De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

A caminho do Jaraguá, uma aldeia resiste

15/12/2002

Autor: KATIA AZEVEDO

Fonte: Estado de S. Paulo-São Paulo-SP



Em São Paulo, uma das reservas mais precárias do País abriga 43 famílias guaranis


Cacique Jandira, que chefia reserva no Pico do Jaraguá: artesanato é a única fonte de renda da comunidade

Jandira Augusta Venício, ou Kerexu, de 68 anos, nos recebe com as mãos sujas de corante vermelho. "Estava tingindo penas", justifica. A plumagem colorida, juntamente com sementes e tiras de imbira, são utilizadas na confecção de colares, arcos e cocares. E esse artesanato é a única fonte de renda do povo chefiado pela anciã. Jandira é uma cacique - única mulher do Brasil a exercer o cargo -, e como tal detém a autoridade máxima dentro da aldeia Guarani do Jaraguá Itu, uma das reservas indígenas mais precárias do País.

A área de 17 mil metros quadrados, fica às margens da rodovia Anhangüera, e é dividida em duas partes pela estrada que dá acesso ao Pico do Jaraguá, na zona oeste da capital. Os índios foram chegando há mais de meio século e hoje são 43 famílias, ou 160 pessoas, incluindo mais de 50 crianças, que vivem em barracos ou pequenas casas de alvenaria, e convivem com fome, frio, doenças, desemprego e falta de perspectivas.

O terreno, que já abrigou uma mina de ouro, na época da colonização, é pedregoso e dificulta a agricultura; as espécies destinadas à caça são quase inexistentes; e o único rio está poluído e quase não dá peixe. A água que antes vinha das bicas, agora é fornecida pela Sabesp. Os índios também contam com luz elétrica, mas os eletrodomésticos são raridade. A comida geralmente é feita em fogão de lenha, pois a maioria não tem dinheiro para comprar gás. Geladeira é outro artigo quase inútil, pois não há alimentos para conservar.

Desnutrição - A conseqüência mais grave da escassez é a desnutrição que atinge 80% dos pequenos guaranis, indiozinhos franzinos que não aparentam a idade que têm. É o caso de Nick Macena, 1 ano e 4 meses e apenas 7 quilos. "Esse é o peso de uma criança de 6 meses", diz a funcionária da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que atende aos moradores num consultório instalado num barraco. "Minha frustração é não conseguir recuperar essas crianças", diz. Não adianta dar orientação sobre alimentos adequados, se as pessoas não têm como comprá-los.

A triste condição desses índios chamou a atenção do sertanista Orlando Villas Boas, morto na quinta-feira. "É inaceitável que esse indígenas subsistam em meio a tanta miséria" argumentou, em carta enviada em 1998 ao Governo Federal, solicitando providências. Entre outras coisas, Villas Boas propôs que a aldeia fosse transformada num ponto turístico, e que a renda fosse toda revertida para os moradores. Com base em estudo de alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), o indigenista argumentou ainda que seriam necessários apenas R$ 20 mil para construir ranchos para todas as famílias.

O sertanista era bem conhecido pelos moradores da aldeia do Jaraguá. Todos os anos ele estava lá, sempre no dia 25 de janeiro, quando ocorre a cerimônia de consagração das ervas utilizadas pelo pajé nos rituais de cura.

"Era um homem sempre disposto a ajudar. Vai fazer muita falta", diz Moacir Augusto Martins, de 45 anos, filho da cacique Jandira.

Assim como Villas Boas, Martins também acredita que o índio só sobrevive dentro da própria cultura. Por isso está empenhado em fazer com que as tradições de seu povo não morram. No ano que vem, ele deve concluir o curso de Formação de Professor Indígena da Universidade de São Paulo (USP), passando a dar aulas na escola estadual que funciona dentro da aldeia. "É muito importante que as crianças não esqueçam a língua guarani", diz.

Martins é casado com Maria Helena Vilar, de 40 anos. Ela o conheceu na Praça da Sé, onde o guarani vendia garrafas. "Era uma época boa. Dava para ganhar muito dinheiro", relembra.Vinte anos de casamento e seis filhos depois, Maria Helena reclama das mudanças. "Está muito difícil, a venda de artesanato é fraca. Já chegamos a passar até fome", diz. "Quando solteira eu morava com uma prima no Paraíso. Costumo dizer que Martins me tirou do Paraíso e me trouxe para o inferno."

Liberdade - A frase é dita em tom de brincadeira.

Apesar dos problemas, Maria Helena gosta da aldeia. "Aqui vivemos em liberdade." Outro motivo de alegria é a casa nova, conquistada graças a um acordo fechado entre a Fundação de Amparo ao Índio (Funai) e o Governo Estadual. Para compensar a destruição parcial de uma outra aldeia, em Itanhaém, no litoral sul, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) comprometeu-se a construir 30 moradias para os índios do Jaraguá.

Evelson de Freitas/AE
Crianças vivem em condições precárias: faltam recursos


Por enquanto, apenas cinco casas ficaram prontas e uma delas pertence à família de Martins. "Só posso me mudar depois da inauguração. Não vejo a hora", diz Maria Helena, observando o único cômodo de alvenaria, equipado com cozinha e banheiro.

Gilcemar Pio, de 18 anos, tem mais sorte. Seu pai, Fausto Pio, é o dono da melhor casa da aldeia, construída por ele mesmo, com tijolos e cimento.

Típico adolescente, Gilcemar usa piercing e é craque em hip hop. Sua habilidade na dança acrobática é admirável, mas sua admiração pela cultura de rua americana não afeta o apego à própria origem. "Tenho muito orgulho de meu povo, e faço questão de seguir os ritos de minha aldeia".

Esse ritos incluem o encontro diário, sempre ao final da tarde, com o pajé José Fernandes Soares, de 63 anos. Gurapepó, como é mais conhecido, é o grande líder espiritual da aldeia. Dá conselhos, corrige os erros e faz curas por meio de ervas e rezas. "Sou inspirado por Tupã." O Pajé garante que conversa todos os dias com o deus indígena, que lhe inspira sabedoria espiritual e também outras habilidades como a música. "Aprendi a tocar sozinho", diz, enquanto entoa uma canção ao violino. A Aldeia Guarani do Jaraguá Itu fica na Estrada Turística do Jaraguá, 3.680.
 

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