em direito pela USP, foi secretário de Assuntos Legislativos e dirigiu a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça (2003-2006).
FSP, 20/04/2008, Tendências/Debates, p. A3
Márcio Thomaz Bastos e Luiz Armando Badin
Em 15 de abril de 2005, o presidente Lula assinou um decreto que o fará lembrado pelas próximas gerações de brasileiros. Ao concluir a demarcação da terra indígena Raposa/Serra do Sol, pôs um ponto final em 20 anos de conflito e assegurou a realização do direito constitucional de 18 mil índios que habitam um dos lugares mais bonitos do país.
Outros interesses públicos nacionais relevantes também foram preservados. A homologação abriu uma nova etapa no desenvolvimento da região e afirmou a soberania do povo brasileiro sobre porção estratégica de nosso território.
Todos aqueles que participaram da luta pelo cumprimento da Constituição sabem como foi duro o caminho percorrido até que chegássemos a essa decisão simbólica, hoje reconhecida como um dos pontos culminantes da política indigenista.
Boa parte dessas dificuldades se deve ao fato de que Raposa/Serra do Sol sintetiza, de maneira exemplar, as contradições da sociedade brasileira.
Falamos de uma área de 1,7 milhão de hectares -Portugal e Bélgica têm, juntos, aproximadamente esse tamanho-, em que vivem, na fronteira com a Guiana e a Venezuela, cinco etnias diferentes. Joaquim Nabuco, em sua célebre defesa na Questão da Guiana, referiu-se expressamente à presença dos macuxis para sustentar a posse brasileira sobre o território disputado com o país vizinho.
A maioria dos índios conserva língua, usos e costumes tradicionais. Ao longo do tempo, foi estimulada a formação de pequenas colônias e de enclaves, cujo crescimento previsivelmente tenderia a exacerbar os conflitos fundiários, colocando em risco a própria sobrevivência física e cultural das comunidades tradicionais, com a destruição de seu habitat natural.
A opção política crucial então era: demarcar a terra em ilhas, como queria a oligarquia local, ou manter a integridade do conjunto, evitando seu estilhaçamento.
O desafio sempre foi tratado como uma verdadeira questão de Estado. A Raposa/Serra do Sol situa-se na faixa de fronteira e tem importância estratégica para a defesa do território brasileiro. Ali também está localizado o Parque Nacional do Monte Roraima.
Há, portanto, uma sobreposição de regimes jurídicos especiais, todos constitucionalmente protegidos -defesa da soberania territorial, direitos dos índios, conservação ambiental, autonomia do ente federativo e respeito a sua legítima aspiração ao desenvolvimento.
Para chegar a uma solução justa e equilibrada, foram feitas várias visitas "in loco" e executados rigorosos estudos técnicos. Todas as partes envolvidas foram consultadas e ouvidas.
O Supremo Tribunal Federal, oportunamente chamado a se manifestar, decidiu favoravelmente à edição do decreto homologatório, removendo os obstáculos jurídicos que até então impediam a resolução definitiva do conflito por quem tinha competência legal, instrumentos e meios para fazê-lo: o Poder Executivo. Foram tomados todos os cuidados para dar consistência jurídica e política à decisão do presidente.
A solução adotada harmonizou os vários interesses públicos nacionais e deu máxima eficácia a um feixe de normas da Constituição Federal. Roraima foi beneficiada por medidas compensatórias, em um plano de desenvolvimento social e econômico.
A maioria dos ocupantes não índios que, de boa-fé, ainda permaneciam na área, foi pacificamente reassentada. Assegurou-se plena liberdade de atuação às Forças Armadas e à Polícia Federal.
A presença soberana e incontrastável do Estado brasileiro foi conciliada com a proteção do meio ambiente e da diversidade étnica e cultural, bens valiosos que a Constituição, generosamente, soube reconhecer.
Falta apenas finalizar a execução do decreto presidencial, concluindo o processo de extrusão da minoria remanescente. Ela já teve mais de três anos para deixar a área invadida. Não é momento de retroceder.
É hora de sedimentar os progressos históricos alcançados ao longo de duas décadas, graças ao esforço daqueles que se envolveram na construção dessa bela obra jurídica e política.
Nossos filhos e netos saberão reconhecer sua fundamental importância para a idéia que temos de nação.
Márcio Thomaz Bastos , 72, advogado, foi ministro da Justiça (2003-2007).
Luiz Armando Badin , 35, doutor em direito pela USP, foi secretário de Assuntos Legislativos e dirigiu a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça (2003-2006).
FSP, 20/04/2008, Tendências/Debates, p. A3
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