De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.
Noticias
Brasil impede livre trânsito a povos indígenas de fronteira
07/07/2009
Autor: Maiká Schwade *
Fonte: Adital - http://www.adital.com.br/
Em 1980 o IV Tribunal Russell, reunido na cidade de Rotterdam, Holanda, condenava os governos do Iraque, Irã e da Turquia por, dentre outras coisas, impedirem o trânsito dos Kurdos, cujo território tradicional se estende pelas três fronteiras desses países. Hoje os indígenas, cujos territórios tradicionais se estendem pelas fronteiras do Estado brasileiro e países vizinhos, sofrem com o mesmo problema.
Descobri essa realidade, em viagem à Universidad Indígena de Venezuela, onde por 15 dias prestei serviços voluntários (entre maio e junho de 2009). No retorno ao Brasil, dois jovens indígenas do povo Sanema (grupo Yanomami) solicitaram que eu os acompanhasse até o Estado de Roraima, onde se encontrariam com lideranças Yanomami, dentre elas, Davi Kopenawa.
Há séculos, os Sanema ocupam uma área de floresta entre as bacias dos rios Amazonas e Orenoco, território hoje dividido pelos estados do Brasil e da Venezuela. Imagino que nenhum de nós contestaria o direito desse povo em transitar entre as fronteiras desses dois países. Entretanto, em desacordo com a legislação brasileira e com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, a Polícia Federal Brasileira impediu os indígenas nascidos no lado venezuelano de entrar no país, alegando necessidade de passaporte.
O passaporte envolve uma série de questões que inviabilizam seu uso em casos como este. Como se pode cobrar o passaporte estrangeiro de um povo que só quer transitar em seu próprio território? Como emitir passaporte a pessoas que não têm domínio da burocracia, termo que não faz parte de sua cultura? Como carimbar um visto no interior da floresta e como controlar o trânsito ali? Por outro lado, em uma situação em que o Estado tivesse o completo domínio da fronteira, como poderiam lidar com um povo que não é brasileiro nem estrangeiro, um povo que é nada mais e nada menos que Sanema, Guarani, Tiriyó ou Tikuna? De fato, o máximo que se pode conseguir com o modelo atual é o extermino cultural.
No artigo 36 da \"Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas\", aprovada na Assembléia Geral da ONU em 2007, se lê: \"os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais, têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos através das fronteiras\". Outro documento, ainda mais antigo, é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1991 que trata da questão da mesma forma. Essa última foi aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro e assinada pelo Presidente da República em 2004. Vejam a propósito o Decreto Nº 5.051/04.
Na Polícia Federal nos apresentamos por espontânea vontade. Clandestinamente, poderíamos ter atravessado a fronteira pela mesma rodovia (BR 174), como o fazem garimpeiros e bandidos. Não posso negar a vontade que tive em conduzi-los sem o aval da polícia. Mas receio que por essa via estaríamos contribuindo para a usurpação dos direitos indígenas.
Esperando o cumprimento da lei permanecemos, Ula Apiama, Kokoy Apima e eu, acampados por cinco dias na cidade de Santa Elena de Uairen. Contamos com a solidariedade dos indígenas Pemon e da Pastoral Indigenista da Igreja Católica para sobreviver ao frio e manter contatos com os companheiros brasileiros e venezuelanos, que se esforçaram para ajudar o estado brasileiro a cumprir com suas obrigações e com o bom censo.
Mas a covardia do estado brasileiro fez com que os Sanema voltassem para sua terra sem realizar os sonhos de manter seu povo integrado, com a mesma sede de sobreviver física e culturalmente e com muita fome de justiça (Leiam um pequeno relato escrito por eles e publicado no sitio: http://www.causamerindia.com/index.php?s=5&cat=s).
É uma realidade injusta e, como tal, só pode levar a um futuro desastroso. Fragmentar um povo é reduzir suas possibilidades de sobrevivência cultural. Isso envergonha o povo brasileiro e desmoraliza seu Estado. Não é uma atitude própria de um país que busca maior reconhecimento no cenário internacional.
Queremos o respeito aos povos brasileiros, venezuelanos, bolivianos... que merecem ser reconhecidos por seus avanços nos campos político e social. Queremos que Sanema, Yanomami, Pemon, Tiriyo, Makuxi, Tikuna, Guarani... possam viver suas culturas com autonomia e trânsito livre pelos territórios que lhes pertencem à milênios.
Presidente Figueiredo (Amazonas), 29 de junho de 2009
Maiká Schwade
Casa da Cultura do Urubuí (CACUí)
* Casa da Cultura do Urubuí (CACUí)
Descobri essa realidade, em viagem à Universidad Indígena de Venezuela, onde por 15 dias prestei serviços voluntários (entre maio e junho de 2009). No retorno ao Brasil, dois jovens indígenas do povo Sanema (grupo Yanomami) solicitaram que eu os acompanhasse até o Estado de Roraima, onde se encontrariam com lideranças Yanomami, dentre elas, Davi Kopenawa.
Há séculos, os Sanema ocupam uma área de floresta entre as bacias dos rios Amazonas e Orenoco, território hoje dividido pelos estados do Brasil e da Venezuela. Imagino que nenhum de nós contestaria o direito desse povo em transitar entre as fronteiras desses dois países. Entretanto, em desacordo com a legislação brasileira e com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, a Polícia Federal Brasileira impediu os indígenas nascidos no lado venezuelano de entrar no país, alegando necessidade de passaporte.
O passaporte envolve uma série de questões que inviabilizam seu uso em casos como este. Como se pode cobrar o passaporte estrangeiro de um povo que só quer transitar em seu próprio território? Como emitir passaporte a pessoas que não têm domínio da burocracia, termo que não faz parte de sua cultura? Como carimbar um visto no interior da floresta e como controlar o trânsito ali? Por outro lado, em uma situação em que o Estado tivesse o completo domínio da fronteira, como poderiam lidar com um povo que não é brasileiro nem estrangeiro, um povo que é nada mais e nada menos que Sanema, Guarani, Tiriyó ou Tikuna? De fato, o máximo que se pode conseguir com o modelo atual é o extermino cultural.
No artigo 36 da \"Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas\", aprovada na Assembléia Geral da ONU em 2007, se lê: \"os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais, têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos através das fronteiras\". Outro documento, ainda mais antigo, é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1991 que trata da questão da mesma forma. Essa última foi aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro e assinada pelo Presidente da República em 2004. Vejam a propósito o Decreto Nº 5.051/04.
Na Polícia Federal nos apresentamos por espontânea vontade. Clandestinamente, poderíamos ter atravessado a fronteira pela mesma rodovia (BR 174), como o fazem garimpeiros e bandidos. Não posso negar a vontade que tive em conduzi-los sem o aval da polícia. Mas receio que por essa via estaríamos contribuindo para a usurpação dos direitos indígenas.
Esperando o cumprimento da lei permanecemos, Ula Apiama, Kokoy Apima e eu, acampados por cinco dias na cidade de Santa Elena de Uairen. Contamos com a solidariedade dos indígenas Pemon e da Pastoral Indigenista da Igreja Católica para sobreviver ao frio e manter contatos com os companheiros brasileiros e venezuelanos, que se esforçaram para ajudar o estado brasileiro a cumprir com suas obrigações e com o bom censo.
Mas a covardia do estado brasileiro fez com que os Sanema voltassem para sua terra sem realizar os sonhos de manter seu povo integrado, com a mesma sede de sobreviver física e culturalmente e com muita fome de justiça (Leiam um pequeno relato escrito por eles e publicado no sitio: http://www.causamerindia.com/index.php?s=5&cat=s).
É uma realidade injusta e, como tal, só pode levar a um futuro desastroso. Fragmentar um povo é reduzir suas possibilidades de sobrevivência cultural. Isso envergonha o povo brasileiro e desmoraliza seu Estado. Não é uma atitude própria de um país que busca maior reconhecimento no cenário internacional.
Queremos o respeito aos povos brasileiros, venezuelanos, bolivianos... que merecem ser reconhecidos por seus avanços nos campos político e social. Queremos que Sanema, Yanomami, Pemon, Tiriyo, Makuxi, Tikuna, Guarani... possam viver suas culturas com autonomia e trânsito livre pelos territórios que lhes pertencem à milênios.
Presidente Figueiredo (Amazonas), 29 de junho de 2009
Maiká Schwade
Casa da Cultura do Urubuí (CACUí)
* Casa da Cultura do Urubuí (CACUí)
Las noticias publicadas en el sitio Povos Indígenas do Brasil (Pueblos Indígenas del Brasil) son investigadas en forma diaria a partir de fuentes diferentes y transcriptas tal cual se presentan en su canal de origen. El Instituto Socioambiental no se responsabiliza por las opiniones o errores publicados en esos textos. En el caso en el que Usted encuentre alguna inconsistencia en las noticias, por favor, póngase en contacto en forma directa con la fuente mencionada.